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“Os desafios, tanto internos como externos, não podiam ser maiores.” – Megan Armstrong

Para o próximo Papa...

Photo: @copyright

Num momento decisivo para a Igreja Católica, em que crescem as expectativas e incertezas quanto à sucessão do Papa Francisco, importa refletir sobre o papel do Papa no mundo contemporâneo e os caminhos que se abrem para o futuro da Igreja. A escolha do próximo Papa não é apenas um processo interno do Vaticano — é um acontecimento de relevância global, com implicações espirituais, sociais, culturais e políticas. Num mundo em rápida transformação, marcado por crises ambientais, conflitos armados, desigualdades crescentes e uma secularização cada vez mais evidente, a liderança espiritual de mais de mil milhões de católicos torna-se crucial para o diálogo entre civilizações, a promoção da paz e a construção de sociedades mais justas.

Para aprofundar estas questões, entrevistámos a Professora Megan Armstrong, historiadora e especialista em Catolicismo da Época Moderna na Universidade McMaster, no Canadá. Com uma vasta obra dedicada à história da Igreja Católica, em particular às tradições franciscanas e à presença católica na Terra Santa entre os séculos XV e XVII, Armstrong oferece uma perspetiva académica profundamente informada sobre os desafios do papado atual e futuro.

Nesta entrevista, Armstrong analisa os possíveis rumos que o próximo conclave poderá seguir, ponderando entre uma linha de continuidade com o pontificado reformador de Francisco ou um eventual retorno a uma abordagem mais conservadora e centralizadora. Aborda também as qualidades que considera essenciais para o próximo Papa, à luz das exigências do mundo moderno — nomeadamente, a necessidade de uma liderança moral forte, com uma visão global, sensível às realidades das novas gerações e atenta às vozes dos marginalizados.

A Professora Megan Armstrong discute ainda o papel diplomático e político do Papa numa era em que os atores religiosos partilham o palco global com organizações seculares e governos, e analisa o impacto que a eleição papal poderá ter em temas tão controversos como o aborto, a igualdade de género, os direitos LGBTQ+, a pobreza ou a crise climática.

Esta conversa convida-nos a pensar no Pontificado não apenas como uma função espiritual, mas como uma figura com potencial de transformação social e cultural profunda — e desafia-nos a considerar que tipo de Igreja queremos no século XXI.

Milénio Stadium: Quem poderá ser o próximo Papa? O conclave optará por um pontificado de continuidade com o de Francisco ou escolherá antes um regresso a uma Igreja Católica mais fechada e conservadora?

Megan Armstrong. Créditos: DR.

Professora Megan Armstrong: Essa é a grande questão, não é? E ainda não encontrei dois especialistas que concordem. Há vários favoritos, mas no passado já fomos surpreendidos. Para muitos, Bergoglio foi uma surpresa. O apelo global notável do Papa Francisco, no entanto, faz-me pensar (e esperar) que irão querer continuar com esse modelo de papado mais inclusivo e pastoral. Devemos também notar que foi Francisco quem nomeou a maioria dos cardeais que votarão no seu sucessor, e por essa razão também penso que há uma boa probabilidade de o seu sucessor não ser muito conservador. Mas até vermos a fumaça branca, só podemos especular.

MS: Que tipo de Papa seria mais adequado para os tempos atuais?

MA: Esta é uma questão muito importante, porque os desafios, tanto internos como externos, não podiam ser maiores. Internamente, a Igreja é um corpo extraordinariamente diverso, não apenas em termos culturais, mas também no que diz respeito à fé. As crenças e práticas variam dentro da própria Igreja. Cada ordem religiosa é uma interpretação única do Catolicismo, e as diferenças regionais são significativas. Encontrar consenso numa instituição global tão diversa é uma tarefa enorme mesmo nas melhores circunstâncias, e o Papa Francisco enfrentou oposição, especialmente dos setores mais conservadores da Igreja. Recentemente, algumas das questões mais divisivas têm sido o aborto, os abusos clericais, as escolas residenciais e o papel das mulheres.

As questões externas não são menos ameaçadoras para a unidade da Igreja — alterações climáticas, autoritarismo crescente, pobreza, guerra. Do meu ponto de vista, acredito que a Igreja beneficiaria de um Papa que, como Francisco, fosse a voz dos marginalizados e um forte defensor da paz. Um Papa com uma visão global, que visse a inclusão como um elemento necessário de uma boa sociedade. Um líder forte e moral.

MS: Com o poder crescente de atores não religiosos no palco internacional, como organizações internacionais e governos, qual é a importância do Papa?

MA: O Papa continua a ser uma voz muito importante nos assuntos mundiais, porque a Igreja é uma instituição global com um mandato global. Basta pensar na sua presença material sob a forma de igrejas, conventos e mosteiros, bispados, instituições de caridade e de ensino. É uma instituição enormemente rica e altamente organizada. Por fim, mas talvez mais importante, é uma instituição missionária com ambições globais. O Papa é o líder espiritual de uma das maiores tradições religiosas do mundo.

MS: A Igreja Católica influencia fortemente a política e os valores de muitas sociedades. Como poderá a escolha do próximo Papa afetar políticas sociais e culturais, especialmente em países com forte presença católica?

MA: Essa é uma boa pergunta, pois os fiéis recorrem frequentemente ao papado em busca de orientação em muitas questões. Teremos de esperar para ver, mas certamente o Papa poderá pronunciar-se sobre assuntos divisivos que influenciem a opinião local. O aborto e as alterações climáticas, por exemplo, são bastante controversos nos Estados Unidos.

MS: Considerando os desafios atuais da Igreja, como a crescente secularização e a diminuição das vocações, que papel deve ter o próximo Papa na revitalização espiritual da Igreja?

MA: Estes são desafios sérios para a Igreja, mas não estou convencida de que um Papa conservador e inflexível ajudaria a aumentar a base de crentes e o número de vocações. A Igreja cresceu historicamente através da inclusão — de novas práticas, ideias, culturas. É certo que este processo nem sempre foi benigno — em particular, conquista e missionação andaram frequentemente de mãos dadas. Mas a crescente diversidade da Igreja ao longo do tempo também se deve à sua constante absorção e reconhecimento de novos impulsos religiosos. As ordens religiosas, por exemplo, muitas vezes começaram dessa forma.

MS: Como poderá o próximo Papa equilibrar as tradições da Igreja Católica com as necessidades das novas gerações, especialmente em temas como igualdade de género e questões LGBTQ+?

MA: O que tornou o Papa Francisco tão popular foi a sua disposição para abraçar o seu tempo e encontrar os membros da Igreja nos seus próprios termos. Ele precisa de ser relevante para ser eficaz, e as questões LGBTQ+, o racismo e a equidade de género estão no centro dos debates católicos sobre os valores e a identidade desta tradição. Acrescentaria a pobreza e o genocídio como outras preocupações urgentes e, claro, a guerra. Estamos a viver uma época de autoritarismo crescente que afeta diretamente a vida diária de muitos católicos e de todos os seus vizinhos. A migração forçada de milhões. O Papa precisa de saber ouvir, além de liderar. Precisa de ouvir para poder liderar com eficácia.

MS: O impacto da escolha do Papa vai além da religião. Como pode a personalidade do novo Papa influenciar questões políticas e diplomáticas, especialmente nas relações entre o Vaticano e outras potências globais?

MA: Essa é uma questão muito interessante, porque a personalidade também molda a liderança. Não creio que exista uma personalidade única que faça um bom líder. Dito isto, beneficiaria a Igreja ter um líder que genuinamente se preocupe com o bem-estar dos outros e seja um bom comunicador.

MB/MS

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