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Psicologia dos Jogos

Eles estão aí, finalmente! Depois de um período de mais de um ano marcado por um clima de grande incerteza – esta que foi e é, sem dúvida, uma palavra que parece ter vindo para ficar no nosso dia a dia – os Jogos Olímpicos dão, esta sexta-feira, dia 23 julho, o pontapé – que é como quem diz o lançamento, o tiro ou o flic-flac – de saída para uma edição bastante diferente daquela a que estamos habituados. A razão tem um nome, também ele “tendência” neste último ano: Covid-19.

Psicologia  dos Jogos-tokio-mileniostadium
Créditos: DR.

Mas para além de toda a preparação física que é, naturalmente, exigida aos atletas no período que antecede a participação nesta competição, existe uma outra componente tão – ou quem sabe até mais – importante para que estes consigam estar realmente no seu melhor e assim atingir os seus objetivos: o bem-estar mental.

Assim, nesta edição do jornal Milénio Stadium, dedicada aos Jogos Olímpicos, procurámos saber as opiniões de dois profissionais da área – o Professor Doutor Jorge Silvério e a Doutora Adrienne Leslie-Toogood, especialistas em psicologia desportiva e que trabalham, entre outros, com diversos atletas olímpicos -, acerca de como toda a conjuntura (este “novo normal” a que nos vamos habituando) pode afetar o percurso dos atletas. Será Tóquio 2020 também uma edição de “Olimpíadas Mentais”?

Segundo o Dr. Jorge Silvério, depois de ultrapassado um primeiro momento de ansiedade – enquanto ainda não se sabia se os Jogos se iriam ou não realizar – os atletas passaram a focar-se num “objetivo tangível”. Ainda assim, explica, “a questão do adiamento durante um ano provocou aqui uma série de questões: porque normalmente os atletas “investem” – este investir não estou a pensar tanto em termos monetários, mas sobretudo em termos de esforço e de tempo – para um ciclo olímpico de quatro anos, e de repente este ciclo olímpico passa a cinco, levando a alterações da vida pessoal deles”. Houve, portanto, a necessidade de redefinir objetivos – mas nem tudo foi mau. “Para aqueles que estavam já qualificados – mas eram ainda muito poucos na altura -, não houve assim um impacto tão grande, foi “só” este alargar destas alterações de vida durante mais um ano. Para aqueles que ainda estavam a lutar pela qualificação, para alguns foi bom porque deu-lhes mais um ano para eles poderem melhorar e progredir – havia alguns que eventualmente também estavam a recuperar de lesões, portanto tiveram aqui, digamos assim, mais um tempo para poderem recuperar dessa lesões”.

A Drª Adrienne relembra que durante todo este processo é importante que o atleta esteja rodeado de um grupo de pessoas que o façam perceber que “a sua função não é concentrar-se na logística” mas sim “no seu trabalho, que passa pelo treino e preparação”, focando-se “no que pode controlar, permanecer ligado aos seus valores e abraçando a oportunidade de melhorar quando as coisas melhorarem”. Para além disso, e olhando também para o “lado bom” desta conjuntura, considera que “a Covid-19 tem dado aos atletas a oportunidade de aumentarem a sua paciência e trabalharem a sua agilidade emocional” e de “desenvolverem a sua capacidade de gerir coisas que estão fora do seu controlo”, capacidade essa que “irá ajudá-los enquanto estiverem nos Jogos” – até porque com um novo surto de Covid-19 no Japão existe, naturalmente, a possibilidade de qualquer um dos atletas entrar em contacto com o vírus. “Há sempre esse receio e essa dúvida – eu diria que só quando eles competirem é que esse peso sai, porque vai acompanhar durante os Jogos cada um dos atletas e eles vão ter de arranjar estratégias e formas de ir lidando com ele diariamente”, assinala o Dr. Jorge Silvério.

O Dr. esclarece ainda que “há basicamente quatro grandes fatores que impactam o rendimento desportivo: o físico, o técnico, o tático e o psicológico”, sendo que “na minha área, na psicologia desportiva, a grande maioria do trabalho que nós fazemos é um trabalho mais desenvolvimental (…) ajudar a que os atletas potenciem o seu rendimento desportivo. Não quer dizer que haja um problema, mas como temos aquelas quatro áreas, se houver uma delas que não seja trabalhada – neste caso a vertente psicológica – e se ela puder ser trabalhada, vai melhorar bastante aquilo que é o rendimento desportivo dos atletas”.

Ainda assim, é de notar que a redução, imposta pela pandemia, no número de competições – que também elas funcionam como uma espécie de “preparação” para os Jogos – também pode ter o seu impacto no desempenho dos atletas: “levantam-se logo dúvidas sobre como é que estarão em termos de estado de forma, digamos assim, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista psicológico”, lembra o Dr. Jorge Silvério.

E por falar em competições – afinal porque é que os Jogos têm tanta relevância para um desportista quando comparados com outros torneios europeus e/ou mundiais? Para além de todo um processo de qualificação rigoroso e da limitação do número de representantes, “as Olimpíadas são também o encontro do mundo através do desporto. É uma celebração da humanidade e da energia positiva, algo quase palpável”, segundo a Drª Adrienne.

Celebração e energia essas que, também elas, serão sentidas de forma bastante diferente nesta edição dos Jogos, já que, por exemplo, não poderá haver público nas bancadas. “Há atletas para quem o facto de não estarem num estádio cheio, ou num pavilhão ou piscina, pode impactar positivamente – se calhar alguns deles nunca tiveram essa experiência, sobretudo aqueles de algumas modalidades com “menos expressão”, e que normalmente não são tão acompanhados do ponto de vista mais de audiência, e portanto o facto de não haver público até pode ser positivo, porque estão sob menos pressão. Outros atletas até usam o facto dos estádios estarem lotados e todo aquele apoio como uma forma positiva ainda de se motivarem mais e de conseguirem o melhor possível em termos de prestação desportiva – para esses pode ter um impacto negativo. Mas estes são dois extremos, provavelmente a grande maioria dos atletas andará aqui mais no meio”, explica o Dr. Jorge, até porque, segundo a Drª Adrienne, “os atletas anseiam pelo privilégio de competir novamente contra os melhores no mundo”.

Pegando no exemplo, precisamente, de um dos melhores nadadores do mundo, Michael Phelps, que durante o ano passado assumiu publicamente que se submeteu a terapia para combater a depressão e ansiedade, dizendo mesmo que esta lhe salvou a vida, percebemos a importância deste tipo de testemunhos para que mais desportistas procurem ajuda profissional: “Quando vemos atletas modelos como o Michael Phelps ou como vimos há muito pouco tempo a Naomi Osaka a falar das dificuldades que teve e da ansiedade que sentia nas conferências de imprensa, isso tem um impacto enorme e no fundo transmite a mensagem para os outros atletas de que “ok, aquela pessoa é o meu ídolo ou é muito importante no meu desporto, se está a reconhecer isto então aquilo que eu sinto ou possa sentir em termos de ansiedade ou depressão não é assim tão negativo e posso procurar ajuda”, explica o Dr. Jorge Silvério.

Afinal, o treino mental é tão ou mais importante que o treino físico: “O treino mental permite que o atleta seja a melhor versão de si próprio quando mais importa. (…) Os atletas que abraçam quem são e sabem como gerir-se a si próprios para maximizar o seu desempenho conseguem ter uma grande performance”, remata a Drª Adrienne.

Inês Barbosa/MS

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