Setor do vinho português teme tarifas de 200%: Loucura, ameaça e desastre

Trump plantou incerteza no setor do vinho português com a ameaça de tarifas de 200%. Em Portugal, o setor, no todo, teme por mais de 100 milhões de receitas.
Quem entre na Trump Tower em Nova Iorque para um almoço encontra no cardápio o Trump Wine, vinho produzido na sua quinta da Virgínia. O produtor de vinhos Donald Trump é o mesmo que, na cadeira presidencial da Casa Branca, a menos de 200 km da sua quinta, tem vindo a anunciar ao longo do último mês tarifas “a martelo” sobre produtos não americanos, culminando na ameaça, no final da semana, de 200% de tarifas sobre bebidas alcoólicas europeias.
Saem das adegas portuguesas garrafas de Porto e outras marcas do Douro, de casas alentejanas e várias outras das vinhas nacionais, de onde saem anualmente cerca de 100 milhões de euros de caixas de vinho para a mesa dos norte-americanos. Ali, concorrem com outras marcas europeias e com as referências da Trump Winery, acessíveis a partir de 22,99 dólares, preço de um rosé de 2024.
Este preço de gama média é uma característica que os americanos também conhecem nos vinhos portugueses. No setor, na Europa e em particular em Portugal, antevê-se um cenário de exportações “fortemente penalizadas”, segundo afirmou Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, à Lusa. A associação interprofissional do vinho aponta para 102 milhões de euros de remessas de Portugal para os EUA, constituindo-se este como o segundo mercado de exportação para o vinho português.
No Douro, mais antiga região vinícola demarcada do mundo, onde no final do século XIX uma praga originária dos EUA, a filoxera, quase dizimou o vinhedo, teme-se que os 200% de tarifas prometidos por Trump venham abalar o negócio pela cepa. “Uma loucura para a região” é como define a ameaça o presidente da Prodouro, Rui Soares.
Viajando para sul, entramos pelo vinhedo da Comissão Vitivinícola Regional do Tejo, cujo presidente, Luís de Castro, até vê o potencial para crescimento das exportações para o subcontinente América do Norte, aproveitando as hostilidades comerciais dos EUA com os vizinhos México e Canadá. “Ir aos EUA fazer promoção fica muito caro em dinheiro e tempo”, diz o presidente dos vinhos do Tejo. “Resolvemos apostar só no Canadá, em especial no Quebec. Agora, poderá trazer-nos resultados positivos. O Canadá mandou retirar vinhos americanos das prateleiras. Agora, poderá abrir espaço para europeus”, explica Luís de Castro.
Apesar disto, Luís de Castro assume que o confronto comercial com o maior mercado importador de vinho em todo o mundo “é muito mau para o país. Para a nossa região não é dramático, 7% das nossas exportações são para os EUA.
A Região Demarcada de Lisboa tem o seu negócio muito assente na exportação, destino de 80% da produção total dos seus produtores. “Os EUA são o principal mercado externo de consumo de vinhos de Lisboa”, avança Francisco Rico, presidente da Comissão Vitivinícola. “A confirmar-se este aumento nas tarifas nesta ordem de grandeza é inevitável que se assista a um ajustamento com algum significado, sendo certo que os EUA são o principal importador mundial de vinhos, e como tal não perspetivamos que os consumidores americanos deixem simplesmente de consumir vinhos europeus”.
Outra região de olhos postos nos EUA é a dos Vinhos Verdes. A presidente da Comissão de Viticultura, Dora Simões, frisa que “os EUA são o primeiro mercado em valor para os vinhos verdes, 20 milhões de euros, numa tendência crescente”. No ano passado, a subida cifrou-se em 5%. “A situação é uma ameaça. Pode vir a acontecer um impacto grande. Ficamos preocupados. Os EUA são o primeiro mercado em valor para os vinhos verdes, 20 milhões de euros, numa tendência crescente“.
Igualmente apreensivos estão os agentes vinícolas do Alentejo, que nos últimos cinco anos conseguiram aumentar as vendas para aquele país em 40% e já ali garantem 10% das suas vendas. “Gostávamos de continuar esta tendência de crescimento”, diz Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA). “O impacto nunca é positivo, porque isso significa que uma garrafa de vinho, para entrar nos EUA, vai estar sempre mais cara e pode levar os importadores e distribuidores a reduzir encomendas”, admite.
A apreensão é comum ao Dão, que considera a possibilidade dos 200% “um desastre”, para a Beira Interior, para a qual os EUA são o terceiro mercado (200 mil garrafas e meio milhão de euros, diz o presidente da região), e, em menor escala, à Bairrada, que admite “algum impacto”. Já na Madeira, e segundo a Lusa, as exportações para os EUA representam 6,7%, o que representou 210 mil litros e 2,5 milhões de euros em 2024.
A escapatória poderá estar entre reforço nos mercados já explorados e no ataque a novas geografias. Contudo, analisa o responsável alentejano Francisco Mateus, olhando os países mais populosos: “o Canadá não tem a mesma população, a Rússia é agora difícil, na China há diminuição compras, a Índia não tem os mesmos hábitos de consumo. Os EUA são, de facto, um mercado importante. Se pura e simplesmente pensássemos no absurdo de deixar de exportar para EUA seria um revés grande. Todo um conjunto de relação entre produtores e negócios de vinhos do lado de lá deixaria de existir”.
“Os produtores vão ter que tentar encontrar na Europa, em África, no Brasil, Canadá, mercados que possam aumentar as suas compras e compensar nesses mercados”. Ainda assim, anui Francisco Mateus, uma eventual penalização tarifária de Trump “é um retrocesso de anos de trabalho que tem sido feito pelos produtores e pela comissão”.
Recorrendo, como noutras vezes, a letras capitulares para acentuar as suas palavras, Trump escreveu, na rede social TruthSocial (por si criada após ser expulso do Twitter, ao qual já regressou, à boleia da compra da empresa do pássaro azul pelo amigo Elon Musk), que se a tarifa colocada por Bruxelas sobre o Whiskey americano “não for removida imediatamente, os EUA irão brevemente colocar uma Tarifa de 200% em todos os vinhos, champagnes e produtos alcoólicos vindos de França e de outros países da União Europeia”.
A Europa parece oficialmente envolvida na instabilidade que fermenta nas relações comerciais dos EUA com o mundo. Em poucos dias, Trump colocou 25% sobre aço e alumínio, a Europa respondeu com taxas sobre 26 mil milhões de euros de produtos como Jack Daniel’s e seus compatriotas, e outros produtos, designadamente diamantes, e Trump contra-atacou com a ameaça de taxar em 200% vinhos e espumantes do velho continente.
Na sexta-feira, o chefe europeu das relações comerciais, Maros Sefcovic, escreveu na sua conta do X (ex-Twitter), após reunião com o homólogo americano, que as duas partes ainda têm muito que discutir no capítulo das tarifas. “Ainda há muito trabalho pela frente, mas vamos manter-nos focados e explorar as melhores formas de avançar na direção correta”, expressou.
MS
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