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“Noutro tempo o café, há muitos anos, era à cafeteira e quando acabava era só juntar água.”

Rui Nabeiro

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Sr. Rui Azinhais Nabeiro em entrevista para a Camões TV em Portugal. Créditos: Camões TV.

Aos 90 anos e com a 4ª classe, Manuel Rui Azinhais Nabeiro é um pedaço da história de Portugal em forma de homem. O maior empresário português do café, numa entrevista concedida à Camões TV,  recordou um pouco da sua vida, que começou na pobreza e no contrabando. Construiu a Delta, uma das marcas de café mais conhecidas no mundo.

Milénio Stadium: Sr. Rui Nabeiro obrigado por estar aqui connosco e por nos ter recebido aqui nas suas instalações da Delta.

Rui Nabeiro: É com muito gosto que aqui estou com vocês. Eu visitei os portugueses no Canadá, com a nossa venda de produtos e já havia muita simpatia naquela altura. É uma comunidade que sabe viver e juntar- se uns com os outros. 

MS: Tem 90 anos de vida e começou a trabalhar muito novo. O que mudaria na sua vida agora olhando para trás?

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Rui Nabeiro. Credito: Camões TV

RN: É um bocado difícil responder. Ao crescer fui sempre caminhando e estava sempre disponível para aquilo que fosse surgindo. As coisas correram-me de tal maneira bem, com muito trabalho – ao ponto desse mesmo trabalho ter ficado dentro de mim. Hoje com 90 anos continuo a pensar que é a minha obrigação trabalhar bastante e é isso que faço no meu dia a dia. A minha mudança foi mudar uma grande parte do mundo. Dar meios e condições a quem não as têm, como é o caso aqui em Portugal. Ainda aparecem muitas pessoas com algumas carências no nosso país. Eu quero e queria transformar a forma de viver de todo o ser humano que não se encontra bem na sociedade, porque não teve a oportunidade de realmente lançar-se na vida. Olho para os lados e em frente e digo “era bom que todos pudessem caminhar”.

“…eu digo que as coisas boas não    mudam… aperfeiçoam-se.”

MS: Tudo corre bem quando se sonha e trabalha? 

RN: Absolutamente. Com esse trabalho, no fundo, a pessoa cria uma cultura e gosto próprio e é nessa situação que eu digo que as coisas boas não mudam… aperfeiçoam-se. Eu estou aqui com 90 anos, quero viver mais alguns, mas quero todos os dias aperfeiçoar, não é o meu bem-estar, mas dentro de mim a preocupação com quem cá está.

MS: É um homem de luta?

RN: Sim sou. Sou homem da luta de querer, um homem de ambição. Muita gente pensa que a ambição é um nome feio. A ambição é um nome de muita atitude, de muito querer, de quem gosta de fazer bem e de quem gosta de fazer mais. Eu tenho sempre ambição.

MS: Um empresário de sucesso como o senhor Rui não pode viver fechado num escritório. Qual é a sua maior preocupação que objetivos tem no seu pensamento?

RN: Não, de forma alguma. Já estive no escritório muito tempo. Recebi algumas visitas até curiosas há pouco tempo. Deu para ir à fábrica e outros departamentos que temos. A nossa intenção é o emprego. O criar um emprego. Isso deu-nos uma imagem e um querer.

“O percurso que tenho hoje vem de lá trás e graças a essa gente.”

 

MS: O senhor foi sempre um visionário e sempre se preocupou em pensar na forma de dar muitos empregos. É conhecido por nunca dizer não e por garantir muitos postos de trabalho. Porquê?

RN: Fui. A minha parte visionária é dar forma à vida das pessoas tendo a minha aposta íntima em criar emprego. Eu comecei com a marca Delta nos anos 60… vai fazer 61 anos em fevereiro. Foram 60 anos duros com muitas dificuldades, mas eu tinha que vencer e venci. Nos anos 60 lutei de tal maneira, que criei o querer e a força com que depois as pessoas me começaram a ajudar. A grande força que eu tenho, digo com toda a franqueza, a maior parte é de quem é meu cliente e meu amigo porque eu tenho conquistado as pessoas.

MS: Como foi criar esta sua marca em Campo Maior fora das grandes cidades? Foi difícil?

RN: Sim foi difícil. Nada é fácil na vida e esta também não foi fácil. Já tinha um pouquinho de nome também. Nasci nos anos 30 e até à década de 60 são 30 anos, eu já tinha feito muito esforço ao servir as pessoas na nossa casa Camelo, que era a casa mãe. Deu-me uma força enorme, num tempo onde havia muitas carências. Auxiliei muitos que iam nos caminhos para Espanha para poder trazer algo mais para as suas famílias. Eu confiava neles. Algumas pessoas diziam-me “esse homem não é sério”, mas eles acabavam sempre por ser sérios porque no fundo sentiam a obrigação de o ser por aquilo que eu lhes facilitava. O percurso que tenho hoje, vem de lá trás e graças a essa gente.

MS: Como é que estas pessoas lhe agradeceram?

RN: Agradeciam pela sua dedicação e por serem sérios. Alguns não eram sérios para outros, mas para mim sempre foram. E alguns, pela nossa marca e pelo nosso produto davam tudo. O agradecimento era de facto o reconhecimento. Reconhecimento que, ainda hoje, se mantém. As famílias dessas pessoas e seus descendentes contam histórias de vida onde se vê que eu ajudei muito. Esse é o maior agradecimento que me fazem.

“Os portugueses começaram a ter condições de tomar a sua bicazinha”

MS: O senhor começou com uma máquina que torrava café que o senhor mesmo distribuía. Que memórias guarda desses tempos?

RN: Guardo muita saudade do meu tempo. Do dia da felicidade de vencer e ir para a frente isso traz-me muita saudade desses tempos. Como é que vivemos, como é que nos sentíamos, porque foi um mundo também de economia, também de uma pessoa dizer eu vou para além. Quando nós nos sentimos felizes temos um sentimento e uma força do pensar… é indescritível toda essa felicidade. E eu realmente consegui, nesse tempo, nessas horas ruins, ser vencedor, porque em todo o lado havia um toquezinho nas costas que dizia “ Pra frente!!!” “ Pra frente!!!”. Ainda hoje uso esses termos em mim.

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“…eu digo que as coisas boas não mudam… aperfeiçoam-se.” – Rui Nabeiro. Créditos: DR.

MS: O contrabando contribuiu muito para o seu início?

RN: O contrabando na nossa terra era um contrabando sério e sem problema nenhum. O contrabando era de um produto que Portugal tinha através de África, principalmente de Angola. Depois das guerras todas, incluindo a guerra de Espanha, começou a haver muitas carências e não se podia exportar. Os próprios governos entendiam que era necessário facilitar, mas nunca diziam “passa por aqui”. E também castigavam. Eu também tinha com essas pessoas uma grande amizade porque eu sabia colocar as pessoas todas a trabalhar no caminho certo. Havia pessoas que, no fundo, traziam dificuldades e problemas com denúncias que faziam uns dos outros… isso também chegava às autoridades. Os chefes depois iam chatear a malta que estava no seu trabalho, mas eu tentava sempre que andassem no caminho certo com vidas saudáveis para todos.

MS: Sente que o café veio mudar a vida e os hábitos dos portugueses?

RN: Pelo menos na minha casa sempre gostámos de café. Os portugueses começaram a ter condições de tomar a sua bicazinha. No fundo, a nossa bica nunca foi um elemento caro, ainda hoje não o é. Ainda é acessível às pessoas e essa é uma vantagem grande, é que realmente temos sabido lidar com os preços dos nossos cafés. A nossa empresa é uma boa empresa porque hoje vendemos milhões e milhões o que nos leva a ter uma vida razoável e a dar uma vida razoável às pessoas. Transformou sim a vida de muita gente e em muitos locais sem ser Campo Maior, viveram daquilo que vendiam e a viver aquilo que realmente era o sonho de tomar o café … noutro tempo o café, há muitos anos, era à cafeteira e quando acabava era só juntar água.

MS: Como se pode inovar mais no café? De que forma pode inovar mais nos seus produtos?

RN: Todos os dias pensamos em dar mais um toquezinho. Agora mesmo nos próximos dias, teremos um concurso de valorização de produto, criação de novas imagens e novas situações. A indústria todos os dias precisa de dar um toque e um parecer diferente “do colega do lado”. O “colega“ passa a fazer igual, mas depois nós retocamos. Eu não nasci com o café… viver para o café, sonhar com o café e criar o café é muita coisa todos os dias. A nível do país as pessoas reconhecem que sou um mestre nesta área. E porquê? Porque vivi muito o problema do café.

MS: Porquê a escolha do nome Delta? 

RN: O que me pergunta, pergunta muita gente. Existe um instituto de registo de marcas e patentes com acordos mundiais das mais variadas formas. Nós pensamos em criar um nome da marca. Um dos nomes foi Nabeiro. Foi-nos dito que eram precisos pelo menos 3. Essa casa centenária onde se registam os nomes, ainda hoje trabalham connosco, disseram – “Escolha um nome bonito” –  escolheu-se Delta. Tem uma expressão prática na língua, todo o mundo consegue falar Delta. Foi a escolhida. Agradeci e mandei registar. Está registada no mundo todo. Eu via no comércio local na altura, que trabalhavam num mundo fechado. Delta é universal. Criei uma forma e marca feliz de beber café em todo o mundo.

Paulo Perdiz/MS

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