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Paulo Neves: Não há escultura sem escultor

 

Paulo Neves refugia-se na natureza e mostra-nos essa sua visão através de obras imponentes, marcadas pela sua mão de artista escultor, reconhecido pelo seu jeito simples que esconde uma aura artística. Paulo Neves é natural de Cucujães, uma freguesia no concelho de Oliveira de Azeméis, é apontado como um dos melhores escultores da sua geração. Troncos, pedras, escadas, painéis, rodelas…são apenas alguns dos imensos exemplos de arte que encontramos no mundo de Paulo Neves.

Milénio Stadium: Paulo Neves, é um privilégio estar aqui na sua casa, rodeado de arte, rodeado daquilo que pensa e daquilo que faz.
Paulo Neves: Obrigado. Eu agradeço muito terem vindo cá.

MS: O Paulo Neves pensa, sonha e realiza?
PN: Eu sonho, realizo e depois penso, acho que é mais isso. Muitas vezes faço as coisas quase inconsciente.
Não sei muito bem porque é que as faço. Depois de estarem feitas eu penso sobre elas e chego à conclusão se estão bem ou se não estão bem.

MS: Através da modificação que se tem da matéria, o Paulo consegue transformar a matéria em emoções para as pessoas?
PN: Eu consigo, às vezes, surpreender-me a mim próprio. E quando me surpreendo, também vou surpreender os outros. Isto não tem uma fórmula, não há uma fórmula de surpreender, não há uma fórmula de fazer. Acho que é o ir fazendo.
É um bocado como conviver, não é? Quer dizer, tu vais vivendo e as coisas vão acontecendo e as coisas vão acontecendo e tu vais vivendo. Nunca sabes muito bem como é que vai ser uma viagem. Pode chegar ao fim de dois quilómetros por teres um furo ou teres um acidente e a viagem fica por ali.

MS: Miguel Ângelo dizia que a matéria é matéria, mas a escultura está lá e o artista só tira o excesso.
PN: Sim, Michelangelo dizia isso quando era escultura da pedra, não é? Retirava o que estava a mais. Agora, por exemplo, o Zé Rodrigues dizia ao contrário. Ele quando trabalhava com barro era sempre a pôr mais.
No barro estás sempre a pôr, na pedra estás sempre a tirar e na madeira também. Mas também tens sempre essa hipótese de tiras e depois colas outras coisas. Na madeira permite-nos isso também. Está tudo dentro de nós próprios, temos é que descobri-las, não é?

MS: O Paulo, com as descobertas, transforma o trabalho numa realização pessoal?
PN: Sim, eu vivo para o meu trabalho, eu costumo dizer. Sou quase como um monge que vive para aquilo que faço e dou a minha vida toda em função do meu trabalho. E acho que vale a pena, sim.

MS: Um dos primeiros trabalhos que o Paulo fez foi um Cristo que, segundo a investigação que fiz, ainda se encontra num sítio da tua casa, um Cristo que foi dedicado ao seu pai.
PN: Sim, eu fiz um Cristo quando tinha sete anos de idade, com os formões que o meu pai lá tinha e um bocado de madeira que eu, por acaso, há uns cinco ou seis anos descobri esse Cristo lá no meio de ferramentas e de coisas e fiquei muito feliz. Fiquei muito contente.

MS: Esse Cristo foi o princípio de tudo e que foi feito com madeira que iria para a fogueira?
PN: Sim. Acho que as coisas começaram todas quando eu, um dia, fui à lenha para a lareira e reparei nos bocados que tinham formas bonitas. Que formas bonitas tinham! E então porque não salvá- las do fogo? E fazer com elas outra coisa sem ser alimentar a lareira? E começou tudo por aí.

 

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MS: Naquele tempo, você vê o Homem a ir à Lua. Foi histórico para a humanidade. O Paulo também fez um trabalho inspirado nesse acontecimento.
PN: Eu fiz uma coisa dedicada aos astronautas, embora eu não acreditasse naquilo, achava que aquilo era tudo um bluff, que os homens não tinham ido à Lua. Que era tudo fantasia. Mas apesar disso tudo, eu fiz um trabalho.
Ainda me lembro. Aquilo era um cepo de um eucalipto, daquelas cunhas quando se mete um eucalipto grande abaixo. Aquela cunha que sai, eu encontrei-a e gravei uns astronautas.

MS: Como é que era encarada a tua habilidade artística nesses tempos? Eram tempos difíceis para assimilar a arte?
PN: É sempre difícil, até hoje. Quer dizer, até hoje, para mim próprio é sempre um sofrimento. Não é …o que é que é a arte? Eu estou sempre a pôr em questão aquilo que eu faço. Será que vale a pena? O que é que é afinal isto? O que é que eu pretendo dar? O que é que eu pretendo com as peças que vou fazendo, não é? É sempre muito difícil e é difícil para mim, é difícil também para os outros, para as pessoas que me rodeiam.

MS: Andaste, mas não terminaste o curso de Desenho das Belas Artes. A melhor escola foi mesmo mão na massa?
PN: Eu estive lá como aluno voluntário só dois anos, porque eu também na altura tinha de trabalhar e estudar. E um dia cansei disso e disse não, eu vou embora, vou embora daqui. E acho que a vida, a viagem, o viajar foi muito importante para mim. Foi ter chegado há 50 anos ao Louvre e descobrir tudo aquilo. Paris foi muito importante para mim na altura, por ter chegado a Paris e ter descoberto outros artistas a fazer coisas e porque eu vivo num sítio pequeno. Cucujães é uma aldeia.
O Porto também é uma aldeia, no ponto de vista artístico, não é? Mas chegar a Paris e ter aqueles museus todos foi uma coisa fabulosa. Foi o momento em que parece que enchi os pulmões de ar e pensei “Porra, pá, não estou sozinho no mundo, estou acompanhado. Há muita gente com o mesmo processo. Há muita gente a gostar disto, há muita gente a viver, a pensar neste processo. Não estou sozinho no mundo”. Em Cucujães sentia-me sozinho, não é? Hoje não me sinto mais sozinho. Eu tenho tanta coisa para fazer e tantas coisas que gostaria ainda de fazer e tenho o tempo todo ocupado. Chego à noite e já estou a pensar o que é que vou fazer no dia de amanhã. Quer dizer, há muita coisa que eu quero fazer e acho que por isso não me sinto sozinho, não é? E há muita gente também que passa por cá. Hoje é diferente. Há 40 anos era outro, era outro filme.

MS: A frase é tua – “Cucujães é o centro do mundo”.
PN: Cucujães é o centro do meu mundo. E se é o centro do meu mundo, para mim é o centro do mundo. Eu hoje não trocaria Cucujães por, sei lá…. por Nova Iorque, não troco por Paris, não troco por nenhuma terra. De todas as terras que eu conheço, acho que para mim Cucujães é a melhor terra. E porque é que é a minha terra? Porque eu aqui tenho um espaço, tenho sítios onde posso trabalhar, conheço as ruas, sei onde posso comprar pão…

MS: Cucujães, é teu universo, mas não tem aquele apelo dos grandes centros de arte que te poderiam ajudar numa ainda maior projeção.
PN: De vez em quando tenho necessidade de ir a grandes museus. Sei lá. De vez em quando tenho necessidade de ir a Serralves por exemplo… é quase como tomar um banho para me lavar. Às vezes também tenho necessidade de ir a sítios, galerias e tomar um banho de cultura.

MS: É mais fácil trabalhar peças de grande escal a numa matéria que já foi viva ou uma matéria como a pedra e o mármore?
PN: Eu gosto tanto de trabalhar em pedracomo de trabalhar em madeira, como gosto de trabalhar em papel. Acho que cada material nos permite uma linguagem. E se me perguntares se gosto de trabalhar mais a pedra do que a madeira? Não sei. Depende do dia, depende de muitas coisas. Há dias que eu adoro trabalhar a pedra, outros dias a trabalhar madeira, mas por isso é que eu ando sempre a saltar de um lado para o outro. É por isso que eu tenho vários ateliês… de pedra, de madeira…

MS: Qual é a tua opinião acerca da situação da escultura em Portugal? É vista e tratada da mesma forma como outras expressões de arte? Como é que está essa situação?
PN: Sabes o que é que eu acho? Eu acho que é em Portugal e acho que também no mundo em geral, cada vez há menos escultores. Porquê? Porque assim, para se fazer escultura tem que haver espaço. Temos de ter espaços onde possamos fazer barulho e onde existe muito pó. E cada vez mais os artistas estão mais em cidades, procuram mais as cidades e aí é impossível fazer esse tipo de trabalho.
Agora fazem esculturas de outra forma, feitas em 3D, as coisas são diferentes. Eu não posso dizer que a escultura está bem ou a escultura está mal. A escultura do meu tempo, acho que cada vez somos menos. Agora há outras formas de se fazer escultura. Há outros meios que eu estou um bocadinho fora disso.

MS: Quais são os planos agora que o Paulo tem para o futuro?
PN: Queria fazer a minha melhor escultura. Acho que o futuro é sempre melhor. Eu gostava de viver, sei lá, mais 10 anos para poder fazer a minha melhor escultura. Eu acho que sei o que é e o que quero fazer. Não vou dizer agora. Mas eu acredito que o melhor está para acontecer. Assim, haja saúde. E eu acho que se houver saúde, eu acho que vou conseguir fazer o que quero.

Paulo Perdiz/MS

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