Temas de Capa

“Não há dois lados, há muitos lados e muitos interesses em jogo”

Brigadeiro-General Nuno Lemos Pires

O jornal Milénio Stadium desta semana aborda um dos temas que tem dominado a atualidade mundial – a crescente tensão no Médio Oriente que envolve, de forma direta, o Irão e os Estados Unidos, mas acaba também por abalar as relações com outros países, como é o caso do Iraque, Arábia Saudita, Líbia, entre outros.

Brigadeiro-General Nuno Lemos Pires

Na passada terça-feira (7), em cerca de meia hora, o Irão lançou 22 mísseis contra duas bases iraquianas, utilizadas pelo exército norte-americano, numa operação vista como uma vingança pela morte do general iraniano Qasem Soleimani, após um ataque aéreo dos Estados Unidos ao aeroporto de Bagdade.

A União Europeia já se mostrou disponível para mediar o conflito – o objetivo passa não só por salvaguardar o acordo nuclear como também por evitar o aumento e propagação da violência.

Nuno Lemos Pires é Brigadeiro-General do Exército e atualmente é também subdiretor-geral de Política de Defesa Nacional do Ministério da Defesa Nacional e Professor na Academia Militar Portuguesa em Lisboa, Portugal.

Para além de ser Doutor em História, Defesa e Relações Internacionais pelo ISCTE-IUL, é também Mestre em Ciências Militares, possui uma pós-graduação em História Militar, bacharelato em Gestão de Recursos Humanos e ainda dois diplomas do War College (curso de Promoção de Oficiais de Bandeira e curso de Pessoal).

Com 10 livros publicados, colaborações em mais de 100 livros, artigos e projetos escritos em português, espanhol e inglês, especialmente dedicados à história militar, estratégia e relações internacionais, o seu percurso já lhe valeu 17 louvores nacionais e oito internacionais e um sem número de distinções,  entre elas uma medalha D. Afonso Henriques (1ª Classe) e uma “Meritorious Service Medal”, concedida pelo presidente dos Estados Unidos da América. Recebeu ainda o Prémio Defesa Nacional 2014, atribuído à obra “Wellington, Spínola e Petraeus: O Comando Holístico da Guerra” e o Prémio “Barretina Mundo”, atribuído pela Associação de Antigos Alunos do Colégio Militar.

Por todas estas e muitas outras razões o jornal Milénio Stadium quis ouvir a opinião do Brigadeiro-General Nuno Lemos Pires acerca deste tema. O que está por detrás de toda esta situação? O que implica este confronto? Podemos esperar algum tipo de consequências no futuro?

Milénio Stadium: Brigadeiro-General Nuno Lemos Pires, antes de mais gostaria de lhe pedir que nos fizesse um pequeno enquadramento de toda esta situação que está a ter lugar no Médio Oriente. Sem recuarmos muito na história e sabendo nós a causa próxima – a morte do General Soleimani – o que está realmente a causar tamanha tensão? A proximidade de eleições nos Estados Unidos da América pode ter ajudado Trump a decidir autorizar o ataque que teve como resultado a morte de Soleimani? Para que aos olhos do povo americano América seja “great again”?

Brigadeiro-General Nuno Lemos Pires: A resposta não é simples porque há inúmeros fatores a ter em conta. E, tal como pede, sem recuar muito na história, esta última crise que opõe EUA e Turquia tem-se agudizado desde 2003. A expansão da influência xiita dentro do Iraque, na Síria, no Líbano até ao Iémene a sul (para não falar de outras regiões menos significativas onde se inclui o Afeganistão), levou a um crescendo de hostilidade. Nos últimos dois anos os incidentes somaram-se e, ainda mais recentemente, a destruição de um drone americano, o ataque à refinaria na Arábia Saudita e, nas últimas semanas o ataque a uma base no Iraque e o assalto à Embaixada dos EUA (com as respetivas respostas da outra parte) fazia antever um determinado ponto de rutura. Foi este. Assim, para além das razões de política interna, o que não comento, este foi um momento para criar uma situação de dissuasão futura – dos EUA sobre o Irão – dissuadir (deterrence) de mais ações sobre os americanos, os e os seus interesses (ou os dos seus aliados).    

MS: O Irão, após a morte de Soleimani, retaliou de imediato atacando bases norte-americanas no Iraque. No seu entender o que travou Trump e os Estados Unidos da América de atacar em força o Irão (como aliás, o próprio Trump tinha anunciado que aconteceria caso o Irão atacasse ou pusesse em causa a vida de norte-americanos)?

BGNLP: Pragmatismo. O que se ganha em escalar mais o conflito? Em causar mais mortes? O ataque do Irão não provocou baixas entre os americanos e, assim, os EUA sem atacarem militarmente o Irão (que poderia de facto ser um ato com um significado muito mais relevante) consegue levar o “conflito” para onde lhe interessa – o acordo nuclear e o aviso ao Irão para parar com a expansão da sua ação fora das suas fronteiras.   

MS: Para além do “confronto” Irão/Estados Unidos, que se agudizou com a morte do General Soleimani, esta é uma zona do mundo onde recorrentemente existem diversos conflitos. Há, neste momento, países a aclamarem a iniciativa dos Estados Unidos, como é o caso de Israel (que entretanto está em estado de alerta) e o velho rival do Irão, a Arábia Saudita. Que impacto esta situação terá na região?

BGNLP: Provavelmente … muito menos do que se pensa. Esta situação demonstrou o que se passa. De forma clara. Todos os atores regionais e globais aproveitaram para clarificar posições (desde a Turquia à Rússia, desde a Arábia Saudita a Israel). A tensão pré-existente continua e tudo está em aberto, desde o agravamento até à possibilidade de um acordo mais amplo entre as partes em conflito – assunto a ver – difícil de prever.   

MS: No caso de eclodir uma guerra, que consequências se podem esperar? Não apenas para a região, mas também para o mundo? Isto tendo também em conta que o Irão já anunciou a sua retirada do Acordo Nuclear…

BGNLP: Ameaça sair do acordo… não foi bem a mesma coisa. Porque diz que abandona (só no que concerne ao enriquecimento do  urânio, ou seja, deixando de cumprir com o número máximo de centrifugadoras, mas isso não quer dizer que vai produzir armas nucleares) e, simultaneamente, dá a entender que está disposto a voltar à mesa das negociações – esperemos que volte até porque, no mesmo comunicado, o Irão diz que vai continuar a cooperar com a Agência Internacional de Energia Atómica. Além disso vemos um país (Irão) que está dividido, com enormes problemas essencialmente económicos e que parece não estar mobilizado para uma guerra.  

MS: Mais concretamente na Europa, será que vamos assistir, por exemplo, à entrada de um maior número de migrantes ou refugiados de guerra?

BGNLP: Por causa disto, penso que não.

MS: Existe um “lado certo” num conflito deste tipo?

BGNLP: Claro que não – os conflitos são sempre “matriciais” – não há dois lados, há muitos lados e muitos interesses em jogo – a única certeza que temos é que o agravamento e o uso de violência de forma crescente é mau para todas as partes e, felizmente, o “acalmar” dos últimos dias indicia que esse não parece ser o caminho futuro – para bem dos que mais sofrem que são aqueles que estão no terreno. É muito importante, acima de tudo, garantir que o Iraque (palco onde tudo se desenrola) não volta à extrema instabilidade de há seis anos quando surgiu o terrível Estado Islâmico (Daesh) – isso é que todos, mas mesmo todos, devemos juntar esforços para não permitir. 

Inês Barbosa/MS

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