Temas de Capa

Sair do armário no séc. XXI

Numa tarde fria de fevereiro, aqui em Toronto, Cristina Da Costa esteve à conversa com duas pessoas muito queridas da comunidade, Luís De Castro e Carlos Lopes. Dois amigos que quando a situação se propôs disponibilizaram-se a conversar um pouco sobre o que é ser, o que é estar e o que é viver na comunidade LGBT aqui na cidade de Toronto. Para quem não sabe, a tradução à letra é Lesbian Gay Bisexual and Transgender community.
Esta comunidade que existe no mundo inteiro, há pessoas que aceitam, outras nem tanto outras que omitem, outras que vivem e fingem que não vivem. Nós aqui estamos com duas pessoas reais que se disponibilizaram a falar e expor um pouco aquilo que é ser “diferente do normal”.

 

Cristina Da Costa: Luís, conte-me em palavras suas desde quando é que sentiu que era gay?

Luís De Castro: Olhe senti que era gay desde que eu nasci, desde que eu me conheço por Luís sempre soube que era gay.

 

CDC: Sempre houve indícios? Sentiu que era diferente do seu irmão?

LC: Sempre senti que era diferente do meu irmão, senti atração pelo mesmo sexo e foi uma coisa que eu descobri dentro de mim e nunca tive vergonha de aceitar o que eu era, sempre tive muito gosto. Claro quando estava nos Açores, numa ilha pequena, vim de uma freguesia da Terceira, é sempre um pouco mais difícil pelas pessoas e os comentários, mas nunca foi uma coisa de deixar de ser aquilo que eu era, sempre fui uma pessoa muito respeitada porque sempre respeitei a minha própria pessoa. Respeitava os outros, nunca fui desrespeitado ou ameaçado, aliás na minha freguesia todos me adoravam. Tive sempre medo foi dos meus pais, era sempre aquela intimidade, vinha de um mundo com muito respeito. Embora os pais sejam sempre os primeiros a saber as preferências dos filhos. Então foi mais do lado da minha mãe, que queria que eu sempre tivesse uma namorada e queria que casasse, então eu tinha uma namorada para inglês ver.

Não é só ser gay, é saber respeitar-te, porque se não nos respeitarmos a nos próprios não podemos exigir o respeito dos outros. Acho que vivi sempre á minha forma, claro que com quem tínhamos relações não se mencionava porque era tudo muito privado. E acho que o que eu tenho a dizer sobre esse tempo que vivi nos Açores é que foi muito bom, ou não foi tão mau como se podia pensar ou tão mau como as pessoas dizem que é. As pessoas nos nossos dias, na nossa cultura, pensam que é uma doença, são mentalidades diferentes, pensam que não existe ou não entendem, mas a mim nunca me preocupou muito, se me respeitares eu respeito-te, e se não me respeitares não te respeito. A minha vida pessoal não tem nada a ver com ninguém. E foi sempre assim, nunca tive muitas pessoas a perguntarem se eu era gay ou se não era, aqueles que sabiam respeitavam-me, então posso considerar nesse aspeto que tive sorte.

 

 

CDC: Soube tratar, soube respeitar e ser respeitado… O Carlos, vindo de S. Miguel, tem uma família grande, mas é o único gay na família. Como foi crescer aí?

Carlos Lopes: Somos cinco rapazes e eu sou o filho do meio, mas nunca senti discriminação por parte da família. Claro que nos anos 80, crescendo em S. Miguel, não havia uma comunidade gay, eram poucos os que se assumiam. Eu sempre fui assumido desde pequeno, mas educar aqueles que não conhecem mais ninguém assim foi um processo. Existiram momentos difíceis na minha família, em que não entendiam a minha posição, mas sempre me aceitaram e sempre me trataram bem.

 

CDC: A vossa boa disposição por natureza, facilita o convívio e para que entendam que a vossa vida a vós vos pertence.

CL: Em certos momentos, a minha mãe questionava-me porque é que não tinha uma namorada, mas eu explicava que eu sou assim, não posso mudar, não é uma escolha.

 

CDC: Na mentalidade daquela época, a reação dos pais será de choque, não é que não aceitem, mas preocupam-se com o que as pessoas vão pensar, não é isso?

CL: Numa freguesia pequena onde toda a gente se conhece, há sempre comentários e era um tabu, mas tal como disse, a nossa maneira de ser, a simpatia e a forma de lidar com a situação faz com que as pessoas não agissem de forma homofóbica, viam-me como o primo, o vizinho ou o amigo.

 

CDC: E o Luís, com que idade veio para o Canadá?

LC: Eu vim para o Canadá com 21 anos, não foi fácil deixar a família, mas aqui tive o apoio da minha avó e também, eu sempre fui muito independente. Eu visitei o Canadá quando tinha 17 anos, e era um país diferente, mais aberto, onde eu podia ser aquilo que eu era à vontade. Depois regressei a Portugal, fiz a tropa e decidi mudar-me para aqui, onde já vivo há 37 anos.

 

CDC: O que encontrou quando chegou aqui e quais as dificuldades que enfrentou em Toronto?

 LC: As maiores dificuldades foram as saudades da família e o frio. De resto, foi muito bom, fiz muitas amizades e ao fim de um ano, encontrei uma pessoa com a qual vivi dez anos. A maior dificuldade foi para os meus pais aceitarem, principalmente a minha mãe, mas depois de me visitarem entenderam melhor. Sou uma pessoa muito independente e mesmo quando estava nos Açores nunca me preocupei muito com o que pensavam ou falavam de mim. Sempre fui feliz, aberto e honesto e fiz aquilo que bem entendia. A única coisa que interessa é que me respeitem.

Ainda existem várias críticas, mas também porque as pessoas não se educam sobre este assunto. Quem fala muito são normalmente aqueles que não são felizes, não têm coragem de sair do armário. Já eu, não gosto de estar no armário porque é escuro, gosto é da luz do dia e viver a minha vida. Na era em que estamos, é muito triste ainda existir essa fobia e pessoas que são infelizes por terem medo do que os outros vão falar. E conheço muitos casos em que se casam e têm filhos apenas para tapar os olhos do povo, acho isso uma injustiça porque não vão ser felizes, nem vão fazer ninguém feliz.

 

CDC: O Luís nunca casou?

 LC: Só vivi em união de facto, mas apoio quem casa, sou padrinho de casamento aqui do meu querido amigo Carlos. E estou disponível se essa oportunidade se apresentar.

 

CDC: O Carlos, quando veio para o Canadá?

 CL: Eu vim com 19 anos, já na altura em S. Miguel não existiam muitas oportunidades de trabalho. Eu queria expandir o meu mundo e sempre quis vir ao Canadá porque tinha cá família. Conheci o Luís no dia em que cheguei ao Canadá e permanecemos amigos nestes últimos 25 anos.

Num mundo mais aberto, de certa maneira, aqui senti-me em casa, foi fácil arranjar trabalho, comunicar com as pessoas e fazer amizades.

 

CDC: O Carlos também teve também várias relações sérias.

 CL: A minha relação mais longa foi 8 anos, vivemos juntos, tivemos uma vida muito boa, mas chegou a um ponto em que vimos que não funcionava. Tive cinco anos solteiro, depois fiz uma viagem e conheci o amor da minha vida. Já tinha 40 anos, habituado a ser solteiro, mas claro que nos sentimos sós, especialmente num país como o Canadá. Fui numa viagem de trabalho e conheci uma pessoa, aconteceu rápido e casámos, já lá vão quase três anos.

 

CDC: Qual foi a reação da sua mãe quando lhe disse que ia casar?

CL: Eu não lhe disse logo porque não me sentia confortável para dizer. A minha mãe tem 67 anos, sabe tudo da minha vida e das minhas relações, conhece tudo e aceita, mas claro que há sempre uma hesitação. Como é que digo à minha mãe que me vou casar? Eu próprio nunca pensei nisso, uma coisa é estar numa relação e viver com uma pessoa, e outra coisa é assumir esse próximo passo.

O Luís tem uma ótima relação com a minha mãe, adoram-se e são amicíssimos. E eu pedi-lhe para ele falar com ela.

 

CDC: E como é que correu essa conversa?

LC: A reação dela foi muito boa, mas infelizmente como já falámos, existe o outro que sempre critica. Ela só quer que ele seja feliz, mas disse que ele não precisava de postar muita coisa no Facebook por causa das críticas dos outros.

CL: Ela ficou feliz, mas para mim, na mentalidade dela acha que todas as pessoas falam e quer proteger-me. Eu sei que a comunidade me aceita e adoram a minha família, mas eu respeitei e não postei nada nas redes sociais por respeito a ela.

 

CDC: Estão satisfeitos com as pessoas que são. Felizmente, em Portugal também já há uma maior aceitação, e eu aplaudo essa coragem de se assumirem. Nós devemos gostar das pessoas pelo que são enquanto seres humanos e não pelas suas preferências sexuais. Se olharmos para a história, sempre existiram gays desde os gregos e romanos.

Agradeço terem desafiado toda uma comunidade que ainda se esconde por detrás de certas paredes e por terem estado à conversa comigo.

CL: E nós agradecemos pela oportunidade de educar um pouco as pessoas, ser homossexual não é uma coisa de outro mundo. Somos seres humanos, temos as mesmas vidas, levantamo-nos todos os dias e vamos trabalhar. Somos iguais a qualquer outra pessoa. Nascemos assim.

LC: Agradeço a ti Cristina e ao jornal Milénio. Queria apenas deixar uma mensagem: seja feliz, aceite aquilo que é, e viva a vida que é muito curta, sem se focar naquilo em que o vizinho vai pensar.

 

 

Cristina Da Costa

 

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