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Na vida, nada é tão certo quanto a morte e os impostos

Here's The Thing: Manuel DaCosta entrevista Christopher Clapperton

Esta semana, no Here’s The Thing, Manuel DaCosta abordou uma questão fundamental e que muitas vezes desconsideramos. Esteve à conversa com Christopher Clapperton para nos explicar a importância da tomada de decisões e do planeamento para o nosso fim de vida.

Christopher Clapperton é um advogado da firma Clapperton Munro Law e a sua especialidade inclui a área do direito imobiliário, fiduciário e direito tributário, incluindo o aconselhamento na preparação de testamentos e procurações.

 

milenio stadium - heres the thing - chris clapperton

 

Manuel DaCosta: Fale-nos mais sobre o seu percurso e o que o levou a este ramo de trabalho?
Christopher Clapperton: O meu pai já estava no ramo há 30 anos antes de eu começar e acabei por “cair” neste ramo também. As pessoas têm memória de em criança sentarem-se ao colo dos pais enquanto estes liam o jornal, no meu caso, o meu pai lia testamentos. Ele explicava-me aquilo que fazia, sem comprometer o nome dos clientes. Em criança acompanhava o meu pai nalguns dos casos de grandes clientes que eram viúvos/as e acabava por passar tempo com o motorista ou o mordomo enquanto ele estava em reunião. É algo com que sempre cresci e que sempre conheci. Quando frequentei o curso de Direito, gostei do lado dos impostos e percebi que as práticas corporativas e imobiliárias seriam muito interessantes. Acabei por “cair” na prática por sorte, comecei como advogado tributário e vi a oportunidade.

MDC: E tem estado bastante ocupado, principalmente agora depois da Covid-19.
CC: Com a Covid-19 as pessoas têm pensado mais sobre a mortalidade e, por isso, tivemos mais clientes. Além disso, no último ano, perdi cerca de 10 clientes devido à Covid-19, pois muitos dos meus clientes são séniores e alguns deles estão em lares. As pessoas estavam sozinhas, desistiram e como resultado, a sua saúde falhou-lhes. Tem sido um ano triste, e para muitas pessoas, um ano dedicado ao planeamento. Mesmo no lado corporativo, ocorreram restruturações devido aos impostos, uma vez que as regras fiscais mudaram com as propriedades e fundos nos últimos anos. E assim, as pessoas planeiam mais para evitar a prova oficial de um testamento. Considerando que os tribunais estão a demorar mais tempo para processar as provas oficiais de um testamento, tendo como consequência o congelamento dos bens durante meses e até um ano.
Por exemplo, se há uma esposa jovem e o marido morre num acidente, se ela tiver uma hipoteca com um valor elevado, e agora não tem o rendimento do marido, mesmo que tenha um seguro de vida, não pode vender a casa e terá de recorrer à família para pagar a hipoteca porque os bancos não abdicam do seu pagamento mensal. Se não puder vender a casa é um grande problema para estas famílias.

MDC: Na vida, os impostos e a morte são inevitáveis. Os impostos perseguem-nos no nosso dia a dia. E muito do planeamento com o património relaciona-se com impostos.
As heranças parecem ser bastante controversas, especialmente se a pessoa que falecer tiver um grande património e as famílias parecem esperar para agarrar um pedaço. Continua a ser tão confrontativo?
CC: Há 30 anos atrás, quando comecei, um património com o valor de um ou dois milhões era considerado um bom valor. Hoje em dia, para ser um bom valor deve ser um património de, no mínimo, quatro a cinco milhões. Com os patrimónios a crescer em valor, está mais dinheiro em jogo, e as pessoas mais esfomeadas por ele. E em geral, a sociedade, tal como nos Estados Unidos da América, tornou-se mais litigiosa. Antigamente, resolveríamos mais disputas de forma privada. Hoje, com patrimónios com um valor mais elevado, existe mais capital para pagar a profissionais, por isso vejo cada vez mais a litigação. Os problemas são os mesmos, o diferencial é o dinheiro.

MDC: Os baby boomers têm triliões de dólares que se reverterão em heranças e este dinheiro está a chegar num futuro próximo. Na sua experiência, considera que, em geral, as famílias já planeiam aquilo com que vão ficar, mesmo sem saberem se estão no testamento?
CC: Infelizmente, são demasiadas as pessoas que apostam nas heranças que ainda não receberam. É algo perigoso de se planear. Não fazem ideia, a matriarca ou o patriarca podem ficar seriamente doentes e o custo dos seus cuidados pode facilmente chegar aos 200,000 ou 300,000 dólares por ano e, assim, despender o seu património, inclusive as pessoas agora têm uma maior esperança de vida. É bastante controverso e tentamos explicar às famílias, quer tenham muito dinheiro ou nem tanto, que por vezes serem abertos com os seus filhos e dar-lhes a conhecer o seu plano em geral. Contudo, ninguém deve ficar a fazer conta com uma futura herança, mas há quem o faça.

MDC: Explique a diferença entre um testamento em vida e um testamento sobre a morte, e o porquê de precisarmos dos dois.
CC: Existe um mal entendido quando as pessoas ouvem o termo testamento em vida. Um testamento em vida é um documento não vinculativo, e expressa as intenções e desejos para decisões de final de vida. Por vezes podemos ver um testamento em vida incorporado diretamente nas questões de cuidados pessoais, por exemplo não quero que sejam tomadas medidas para me manter vivo se não houver esperança, o que algumas pessoas chamam de “desligar a ficha”, ou não quero ser mantido vivo artificialmente por um período superior ao razoável. O testamento em vida é um plano para quando a pessoa estiver incapaz e para que as pessoas que tomem as decisões por esse individuo se possam guiar.

MDC: Uma procuração é o mesmo que uma pessoa ou instituição nomeada para executar os termos de um testamento?
CC: Não, as procurações são os documentos que os indivíduos têm quando ainda estão vivos. As pessoas concebem esses documentos para um possível evento futuro em que possam estar incapacitados de tomar decisões referentes às suas finanças, ao seu património e bens, a isso chama-se de procuração com fins lucrativos.
Se as decisões forem referentes a cuidados médicos, local de habitação, roupa, higiene, é uma procuração de cuidados pessoais. O testamento em vida serve para guiar as pessoas que tomam as decisões médicas. Por exemplo, um pai teve um acidente, a mãe já tinha falecido, e os filhos vão ao hospital e o pai está ligado a máquinas para sobreviver, os médicos vão questionar se existe uma procuração médica e se existe um testamento em vida. Os médicos explicam que esse documento expressa os desejos do indivíduo no fim de vida e seria importante uma vez que têm de decidir se desligam as máquinas ou não. Algumas pessoas consideram o tomar desse tipo de decisões absolutamente traumático, podem ficar paralisadas com o medo, vivem com um sentimento de culpa depois, então este documento serve para guiar.
Enquanto que um testamento surge quando a pessoa já faleceu, nomeadamente no que diz respeito a questões financeiras e relacionadas com os seus bens. Sendo que substitui a procuração.

MDC: Quando é que é nomeada uma pessoa ou instituição para executar os termos de um testamento?
CC: O testamento irá nomear a pessoa ou pessoas que irão executá-lo. Em Ontário, são agora chamados de Estate Trustees. Antigamente existia um Executer e um Trustee, o Executer seria a pessoa com a custódia do corpo e que lidaria com o funeral, e ao Trustee costumávamos chamar de Pai Natal, que recolhe os bens, paga as dívidas e distribui o património.

MDC: O que acontece se uma pessoa não tiver um testamento ou mesmo uma procuração?
CC: Se a pessoa não tiver um testamento em vida, no que diz respeito a decisões médicas, terão de ser as pessoas nomeadas pela procuração a tomar uma decisão.
Um testamento é um documento onde é definido quem será o Estate Trustees desse indivíduo e como irá gerir o seu património, para quem o distribuem, quer seja na constituição de fundos para os filhos mais novos ou provas de crédito caso a pessoa queira proteger os seus bens. Se uma pessoa morrer sem testamento, o que acontece é que a lei escreve um testamento por si. Em Ontário, existe legislação que dita o que acontece nesses casos. Se a pessoa for casada, o/a seu/sua esposo/a tem direito a uma quota preferencial, ficam com os primeiros 200,000 dólares do valor do seu património. Se não tiver filhos, o/a esposo/a ficam com tudo. Se tiverem um filho, depois da quota preferencial de 200,000 dólares, o que sobrar é dividido 50/50 entre a/o esposa/o e o filho. Se tiver mais do que um filho, depois da quota preferencial, é divido em 1/3, sendo que os dois filhos recebem 2/3. As pessoas não pensam sobre isto, pensam que se o pai morrer, a mãe vai herdar tudo, isso não acontece e além disso desencadeia consequências fiscais. Os bens que não forem atribuídos à esposa, são considerados descartados, o que muitas vezes significa que a esposa terá de iniciar um processo para tratar a morte como um divórcio e processar aquilo a que chamamos de constructive trust dependence relief para tentar que os seus direitos prevaleçam.

MDC: A/O esposa/o pode tratar a morte como um divórcio?
CC: Se não existir um contrato matrimonial e a/o esposa/o sentirem que não foi justo ou razoável, sob o ato da Lei da Família têm o direito de tratar a morte do companheiro como se fosse uma separação.

MDC: Com que idade se deve designar alguém para cumprir as nossas vontades enquanto estamos vivos?
CC: Em Ontário, quando atingem os 18 anos, todas as pessoas deveriam ter uma procuração referente a propriedade e a cuidados pessoais. Inúmeras vezes deparámo-nos com casos em que um jovem está longe na universidade, por exemplo, saem com os amigos para beber, vão apanhar um táxi, escorregam, batem com a cabeça no passeio e acabam com uma lesão cerebral. Se a pessoa for declarada incapaz de cuidar dos seus assuntos, sejam eles financeiros ou médicos, se não tiver uma procuração, assim que tiver 18 anos, os pais já não podem tomar decisões. Sob a legislação nas questões financeiras, é-lhe atribuído um statutory guardian pelo Estado, isto não é algo que o Governo goste de fazer, além disso têm recursos limitados. Se a família não quiser que o Governo se envolva, todos são considerados como uma parte interessada, e os familiares podem fazer um requerimento para serem os guardiões, mas é bastante dispendioso e demorado. Os médicos têm de dar prova médica, existe um procedimento de criação de planos que pode demorar várias semanas e o requerimento pode custar entre 10 mil a 20 mil dólares.
Nas questões médicas, se for declarado incapaz, numa questão de emergência, normalmente os médicos consideram as instruções dos pais ou familiares. O hospital pode também proceder à revisão de capacidade de consentimento para definir alguém que tome decisões por essa pessoa, isto para aquela estadia específica. Se a pessoa for para casa e depois tiver de voltar ao hospital terão de fazer outra avaliação.
Costumo dizer que uma excelente prenda para quando se faz 18 anos é levá-los a um advogado para delinear uma procuração.

MDC: E no caso dos testamentos?
CC: Geralmente aconselhamos assim que começarem a acumular bens imóveis, então devem ter um testamento. Se tiverem ativos financeiros no valor de 50 mil a 100 mil dólares, então faz sentido terem um testamento. E claro, assim que tiverem filhos devem fazer um testamento, pois nesse documento irão definir quem seria o tutor das crianças. No caso de ser mãe solteira e não existir custódia partilhada, a mãe tem o direito de definir quem quer que crie as crianças se alguma coisa lhe acontecer.

MDC: Quando se escolhe um Executer, quão importante é investigar a pessoa que irá cuidar dos nossos assuntos?
CC: Falo bastante com empresas de planeamento financeiro e grupos desta indústria e nós passamos mais tempo a falar sobre esse tópico do que sobre planeamento imobiliário e tributário em geral. Pense bem, se define alguém para representar a sua propriedade ou os seus cuidados pessoais, você ainda está vivo, mas incapaz de cuidar das suas coisas, e está a depositar toda a sua fé nas pessoas que nomeou. Por exemplo, uma pessoa que tenha negócios, tem de existir uma equipa de gestão a gerir as coisas.
No caso de uma família típica, onde os pais estão a envelhecer, muitas vezes chegam ao escritório e imediatamente nomeiam o/a esposo/a ou os filhos, mas quando os começamos a questionar vemos que ainda existem muitas famílias tradicionais onde um dos cônjugues nunca pagou uma despesa. E os filhos dizem-nos que chegam a casa e está um amontoado de documentos por tratar, por vezes deve-se à barreira linguística, ou não sabem lidar com aqueles assuntos. E quando se dá por isso a eletricidade está a ser cortada.
Geralmente aconselhamos que a pessoa se certifique que as pessoas nomeadas são maiores de idade, não podem ter declarado falência e considere se vivem perto do local de jurisdição para poderem tomar conta das questões administrativas eficazmente.
Não existe uma lei que impossibilite nomear alguém que não seja residente no Canadá, o problema é que a maioria das instituições financeiras e os tribunais não querem lidar com isso. Estão em causa preocupações com possíveis fraudes. Tinha um caso em que a pessoa tinha uma filha aqui e o filho nos EUA e os bancos não permitiam que agissem em conjunto, sendo que acabaram por brigar e seguir pela litigação onde o tribunal decidiu nomear uma empresa para ser o responsavel.

MDC: Quanto tempo tem um Executer para distribuir um património?
CC: Vamos considerar uma família com três filhos. Existe algo que se chama Executers Gear, no primeiro ano que se segue à morte, o Executer deve fazer o inventário do património, determinar as mortes, pagar as despesas e tentar distribuir os bens durante esse período de um ano. Depois do primeiro ano é quando os beneficiários começam a ligar e a fazer exigências.
No entanto, se for um património em que existe uma entidade legal nomeada para gerir e distribuir os bens… aquilo que chamamos de Trust… Um bom exemplo é no caso de uma família em que a mãe ficou viúva e voltou a casar e tem filhos do primeiro casamento, e digamos que casou com alguém mais jovem com a qual terá mais filhos. Se estiver preocupada com o facto de quando morrer querer cuidar do segundo companheiro e dos filhos dos dois casamentos, vê-se muitas vezes no testamento nomear em trust. Os bens que vão para esse trust estão protegidos para as pessoas que ela designou e pode colocar regras sobre quem tem acesso aos bens e quando.

MDC: Quais são os erros mais comuns que cometemos quando nomeamos beneficiários?
CC: Nomear alguém menor de idade. Por exemplo, um testamento que atribua os bens aos filhos, naquela altura com oito e 10 anos, um erro comum é o consultor financeiro ou o agente do seguro de vida indicarem o menor a pensar que o testamento os salvaguarda, mas isso não acontece. Tudo o que seja pago a um menor que não faça parte do trust será pago em tribunal, e só terão acesso quando completarem os 18 anos e recebem um cheque. É um erro comum as pessoas não criarem trusts para proteger os menores.
Outro erro comum é nomearem não-residentes como fiduciários. Não é uma boa ideia pelas razões que já mencionámos.
Outra questão que muitas vezes os pais consideram é que depois de morrerem os filhos dividem os bens pessoais, mas por vezes isso acaba por causar mais discórdia do que a questão do dinheiro devido ao valor sentimental.

MDC: Quão importante é o planeamento enquanto se está vivo?
CC: É uma questão fundamental. A pessoa trabalhou a vida inteira para adquirir os seus bens, seja uma casa, um apartamento, dinheiro… não acha que vale a pena gastar umas centenas de dólares para garantir que são distribuídos como deseja?
Se existirem problemas e não existir um plano definido, poderá ter dois ou três advogados que se vão alimentar do seu património pois será daí que vão sair os custos.

Manuel DaCosta/MS
Tradução e transcrição: Inês Carpinteiro

 

Pode assistir a esta entrevista na íntegra na Camões TV, este sábado (13), pelas 21 horas, nos canais Bell Fibe 659, Rogers Cable 672 e Ignite TV 880

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