Temas de Capa

Quando não somos homens nem mulheres

PRONOUNS - milenio stadium

 

A Carta dos Direitos e Liberdades canadiana introduziu o direito à identidade ou expressão de género apenas em 2017. Em janeiro de 2022 o governo federal baniu a conversão terapêutica que permitia mudar a orientação sexual ou a identidade de género de alguém o que tornou as leis penais canadianas sobre estas práticas numa das mais inclusivas do mundo. Agora a Statistics Canada separou pela primeira vez na sua história o “sexo de nascimento” do género nos últimos Censos de 2021. Pequenas grandes mudanças que nos mostram que o Canadá está atento e com isso surge espaço para novos debates que podem mudar e facilitar a vida para as gerações vindouras.

Em Ontário é permitido alterar a designação de género desde que existam documentos comprovativos. Dessa forma pode optar por F (feminino); M (masculino), ou X (não binário). O pedido pode ser feito pelos pais e pelos próprios filhos, dependendo da idade da criança. Independentemente de serem os pais ou a criança a dar entrada do processo é necessária uma carta de um médico ou de um psicólogo qualificado. Este documento serve como apoio ao pedido para alterar a designação de género. O processo é financiado pelo governo da província e atenção que mesmo depois de mudar a certidão de nascimento é preciso alterar todos os outros documentos, como por exemplo a carta de condução.

Doug Elliott Grew DR - milenio stadiumDoug Elliott Grew é um advogado especialista em direitos dos LGBT com escritório em Cambridge, Ont. Grew cresceu numa pequena comunidade em Elliott Lake, Ont e em 2016 foi uma figura chave num dos maiores processos coletivos movidos contra o governo federal por causa de discriminação contra membros LGBTQ na RCMP (Royal Canadian Mounted Police). Premiado pela Universidade de Toronto pela sua luta na defesa dos direitos desta comunidade, Grew é vice-presidente da American Bar Association Section of International Law, Sexual Orientation and Gender Identity Issues Networks (GIN).

Para este especialista as novas estatísticas não revelam que ser transgénero ou não binário é mais comum entre os jovens do que nos mais velhos. “A nossa sociedade e os governos só agora estão a chegar a compreender quantas pessoas transgénero existem. Acredito que os jovens são mais autoconscientes. Tive uma professora universitária que não aceitou o seu verdadeiro sexo e foi operada quando tinha mais de 60 anos! Haverá muitos mais no futuro. Estamos apenas a começar a compreender que há muitas pessoas que são intersexuais ou que de outra forma não se encaixam nas categorias binárias tradicionais. Elas não são a maioria, mas não são tão raras como se pensava”, disse.

Para Grew o governo deve mudar a abordagem e deixar de insistir na categorização das pessoas por género nos documentos oficiais de identificação. “Devemos perguntar-nos: porque é que esta informação é de todo necessária? Por exemplo, “M” na minha carta de condução. Porque é que um polícia de trânsito precisa de saber como é que eu sou da cintura para baixo? Deve ser tão irrelevante como o meu tipo de sangue ou a minha religião”, refere.

Mas se a mudança de designação de género é financiada na totalidade pelo OHIP (Ontario Health Insurance Plan), o mesmo não acontece em relação à cirurgia para mudança de sexo. “Obter acesso a serviços médicos de boa qualidade é um desafio para estas pessoas. A maioria que procura este tipo de procedimentos e que vive em Ontário tem de viajar para Montreal ou para a Tailândia para obter assistência médica. Algo que pode ser muito caro”, lamenta.

Questionado pelo nosso jornal se os serviços públicos e as empresas são suficientemente inclusivas para abraçar este grupo de pessoas que não se identifica com nenhuma das tradicionais categorias binárias, o advogado reconhece que apesar dos “progressos na sua aceitação e acolhimento”, ainda há um caminho longo a percorrer. “Os transgénero nem sempre são bem compreendidos e são mais suscetíveis de serem vítimas de violência, de estarem desempregados e de cometerem suicídio, mais até do que os gays e as lésbicas. Nunca tivemos uma pessoa abertamente transgénero no nosso Gabinete Federal ou como juiz do nosso Supremo Tribunal, por exemplo. Tanto quanto sei, não existe uma pessoa abertamente trans na Câmara dos Comuns, embora existam vários homens abertamente gays”, conta. Apesar de o Canadá ser um líder mundial em direitos LGBT, as conquistas têm acontecido sobretudo ao nível dos direitos dos gays e lésbicas. Grew cita o caso da Austrália que está muito mais avançada em relação à identidade do género e diz que os EUA são um mau exemplo. “Não temos sido um líder em matéria de identidade de género. Algumas pessoas transgénero salientam esta diferença dizendo que aqui, o T em LGBT é silencioso. A identidade de género só foi acrescentada à nossa lei federal dos direitos humanos no último Parlamento, e o projeto de lei teve de superar muita oposição. Estamos à frente da maioria do mundo em matéria de direitos LGBT em geral, mas ainda estamos a alcançar algumas outras democracias, como a Austrália, no que diz respeito à identidade de género e ao estatuto intersexo. Penso que por vezes os canadianos pensam que somos muito progressistas porque nos comparamos com os EUA, mas eles são um mau exemplo. As coisas estão a piorar para as pessoas transgénero de lá e não a melhorar. Os EUA não são o “líder do mundo livre” no que diz respeito aos direitos LGBT”, avança.

Apenas para clarificar: não-binário descreve uma identidade de género que não pode ser categorizada como masculina ou feminina, enquanto que transgénero é utilizado para descrever qualquer pessoa que tenha uma identidade de género diferente daquele que lhe foi atribuído à nascença.

O processo para alterar a designação de género no Service Ontario é demorado e pode arrastar-se durante meses, sendo que no fim pode ser aprovado ou rejeitado, o que pode dificultar o acesso destas pessoas a coisas banais como emprego, escola ou habitação.

Joana Leal/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Não perca também
Close
Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER