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Quem somos, afinal?

A insistente e provocatória ideia de Donald Trump de os EUA anexarem o Canadá como 51º Estado, veio trazer para a praça pública uma discussão que antes seria inimaginável – querem os canadianos ser americanos? O que faz alguns deles afirmarem que até gostariam que tal acontecesse? Onde fica a lealdade ao país que os viu nascer ou acolheu de braços abertos e deu oportunidade de conseguirem uma vida segura, em paz e em muitos casos com uma razoável estabilidade económica? Esse conceito de lealdade ou sentimento de pertença faz sentido num país que tem uma população tão multicultural e multiétnica? Estas foram as perguntas que nos fizeram desenvolver o trabalho desta semana no Milénio. E vamos olhar muito para nós, portugueses residentes no Canadá, luso-canadianos ou lusodescendentes. Com a ajuda de pessoas que se dedicaram nos últimos anos ao estudo do fenómeno da imigração e emigração, vamos tentar perceber quem somos, afinal. Como nos identificamos – sou português (a), sou canadiano (a), mas com raízes portuguesas, sou canadiano (a), mas quando me perguntam respondo: “sou português” (a), ou somente sou canadiano (a)…? 

Daniel Bastos é, professor, historiador e escritor. Todos o conhecem graças à sua participação regular no nosso Milénio, como autor de artigos que têm a temática da emigração portuguesa no mundo como centro de interesse. Aliás, Daniel Bastos tem vários livros já publicados que estão profundamente ligados a este assunto. Por isso, pareceu-nos interessante saber qual a perspetiva que tem sobre o tema principal do nosso jornal desta semana. Na sua opinião expressa nas respostas às nossas questões Daniel Bastos afirma que os portugueses que se encontram espalhados pelo mundo têm uma caraterística reconhecida por todos – a sua capacidade de integração nas sociedades dos países que os acolhem, embora mantenham sempre Portugal no coração. 

Milénio Stadium: Emigrar é ainda “a procura da concretização de um sonho” ou a luta pela sobrevivência?

Daniel Bastos: No contexto da emigração portuguesa atual, é cada vez mais percetível que os baixos salários e a crise na habitação, ou seja, os elevados preços das casas e das rendas, são molas impulsionadoras da saída de portugueses para o estrangeiro, sobretudo jovens e qualificados. Ainda que a crise da habitação não seja um exclusivo nacional, os salários muito baixos pagos em Portugal, em comparação com os países mais desenvolvidos, agravam a situação. Nesse sentido, emigrar é hoje a conjugação de realidades de quem procura a “concretização de um sonho”, como por exemplo, quem demanda melhores perspetivas de progressão de carreira, ou “a luta pela sobrevivência” de quem não tem rendimentos suficientes para viver no país. 

MS: Como podemos definir o perfil do emigrante português de hoje? 

DB: Não existe hoje propriamente um perfil do emigrante português. Se de facto, a emigração portuguesa é cada vez mais qualificada, resultante do incremento da qualificação da população portuguesa pós-25 de Abril, e faz-se no espaço europeu, para países como a Suécia, Noruega ou Países Baixos. A maioria dos emigrantes que continuam a sair do nosso país não são licenciados. Um aspeto cada vez mais visível é indubitavelmente o envelhecimento acentuado dos destinos mais antigos da emigração portuguesa, como é o caso, da América do Norte.

MS: Relativamente ao país de acolhimento, que postura têm? São leais ao Estado que os acolheu? Tentam realmente integrar-se, ou sentem sempre que estão apenas de passagem?

DB: Os emigrantes portugueses, no geral, são conhecidos nos quatro cantos do mundo pela sua excecional capacidade de adaptação, integração, resiliência e empreendedorismo. Um estudo recente realizado pela associação Business Roundtable (BRT) e pela consultora Deloitte, realça que há cada vez mais portugueses a querer emigrar, sobretudo jovens, e cada vez menos a querer regressar a Portugal. A integração nas pátrias de acolhimento é, portanto, uma marca da emigração portuguesa. Ainda que nos últimos cinco anos, mais de 25 mil emigrantes já tenham voltado para Portugal no âmbito do “Programa Regressar”. É também claro que os nossos emigrantes não estão só de passagem nos países de acolhimento, onde é cada vez mais importante por parte dos mesmos estarem bem, desfrutarem do sítio onde vivem, mantendo Portugal no coração e nos projetos para a reforma. 

MS: É verdade que o emigrante de hoje tem uma forma diferente de gerir a vida, nomeadamente o seu tempo de trabalho?  Ou seja, a frase que tantas vezes se ouve “agora, quem vem não trabalha como se trabalhava antes” faz sentido?

DB: Nos tempos atuais, as discussões em torno das expectativas das diferentes gerações no ambiente de trabalho são frequentes, e colocam-se também naturalmente no seio da diáspora. Eu próprio que me desloco frequentemente a várias comunidades portuguesas, ouço, por exemplo, várias vezes essa expressão ““agora, quem vem não trabalha como se trabalhava antes”, entre amigos emigrantes das primeiras gerações em França. A mudança no comportamento das gerações concorre seguramente muito para essa mundividência. 

MB/MS

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