“Não podemos desistir” – Ana P. Lopes
Ana Paula Lopes tem tido uma vida profissional muito diversificada. Durante mais de 25 anos desempenhou cargos importantes, quer no setor público como no privado. Dedicou-se muito à área da inovação social e tem um curriculum extenso e diversificado, não apenas no que diz respeito a atividades profissionais, como também ao trabalho de voluntariado. Desde a sua posição na direção do CamH, passando pela sua ligação ao Toronto International Film Festival, Ana P. Lopes tem tido uma vida de grande atividade e relevância tendo sido incluída, em 2013, na lista das 100 Mulheres mais Poderosas do Canadá (The 100 Most Powerful Women in Canada).
Nada melhor do que conversar com uma mulher forte e empoderada sobre a situação das mulheres agora que estamos quase a encerrar o primeiro quarto do século XXI. Ana P. Lopes considera entre outras coisas que – “precisamos de mais mulheres e de mais diversidade em geral na sala de reuniões e na direção”, mas continua confiante que a evolução positiva vai continuar e deixa-nos uma mensagem importante de esperança no futuro – “não podemos desistir”.
Milénio Stadium: Na Câmara dos Comuns do Canadá apenas 29% dos membros são mulheres. Em 2023, a percentagem de mulheres em todas as profissões de gestão, incluindo as chefias intermédias, era de apenas 35%; esta percentagem desce para 30% no caso das chefias superiores e para menos de 25% nas direções das empresas canadianas. O que significam estes números (poderíamos usar outros do mesmo tipo), na sua perspetiva?
Ana P. Lopes: No que se refere aos funcionários eleitos, penso que entrámos num período em que, devido aos meios de comunicação social, as mulheres se sentem muito vulneráveis ao assumir cargos públicos. O nível de ameaças, especialmente contra as mulheres, tem vindo a aumentar e penso que temos de arrefecer a conversa e chamar a atenção para aqueles que consideram aceitável o envolvimento em misoginia e ameaças. Até o nosso Governador-Geral, uma mulher, tem sido alvo de insultos e racismo. Quanto aos cargos executivos, penso que fizemos progressos. É importante comparar onde estamos hoje com onde estávamos há 10 anos. Precisamos de mais mulheres e de mais diversidade em geral na sala de reuniões e na direção. Mas não podemos desistir. No Canadá, as mulheres continuam a ter melhores resultados do que na Europa e a nível executivo.
MS: Depois de tantos anos a falarmos de igualdade e paridade, porque continuamos a ter uma clara discrepância entre homens e mulheres em cargos de liderança?
APL: É evidente que ainda há trabalho a fazer. Fizemos progressos e há mais mulheres em cargos superiores do que nunca. O ritmo é mais lento do que eu gostaria. Temos de ensinar às raparigas que podem atingir os seus objectivos. Precisamos de encorajar as raparigas a entrar nas escolas de ciências, matemática e gestão. Não esqueçamos, porém, que estamos a assistir a um maior número de mulheres a licenciarem-se em gestão, medicina e direito do que nunca. Elas serão modelos a seguir e veremos o seu impacto nos próximos anos.
MS: Muitas mulheres afirmam que sentem que têm que constantemente de demonstrar as suas capacidades, como se estivessem sob um escrutínio permanente e que isso não acontece, com a mesma frequência e da mesma maneira quando se trata de homens. Na sua experiência de vida profissional sentiu esta sobrecarga de nível de exigência só pelo facto de ser mulher?
APL: Sem dúvida! Sinto que as mulheres têm de provar que são mais trabalhadoras, mais realizadas, mas não demasiado agressivas. Continuamos a ensinar às raparigas e a reforçar que não devem ser “duras” – porque isso não é feminino e pode fazer com que não pareçam agradáveis. Temos de ensinar às raparigas que ser agressivas, tal como os seus homólogos masculinos, não é uma coisa má. Em última análise, as mulheres estão a ser julgadas pela sua personalidade e os homens estão a ser reforçados. Já passei por isso, mas aprendi a lutar contra essa situação. À medida que cada vez mais mulheres entram em cargos superiores, penso que isto irá mudar e as mulheres serão respeitadas pelo seu mérito e não pelo facto de serem “simpáticas”!
MS: Que responsabilidade têm as próprias mulheres relativamente a esta realidade? Será que estamos a passar uma fase em que a luta pela causa das mulheres está a esfriar, como se já não valesse a pena?
APL: Não creio que as mulheres devam ser culpadas pela situação atual. Estamos numa fase diferente do feminismo do que quando eu estava a começar. Respeito o facto de a realidade das mulheres mais jovens ser diferente da minha. Cheguei à idade adulta numa era muito conflituosa do feminismo – luta pelo aborto, controlo de natalidade e direitos básicos das mulheres. Muito foi alcançado, especialmente no Canadá. No entanto, o que temos visto nos EUA mostra que não podemos ficar demasiado confortáveis. Até a fertilização in vitro está em cima da mesa. Por isso, penso que temos de continuar a levar estas questões a sério e não as tomar como garantidas
MS: Na sua opinião, que peso teve no resultado final das eleições dos USA, o facto de uma das candidaturas ter sido encabeçada por uma mulher?
APL: Isso é complicado. Se o candidato Republicano fosse uma mulher, não tenho dúvidas de que os Democratas se teriam saído melhor. Mas não sei se teriam ganho. Kamala teve uma má sorte – era uma incumbente, não foi eleita nas primárias e não foi devidamente avaliada. Basicamente, as coisas estavam contra ela… no entanto, no meu coração, muita negatividade foi-lhe dirigida por ser mulher e mulher de cor. No entanto, havia muitas outras variáveis em jogo.
MS: Como encara o futuro, relativamente a esta questão da paridade/igualdade entre homens e mulheres?
APL: Temos muito trabalho a fazer. No entanto, penso que devemos sentir-nos encorajados pela participação cada vez maior dos homens na vida familiar, pela sua partilha de responsabilidades com os filhos e pela presença cada vez maior de mulheres em cargos superiores. Em última análise, não se trata de saber quem ganha, mas sim de alcançarmos um lugar de igualdade e liberdade de escolha. A mulher pode ser a principal responsável pelo sustento da família, por exemplo, mas o homem não deve sentir vergonha de ser o prestador de cuidados. Ou vice-versa… O que pretendemos, realmente, é a igualdade.
MB/MS
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