Quando o Natal aconteceu
Tudo começou com uma mensagem de uma amiga – “tens alguma cama de criança que já não uses ou podes participar, com dinheiro, na compra de uma?”. A partir daqui tudo se desenvolveu de forma rápida. Perguntei, naturalmente, porquê. E a resposta que veio acertou-me como uma seta – “um colega do meu filho (na altura, ainda na creche) vive em condições deploráveis. Nunca desconfiei, nem a educadora, porque ele aparece sempre muito limpinho e bem cuidado. Mas quando lhe perguntaram o que é que ele queria para o Natal, o menino respondeu – uma cama.” O alerta soou e ficou ligado sem parar quando a educadora, em privado, percebeu que o menino e o irmão dormiam numa cama improvisada pela mãe com alguns cobertores.
A minha amiga fez o que nem todos fazem, mas que todos devíamos fazer – preocupou-se e quis saber mais. Soube onde vivia a família e foi ver as condições em que viviam – pai, mãe e os dois filhos. A casa tinha paredes em cimento, portas e pouco mais. O chão era de terra batida, a cozinha tinha um bico de gás e o quarto dos meninos não tinha cama. O pai trabalhava nas obras e sempre que arranjava dinheiro ou lhe davam algum material ia tentando melhorar as condições, a mãe tratava de garantir que não faltava o essencial para os filhos – comida, higiene e muito carinho.
Depois de saber da história quis ajudar – “o que precisas?”. Estava ela a tentar arranjar donativos em dinheiro suficientes para comprar camas para os meninos. Disponibilizei-me para ajudar. No dia seguinte, em conversa com colegas da RTP, contei a história e a onda de solidariedade tornou-se absolutamente gigante. De repente, e quase sem fazer nada por isso, fui inundada de mensagens no meu email – “soube da história do menino, diz como posso ajudar”; “diz o que precisas”…; em qualquer corredor os colegas me abordavam e me deixavam emocionada com tamanha vontade de ajudar alguém que não conheciam (e eu também não, diga-se). Confiavam em mim e na história que uma amiga minha me tinha contado. Comecei a receber dinheiro, organizei uma conta-corrente, para me orientar e poder prestar contas a todos, no final.
Na altura, éramos mais de 350 pessoas na RTP, no Porto, e muitos fizeram questão de contribuir. Dinheiro recolhido, tirei um dia para ir às compras. As camas já a minha amiga, entretanto, tinha arranjado, por isso o alvo passou a ser outro – desde edredons a mantas, passando por pijamas, brinquedos, roupa de vestir… tudo foi comprado com o dinheiro generosamente doado, por quem sentiu esse apelo a ecoar bem fundo.
No final, para além da prestação de contas até ao último cêntimo, dos talões das compras e fotografias de tudo o que foi oferecido, agradeci a todos a confiança. Os emails que recebi de volta ainda me encheram mais a alma – todos agradeciam ter-lhes proporcionado um Natal mais feliz. Na verdade, todos tínhamos que agradecer o conjunto de felizes circunstâncias que permitiram que juntos tivéssemos vivido com outra intensidade aquele Natal.
Saímos da nossa bolha, percebemos que há mais mundo para além do que conhecemos e que nem sempre valorizamos o que temos e o que verdadeiramente interessa nesta vida. Afinal, com pouco, todos juntos, fizemos muito. Mudámos para melhor a vida daquela família. E o Natal ganhou sentido. Aquele Natal brilhou muito para além das luzes que embelezavam a cidade. A luz acendeu o nosso interior e garantiu os sorrisos que, depois da noite da consoada, todos pudemos ver (através de fotos que fizeram questão de nos enviar), nos rostos das crianças e dos seus pais. E lá estavam os edredons, os brinquedos, os pijamas… a cumprir o verdadeiro espírito de Natal.
Madalena Balça/MS
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