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“Não cabe a mim julgar” – psicólogo Tiago Souza

milenio stadium - aborto

 

A palavra aborto traz, por si só, uma carga negativa acoplada. Abortar é muitas vezes complexo, é confuso, é mal olhado, é criticado, é julgado, é difamado. É tantas vezes crucificado, muitas delas por quem acredita Naquele que sofreu na cruz.

Ser a favor ou contra o aborto é certamente um direito que todos têm, mas até que ponto temos o direito de sentenciar, seja de que forma for, quem escolhe esse caminho? As razões para que se opte por terminar uma gravidez em fase inicial são várias e pessoais, como nos explica nesta entrevista o psicólogo Tiago Souza – e, em boa verdade, as consequências de uma tomada de decisão desse nível só afetarão a vida de quem a tomou. E o sentimento (muitas vezes de culpa) que se apodera da mulher depois de um aborto é pesado o suficiente – porque terá ela de, para além disso, carregar nos ombros a desaprovação dos outros? Haverá esse direito de condenação? Quais os limites do respeito? Não deveria ser o aborto mais uma questão de empatia do que de opinião?

Este é um tema denso e que abre portas a muitas conversas, importantes, para que todos possamos refletir mais sobre os limites do outro, os nossos e a forma como a mulher deve ser tratada em casos tão sensíveis quanto este.

milenio stadium - tiago souzaMilénio Stadium: Sendo certo que cada caso é um caso, é possível, de forma muito genérica, dizer-nos o que representa para a mulher, na perspetiva psicológica, interromper voluntariamente uma gravidez?
Tiago Souza: Na minha experiência clínica, eu sou testemunha de um conflito. Clientes minhas que passaram pela experiência de interromper uma gravidez traz uma constelação de sentimentos, muitos deles difíceis de se lidar. Há o alívio por tomar uma decisão que beneficia a vida hoje, seja pela razão que for, mas também eu escuto uma fala de dor e culpa, que precisa ser considerada seriamente e acolhida.

MS: Assumindo que há danos psicológicos, que efeito têm no dia a dia de uma mulher?
TS: Isso vai depender muito das razões pelas quais o aborto foi a opção tomada, e também de questões culturais envolvidas. Clientes que saíram de relações abusivas, e que não foram respeitadas nas suas necessidades em geral, tendem a se sentir mais aliviadas e menos hesitantes em tomar essa decisão. Mas o efeito mais comum é: essa experiência nunca vai deixá-las. É um marco, como um “antes e depois” do aborto, e o peso da tomada dessa decisão, que nunca é fácil e nunca é comemorada.

MS: Que tipo de apoio psicológico deve ser proporcionado a uma mulher que decide abortar?
TS: Antes de mais nada, apoio e respeito na tomada de decisões, sem julgamento e condenação. Ao mesmo tempo, um apoio do ponto de vista psicossocial é necessário, pois muitas vezes as mulheres se sentem sem suporte familiar, emocional ou mesmo financeiro para levar a gravidez adiante. Mais ainda: o apoio pós-aborto não é comum. Algumas organizações de base espiritual e religiosa oferecem grupos de suporte a mulheres que optaram pelo aborto, para lidarem com os conflitos, culpa e arrependimento, quando ocorrem. Mas não são acessíveis como deveriam.

MS: O facto de o aborto ser ainda, para muita gente, algo que é visto de forma negativa – torna o processo mais doloroso e difícil?
TS: Sem dúvida. Existe uma guerra de dominação do assunto, entre poderes políticos e religiosos, mas com a decisão da mulher vista como secundária ou sempre subordinada a outros interesses. Tanto quanto a legalidade e direitos do aborto, os direitos da mulher, enquanto intrinsecamente capaz de tomar conta e controle de si própria e sua vida, continua a ser um debate – como se um debate fosse necessário para a garantia desses direitos.

MS: Da sua experiência, quais são as principais motivações para que uma mulher decida abortar?
TS: As razões são múltiplas, mas na minha circunscrita experiência clínica, a necessidade de resgatar o controle da vida e dos planos quando a gravidez não foi planejada, e o aborto em consequência de relações abusivas são as razões mais frequentes em meu consultório.

MS: Em muitas circunstâncias, quando alguém se posiciona contra o aborto, fundamenta dizendo que se está a defender a “vida”. O que pensa desse argumento?
TS: Este é um debate ético que vai continuar pelos séculos. Ser a favor ou contra o aborto são direitos dos cidadãos, mas que esse direito não interfira no direito alheio de tomar suas próprias decisões. Se eu sou contra ou a favor do aborto, isso não deve ser razão para desrespeitar e julgar quem decida realizar o procedimento, pois as razões pertencem a quem decide, e não cabe a mim julgar.

Catarina Balça/MS

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