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Portugal e Canadá: Uma história de emigração, acolhimento e construção de vidas

Photo: @copyright

Há países que se tornam parte da identidade de outros, não por razões geopolíticas ou interesses estratégicos, mas pelo pulsar silencioso de milhares de vidas que cruzaram oceanos em busca de futuro. O Canadá é, para Portugal e muitas outras nações, um desses países. No caso da comunidade portuguesa, O Canadá representa aquele lugar longínquo onde se fincaram raízes portuguesas profundas. 

Hoje, passados 72 anos da chegada dos primeiros de todos nós, a língua e a cultura lusas continuam a ecoar em bairros, clubes, igrejas, escolas e centros culturais. Efetivamente, foi em 1953 que chegou ao Canadá o primeiro contingente oficial de emigrantes portugueses, marcando o início de um fluxo migratório que, ao longo das décadas, cresceu de forma significativa. Naquele tempo, Portugal vivia sob o peso do Estado Novo, mergulhado numa crise social e económica que empurrava muitos para fora das suas fronteiras. O Canadá, por sua vez, procurava mão-de-obra para sustentar o seu crescimento económico, e abriu as portas a trabalhadores estrangeiros, entre eles, milhares de portugueses. Como sabemos a chegada dos primeiros emigrantes lusos fez-se em condições duras. Muitos partiram das ilhas dos Açores e da Madeira, regiões mais vulneráveis economicamente, e também de várias zonas do interior de Portugal continental. A maioria vinha com pouco mais do que uma mala de cartão, alguma roupa e muitos sonhos. Ao desembarcarem no Canadá, encontraram trabalho nas áreas da construção, agricultura, indústria têxtil e serviços domésticos. A língua era um obstáculo, o frio um choque, a distância de Portugal uma dor constante. Mas havia algo que os unia: a vontade de vencer e de dar melhores condições às suas famílias. Com o passar dos anos, os imigrantes portugueses começaram a estabelecer-se com maior solidez. Compraram casas, abriram negócios, fundaram clubes, associações e até paróquias com missa em português. 

Para o escritor e historiador Daniel Bastos, autor de várias obras sobre a diáspora portuguesa, o papel do Canadá na história da emigração portuguesa não pode ser subestimado. “O Canadá foi, durante décadas, um dos destinos mais significativos da emigração portuguesa. O país oferecia oportunidades concretas de trabalho, segurança e uma sociedade multicultural onde os portugueses encontraram espaço para crescer sem perderem a sua identidade”, afirma.

Daniel Bastos. Créditos: DR.

O autor, que no paasado sábado, dia 28, lançou em Toronto o livro Monumentos ao Emigrante, sublinha que “os portugueses no Canadá se afirmaram ao longo de décadas como uma das comunidades emigrantes mais bem-sucedidas, trabalhadoras e respeitadas, dando um contributo notável para o desenvolvimento do país de acolhimento, sem nunca perderem os laços com a sua cultura de origem”.

Essa afirmação é visível no tecido económico e social canadiano, onde os luso-canadianos se destacam como empresários, profissionais de saúde, trabalhadores da construção, dirigentes comunitários, académicos e artistas. Além disso, muitos filhos e netos de emigrantes portugueses alcançaram posições de destaque na política, nos meios de comunicação social e no ensino superior. Mas a emigração portuguesa para o Canadá não moldou apenas destinos individuais. A força e a coesão da comunidade luso-canadiana contribuíram para estreitar as relações diplomáticas, económicas e culturais entre os dois países. Através da rede de consulados, embaixadas, câmaras de comércio e intercâmbios institucionais, foi-se solidificando uma ponte entre Lisboa e Otava.

Economicamente, o Canadá tornou-se um parceiro relevante para Portugal, tanto ao nível das exportações de produtos alimentares e vinhos, como do turismo e do investimento. Social e culturalmente, os laços intensificaram-se com a criação de programas de ensino de português nas escolas canadianas, com o apoio de instituições como o Camões, I.P., e com a presença ativa de grupos folclóricos, bandas filarmónicas, festivais e atividades religiosas com inspiração portuguesa. Este intercâmbio tem ainda uma dimensão simbólica, espelhada em monumentos, praças e ruas dedicadas à comunidade portuguesa em várias cidades canadianas. Essas homenagens são reflexo do reconhecimento que o Canadá tem pelo contributo valioso dos portugueses no seu desenvolvimento.

Apesar deste passado de forte migração, o presente mostra uma nova realidade. Como observa Daniel Bastos, “hoje em dia, o Canadá já não é o destino preferencial para os emigrantes portugueses. As novas gerações, mais qualificadas e com outras ambições, tendem a escolher sobretudo países da Europa do Norte, como Alemanha, Suíça ou Luxemburgo, que oferecem proximidade geográfica, estabilidade económica e boas condições laborais.” As exigências de entrada no Canadá tornaram-se também mais apertadas, com processos de imigração mais complexos e seletivos, muitas vezes baseados em sistemas de pontuação que valorizam competências específicas, domínio do inglês ou francês, e experiência profissional em áreas prioritárias.

Mesmo assim, o Canadá mantém o seu prestígio como destino de eleição para quem procura qualidade de vida. “O Canadá continua a ser reconhecido como um país multicultural, com grandes oportunidades e uma elevada qualidade de vida. Esse prestígio internacional faz dele um destino valorizado por muitos emigrantes em geral”, sublinha Bastos. Assim, ainda que o fluxo migratório tenha diminuído, o legado da comunidade portuguesa no Canadá continua a ser profundamente relevante. Ao longo dos anos, muitos dos filhos e netos dos primeiros emigrantes decidiram permanecer, investindo na continuidade dos laços culturais. A língua portuguesa, os valores de solidariedade, o espírito de entreajuda e o orgulho pelas origens são passados de geração em geração, mesmo quando a fluência na língua vai esmorecendo, ou quando os ritmos da vida moderna tornam mais difícil a manutenção de certas tradições. “Muitos destes luso-canadianos continuam a visitar Portugal, a investir em propriedades nas suas terras de origem, e a manter um envolvimento ativo na vida das suas comunidades em ambos os lados do Atlântico. A diáspora portuguesa no Canadá mantém-se como um exemplo de integração, de união e de orgulho nacional”, conclui o historiador.

O lançamento do livro Monumentos ao Emigrante, da autoria de Daniel Bastos, é também uma expressão dessa valorização da memória e do percurso dos emigrantes. A obra reúne, com rigor histórico e sensibilidade social, os monumentos erigidos em Portugal em homenagem aos que partiram. Esses monumentos não são apenas obras de pedra ou metal: são marcos de memória coletiva, testemunhos silenciosos de coragem, dor e esperança. Recordam aqueles que partiram sem saber se voltariam, e celebram os que, mesmo longe, nunca deixaram de ser portugueses.

A história da emigração portuguesa para o Canadá é feita de sacrifícios, conquistas e reencontros. É uma história de famílias separadas e reunidas, de línguas misturadas, de sonhos realizados e de saudades que permanecem. É também uma história que continua a ser escrita, já não com os números de outrora, mas com a mesma força simbólica. Porque mais do que a quantidade dos que partem, importa a qualidade das pontes que se mantêm. E entre Portugal e o Canadá, essas pontes são sólidas, humanas e culturais.

Num tempo em que tanto se fala de migrações e identidades, vale a pena olhar para o exemplo da comunidade luso-canadiana: um exemplo de como se pode ser de dois mundos, com orgulho e pertença; de como a emigração, quando acompanhada de respeito, reconhecimento e integração, se torna numa história de sucesso partilhado.

MB/RMA/MS

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