“O próximo Papa terá de ser mais do que um gestor da Igreja: terá de ser um pastor global, uma consciência moral e um farol de esperança” – Mark G. McGowan

Com a morte do Papa Francisco e os desafios crescentes que a Igreja Católica enfrenta à escala global, a atenção vira-se inevitavelmente para o próximo conclave. Que tipo de Papa poderá suceder a Francisco? Será o próximo pontífice um defensor da continuidade ou um retorno a um modelo mais conservador? Para refletir sobre estas questões, falámos com Mark G. McGowan, PhD, FRSC, professor de História e Estudos Célticos na Universidade de Toronto, Reitor Emérito do St. Michael’s College e um dos mais reputados especialistas na história religiosa e social do Canadá e da Irlanda. Autor de livros premiados como The Waning of the Green e Michael Power: The Struggle to Build the Catholic Church on the Canadian Frontier, McGowan está atualmente a investigar a história da radiodifusão religiosa no Canadá e a escrever uma obra sobre os católicos irlandeses canadianos durante a Primeira Guerra Mundial.
Como sublinha Mark G. McGowan, prever o futuro nunca é tarefa fácil para um historiador. “O Espírito Santo está cheio de surpresas”, afirma. Contudo, os dados sugerem que o próximo Papa será provavelmente alguém alinhado com a visão pastoral de Francisco. Isto porque cerca de 80% dos cardeais eleitores foram nomeados pelo atual pontífice, privilegiando líderes com experiência pastoral e uma forte ligação às suas comunidades. “Francisco procurou ‘pastores com o cheiro das suas ovelhas’ e essa orientação deverá influenciar decisivamente o conclave”, explica. Além disso, pela primeira vez na história, os cardeais europeus estão em minoria, o que pode abrir caminho a novas geografias. “A eleição de Francisco, o primeiro Papa da América Latina, criou um precedente importante: o papado já não é propriedade automática da Europa.”
Questionado sobre o tipo de Papa que melhor serviria os nossos dias, McGowan é claro: é necessário um líder atento aos sinais dos tempos. “Vivemos tempos marcados por desigualdades crescentes, crises migratórias, alterações climáticas e tensões políticas internacionais.” Para o historiador, um Papa centrado apenas em questões internas da Igreja não responderia às exigências do mundo atual. O futuro pontífice terá de continuar a missão de Francisco, sendo uma voz ética autêntica num palco global.
Essa visão foi recentemente reforçada por Mark Carney, antigo governador do Banco de Inglaterra, que se referiu a Francisco como “a consciência do mundo”. McGowan concorda: “O Papa tem um papel essencial como referência moral, especialmente num tempo em que tantas instituições perderam credibilidade.”
A escolha do próximo Papa poderá ter profundas repercussões sociais e culturais, sobretudo nos países com forte presença católica. A crescente presença de cardeais oriundos do sul global—países como Timor-Leste, Maurícia ou Myanmar—sugere um reforço da ideia de catolicidade enquanto universalidade. “Um Papa oriundo da Ásia ou de África pode revitalizar comunidades em crescimento e fortalecer o sentimento de pertença nessas regiões”, nota McGowan. “Um Papa filipino, por exemplo, teria um impacto tremendo no maior país católico da Ásia.” Para o professor canadiano, a Igreja precisa de continuar a afirmar a sua voz em defesa da justiça social, assente na Doutrina Social da Igreja.
Perante o avanço da secularização e a diminuição das vocações, o próximo Papa deverá assumir um papel de liderança espiritual ativa e inspiradora. McGowan sublinha a importância do exemplo pessoal e da vivência concreta dos valores evangélicos. “O novo Papa deve viver segundo as Bem-Aventuranças, que João Paulo II chamou de ‘a magna carta do Cristianismo’.”
Neste contexto, o testemunho concreto junto da juventude e o envolvimento em ações sociais são fundamentais. “Como diria São Francisco de Assis: ‘Pregai o Evangelho todos os dias, se necessário, usai palavras.’”
A tensão entre tradição e renovação é um dos grandes desafios que qualquer novo Papa enfrentará, particularmente em temas como a igualdade de género e os direitos LGBTQ+. McGowan acredita que o caminho delineado por Francisco na Evangelii Gaudium deve continuar a guiar a Igreja. “Francisco defende uma abordagem pastoral baseada na alegria, na misericórdia e na justiça.” Uma das ideias mais poderosas desta exortação apostólica, lembra, é que “a realidade é superior às ideias”. Isso implica discernimento: “A doutrina pode ser expressa de múltiplas formas, em diferentes contextos culturais e históricos. A Igreja muda—já foi a Igreja das Catacumbas e é agora a Igreja das Catedrais. A mudança deve ser discernida, não temida.”
Como bem lembrou Mark G. McGowan, o impacto de um Papa não se limita à esfera religiosa. Os pontífices têm desempenhado um papel central em momentos cruciais da história recente, desde o fim da Guerra Fria até à luta contra as alterações climáticas. “João XXIII, João Paulo II, Paulo VI e o próprio Francisco demonstraram como os Papas podem influenciar decisivamente a política global”, afirma McGowan. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, saída do Concílio Vaticano II, e encíclicas como Pacem in Terris ou Laudato Si mostram a capacidade do papado para falar ao mundo em tempos de crise. “Francisco, com o seu apelo à proteção da casa comum, tornou-se uma referência ética inescapável.”
O próximo Papa terá de ser mais do que um gestor da Igreja: terá de ser um pastor global, uma consciência moral e um farol de esperança. Se, como acredita McGowan, o colégio cardinalício seguir a lógica das escolhas de Francisco, poderemos estar perante uma nova etapa de continuidade, marcada pela escuta dos pobres, o acolhimento dos marginalizados e uma Igreja renovada. Como o historiador recorda, “a mudança deve ser discernida, não temida” – e talvez essa seja a maior lição para a Igreja do futuro.
MB/MS
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