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Saúde mental dos canadianos piorou durante a pandemia

Um estudo do Angus Reid Institute revelou esta semana que 10% dos canadianos viu a sua saúde mental deteriorar muito durante a pandemia de COVID-19. O desemprego, os problemas financeiros, o medo e a falta de esperança estão a deixar as famílias preocupadas com o futuro. A crise económica, comparada com a de 1929, pode criar uma grave crise de saúde mental. O estudo divulgado esta segunda-feira (27)  indica ainda que 16% dos entrevistados sente-se deprimido e só 6% dos entrevistados é que garante estar feliz.

O estudo foi conduzido entre 15 e 17 de abril e entrevistou quase 2,000 pessoas. O diretor do Instituto lamenta que se tenha falado pouco de saúde mental desde o início da pandemia e está preocupado porque “metade dos canadianos diz que a sua saúde mental se deteriorou nas últimas semanas e uma parte significativa desta amostra diz que piorou bastante”.

Tiago Souza é psicoterapeuta e tem 17 anos de experiência

A nível nacional, a província que registou piores níveis de saúde mental foi Alberta, cerca: de 32% das pessoas viu a sua saúde mental piorar durante a pandemia. Já o Quebec teve 20% e foi a província canadiana com melhores resultados neste estudo. Ainda assim, os canadianos acham que é cedo para abrandar as restrições e reabrir a economia.

Embora os efeitos da pandemia na saúde mental sejam comuns entre todas as faixas etárias e géneros, os homens com 55 anos ou mais disseram que foram menos afetados, enquanto as mulheres entre 18 e 54 anos apresentaram maior vulnerabilidade.

Tiago Souza é psicoterapeuta e tem 17 anos de experiência. Formado na Universidade de S. Paulo, no Brasil, exerce atualmente em Ontário e esta semana falou-nos sobre a pressão que a pandemia pode exercer sobre a nossa saúde mental.

Milénio Stadium: O mundo já passou por epidemias piores, mas a COVID-19 está a testar os nossos limites individuais e colectivos. As pessoas precisam de voltar ao trabalho, mas lá fora está um vírus mortal. Como é que controlamos o medo?

Tiago Souza: O mundo já passou por calamidades no passado, mas hoje, com os avanços tecnológicos, da saúde e de colaboração internacional, podemos mitigar o impacto da atual pandemia. No entanto, novas dores sempre reativam sofrimentos passados. Controlamos o medo quando o aceitamos, conversamos sobre ele, e quando entendemos que sentir medo é parte do viver. Não eliminamos nossos medos, mas aprendemos a conviver com ele, com a inevitabilidade de nosssa finitude, e com o viver hoje mais plenamente, convivendo com nossas emoções, mesmo em meio a dificuldades e restrições, que sempre existiram.

MS: Um estudo recente do Angus Reid Institute conclui que 44% dos canadianos está preocupado com a sua saúde mental durante a pandemia. Como é que mantemos a saúde mental durante uma pandemia quando nos pedem que pratiquemos distância física social e quando o regresso à normalidade parece distante?

TS: A nossa saúde mental é algo que deve ser tratado tanto individual como coletivamente. Quando dizemos saúde mental, podemos estar falando de vulnerabilidades, medos, dores, luto, e outra infinidade de sentimentos e situações, muitas delas ora latentes e agora deflagradas pela pandemia. Coletivamente, ao tomarmos as recomendações e diretivas oficiais, baseadas em fatos e ciência, podemos nos guiar por bases sólidas e confiáveis, que servem para o bem-estar geral. Cada um pode e deve buscar auxílio profissional, e a coletividade deve agir no bem comum. O regresso não é possível, mas é necessário integrarmos as experiências atuais que nos servirão de guia para o futuro, seja ele quando for.

MS: Segundo as estatísticas, um em cada cinco canadianos vai desenvolver, durante a sua vida, problemas de saúde mental. A pandemia pode aumentar os números?

TS: Os problemas emocionais latentes estão se deflagrando. A pandemia é um catalisador. Mais do que aumentar, os problemas de saúde mental estão se revelando, e demandando cuidados imediatos. As estatísticas mostram o quadro geral da população, e servem como medida de saúde pública. Neste sentido, quando antes procurarmos auxílio profissional, mais cedo deixaremos de fazer parte desta preocupante estatística.

MS: As vendas de álcool e de canábis têm disparado no país e na província de Ontário. Teria sido perigoso encerrar estes serviços nas atuais circunstâncias?

TS: A venda destes produtos revela como muitas pessoas estão tentando lidar com os efeitos da pandemia nas suas emoções, vida social e financeira. E quando há dependência, principalmente física, interromper abruptamente o uso pode ser, em alguns casos, fatal. Proibir o acesso não é recomendado, tanto quanto o acesso irrestrito não é benéfico. Medidas mais efetivas devem ser tomadas para que aquelas pessoas sofrendo com a dependência tenham um acesso controlado, com a diminuição gradual do uso, monitorados por profissionais de saúde. Sabemos que questões políticas estão involvidas nessas decisões, e cabe aos governantes escutar as vozes da ciência neste sentido.

MS: Algumas empresas não vão voltar a abrir e o desemprego vai ser elevado. Agora mais do que nunca o Estado tem que criar programas públicos de saúde mental?

TS: Sem dúvida. Muitos programas já existem, mas o acesso é difícil. Hoje temos organizações como o Canadian Mental Health Association (CMHA), o Centre for Addictions and Mental Health (CAMH), o Addiction Services for York Region (ASYR), e muitas outras organizações, abertas ao público tanto presencial como virtualmente, provendo serviços gratuitos nas áreas da saúde mental e dependência química. Centros de apoio a violência doméstica e saúde mental infanto-juvenil estão recebendo apoio governamental, e espera-se que o acesso seja facilitado. É preciso dar mais visibilidade a essas iniciativas, facilitar o acesso, e aumentar os recursos para que estas oganizações atendam a crescente demanda. Precisamos estender as mãos aos que necessitam, e não esperar que eles cheguem até a ajuda.

MS: A pandemia vai mudar a relação entre casais e pais e filhos?

TS: Eu já presencio esta mudança em meus atendimentos. De início, poderemos presenciar mais irritação, distância e falta de paciência uns com outros, e a tendência a nos isolarmos. Para que possamos reaprender a nos relacionar, dando a oportunidade de nos conhecermos de novo, é importante agirmos com gentileza e compaixão, conosco mesmo e com nossos familiares. Estamos todos vivendo este período juntos, e todos estamos sendo afetados. Ao lado da distância social, estamos vivendo a chance de aproximação familiar. É uma crise, e uma oportunidade para todos nós. Que passemos por isso juntos.

Joana Leal/MS

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