Temas de Capa

O futuro é hoje!

Nesta edição do Milénio Stadium não estamos a falar do futuro. Pelo menos… não apenas. A Inteligência Artificial preenche-nos os dias. Já hoje e, até, já há muito tempo. Está tão enraizada nos gestos mais simples do dia-a-dia que, provavelmente, nem nos apercebemos. Mas é uma realidade. Quando programamos uma máquina para começar a lavar roupa mais tarde, quando falamos com a Siri e lhe pedimos para ligar para a nossa mãe, quando nos guiamos nas estradas com a ajuda de uma voz que parece vir do “além”, quando pomos a funcionar o mini robô que nos ajuda a aspirar a casa… Hoje vivemos rodeados de produtos de anos de investigação na área da Inteligência Artificial. E, com frequência, somos surpreendidos com novas funcionalidades e competências das máquinas. Ficamos fascinados, mas também tememos o futuro. Por exemplo, ao mesmo tempo que gera espanto por todas as portas que abre, a aplicação de soluções de Inteligência Artificial pelas empresas é também causa de preocupação – o fantasma da vitória da máquina sobre os humanos, próprio dos filmes de ficção científica do século passado, torna-se cada vez mais real. A sociedade está a mudar e terá que se adaptar. Novos empregos surgirão enquanto outros se extinguem.

Como, penso, fica claro nesta conversa com o Prof.º Luís Reis -investigador da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e Diretor do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computação -, a Inteligência Artificial é uma realidade. As oportunidades são quase ilimitadas, mas as ameaças existem e não podem ser ignoradas.


Milénio Stadium: Como poderemos definir Inteligência Artificial?
Luís Reis: Não é fácil definir… primeiro é preciso conseguir definir o que é inteligência e só depois Inteligência Artificial. A definição de inteligência é “utilização habilidosa do conhecimento para resolver novos problemas”. Isto é, não os problemas que já resolvemos, que conhecemos a solução, mas sim sermos capazes de relacionar o conhecimento que adquirimos hoje e no passado, para resolver um novo problema. A Inteligência Artificial pode ser definida como a utilização de máquinas que são capazes de ter esse tipo de inteligência. Isto numa visão muito simplista.

MS: A Inteligência Artificial é, cada vez mais, uma realidade nos nossos dias e a tendência será para invadir muito mais as nossas vidas. É uma invasão agradável ou deve ser considerada uma ameaça?
LR: A Inteligência Artificial não é boa nem é má. É o que nós vamos fazer dela. Isto é, como todas as tecnologias, pode ter impactos muito positivos e impactos muito negativos. Veja o caso da tecnologia nuclear…

MS: É sempre uma faca de dois gumes, não é?
LR: É! Ou pode ser. Pode ajudar e é isso que nós, investigadores nesta área, procuramos – ajudar o cidadão, ajudar a sociedade, ajudar as pessoas a terem uma vida melhor, facilitar as tarefas do dia-a-dia, libertar as pessoas, facilitar tudo o que elas fazem, mas a Inteligência Artificial pode ser utilizada para fins não propriamente muito úteis. E, naturalmente, fala-se muito da ética da Inteligência Artificial, das máquinas éticas, da necessidade de existência de leis para regular a IA e tecnologias semelhantes. E isso vai ter que surgir no futuro. É uma discussão que está a acontecer agora, mas obviamente que vai ter que surgir, assim como aconteceu para regular outro tipo de tecnologias que, potencialmente, podem ser muito úteis, mas, potencialmente, também podem ser muito perigosas.

MS: É o caso do armamento… é assustador pensar no sistema de armas autónomas e não estamos a falar do futuro apenas.
LR: Não, não…. Isso é uma realidade já hoje e até já há muito tempo. É o caso dos mísseis, das miras automáticas, enfim todos os instrumentos bélicos estão recheados de Inteligência Artificial – aviões, tanques, etc. –, grande parte dos seus sistemas internos atuam sozinhos sem ninguém a controlar. Isto é, a partir do momento em que alguém carrega num botão ou alguém decide alguma coisa, eles são perfeitamente autónomos. Ou seja, o que se passa com a Inteligência Artificial é que ela existe para ajudar as pessoas, mas claro que pode ser usada para fins maus. É como tudo – há indivíduos que pegam num camião e atiram-se contra um conjunto de dezenas de pessoas e matam-nas para fazer um ataque terrorista, mas não vamos deixar de fazer camiões por causa disso.

MS: Prof. Luís Reis, há limites? Ou seja, haverá um momento em que se diga “daqui isto já não vai passar”? Já se atingiu o máximo?
LR: Não. Eu acho que não há limites. A investigação não tem limites. Há limites legais e éticos de que já falámos, mas eu como investigador da Inteligência Artificial quero criar máquinas o mais inteligentes possível, porque acho que essas máquinas nos vão ajudar imenso no futuro. Vão ser as máquinas, por exemplo, que nos vão ajudar a colonizar novos planetas. Vamos precisar de robôs e outro tipo de máquinas, não só robôs humanoides, mas máquinas de vários tipos, inteligentes que sejam capazes de cooperar com os humanos e formar equipas que vamos lançar para outros planetas, para os colonizar e assim sermos capazes de expandir a civilização humana, porque nós não cabemos neste planeta muito mais tempo. Eu acho que as pessoas não estão a perceber e não se preocupam com o crescimento exponencial do número de humanos na Terra e que daqui a uns 20 ou 30 anos não cabemos aqui. É tão simples quanto isto. Portanto, efetivamente não há limites porque nós precisamos deste tipo de tecnologia e de muitas outras.

MS: Há também o lado político-económico deste assunto que interessa abordar. Os governos estão cada vez mais alertados para a urgência de pensar na Inteligência Artificial como estratégia de desenvolvimento, não é verdade?
LR: Ainda há pouco estava a ler uma frase de um ministro da Inteligência Artificial – está a ver… A IA já está a chegar a um nível tal que, em alguns países, já há governos com um ministro para a Inteligência Artificial… é o caso deste, nos Emirados Árabes Unidos, e ainda ontem tivemos uma reunião com vários ministros portugueses para discutirmos a estratégia da Inteligência Artificial de Portugal, porque o governo português está também muito preocupado com isso. Começam a estar muito atentos porque pensam que vão poupar 50% dos custos utilizando a IA, porque os sistemas vão funcionar muito melhor a todos os níveis. A IA pode ser usada para fins muito positivos – poupar muito dinheiro, tornar a vida melhor… tornar a vida mais justa. Na China já existe um sistema com visão que reconhece as pessoas e deteta ações erradas e descontam pontos por essas ações. E depois é preciso um determinado número de pontos para uma série de coisas, como por exemplo entrar na universidade e as pessoas são penalizadas pelas suas más ações no dia-a-dia (no trânsito, por exemplo). Eu penso que isto torna a sociedade mais justa.

MS: Sendo assim as pessoas passam a estar sob permanente vigilância.
LR: Mas acaba por ser um sistema mais justo, porque em vez de ser à sorte, o sistema identifica a pessoa de uma forma muito mais precisa. Eu acho que é bom, sinceramente.

MS: Quando se fala de Inteligência Artificial fala-se sempre também do medo das máquinas tomarem o lugar dos seres humanos. A questão do futuro do emprego estar ameaçado é uma falsa questão?
LR: Não é uma falsa questão. É uma questão que já existe há muito tempo. Quando se começou a usar cavalos e burros para arar o campo, houve muitas pessoas que andavam na enxada que perderam o lugar. Depois usaram-se tratores e os animais e as pessoas passaram a não ser necessárias e agora temos tratores automatizados que, praticamente, nem têm condutor e que são gigantescos e tratam dos campos todos muito mais rapidamente. Ou seja, se ainda estivéssemos a arar os campos com a enxada não havia comida para todos. É o mesmo com a IA e a robótica, muitos empregos tradicionais vão desaparecer, mas vão aparecer outros. Felizmente espera-se que apareçam outros mais criativos. Não é, por isso, uma falsa questão. É apenas uma questão que existiu desde sempre – desaparecem empregos pouco úteis e de pouco valor acrescentado e aparecem muitos outros.

Madalena Balça

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