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Moda: Seguir influências ou assumir a própria identidade

Estima-se que a população global chegou, em abril de 2019, aos 7,7 bilhões de pessoas. Um dos factos que é comum à maior fatia deste número: todos os dias nos vestimos. Porque vamos trabalhar, vamos às compras, passear, encontrar-nos com amigos ou simplesmente porque vamos sair à rua. Abrimos religiosamente o guarda-roupa todos os dias. E, quando o fazemos, escolhemos o que vamos usar. A indumentária fica quase sempre ao critério de cada um de nós: mais uma forma de liberdade de expressão individual que se desdobra em inúmeras opções, da roupa aos acessórios. Da conjugação dos tecidos, das formas, dos materiais, das cores e da forma de nos vestirmos como mais do que uma simples forma de tapar o corpo para nos protegermos, nasceu a moda. O que será que as escolhas que fazemos dizem sobre nós? O que é estar na moda? Para desconstruir estes conceitos falámos com a estilista portuguesa Paula Seiça, proprietária da loja The Citizen Room, em Toronto.

Milénio Stadium: Como começou a sua relação com a moda?
Paula Seiça: Tudo começou muito cedo, quando eu tinha cerca de 10 anos. Tinha a mania de querer desenhar as minhas roupas e tinha a sorte de ter alguém que as pudesse tornar realidade. Portanto, eu desenhava as minhas roupas e a minha tia, que era modista na altura, é que com muita paciência lá ia desvendando os meus desenhos e fazendo peças para mim, dentro daquilo que eu imaginava. Eu detestava ir às compras. Achava que as roupas eram todas iguais, muito monótonas, e tinha desde cedo essa necessidade de ser diferente dos outros. De ser mais arrojada. Ao longo da minha vida esse gosto pela moda manteve-se. Comecei a pesquisar designers portugueses e internacionais e comecei a gostar de tudo o que estava ligado a moda. Quando cheguei ao Canadá, pensei em realizar um sonho que tinha: abrir uma loja de roupa com coisas diferentes, com designers – especialmente portugueses, que são super criativos. Passados muitos anos, quando vim para Toronto, surgiu a oportunidade de abrir uma loja. A Citizen Room agora já tem cerca de sete anos.

MS: O que tem em conta quando cria uma coleção?
PS: Quando crio uma peça ou uma coleção de roupa eu tenho em mente se eu vestiria aquela roupa. Tenho de ter vontade de a vestir e me sentir bem a usar cada uma das peças. Evidentemente, depois há outras inspiraçōes: o mundo que nos rodeia, situaçōes, o estado de espírito. Por exemplo, as cores dependem muito de como me sinto naquele dia. E depois há uma outra: eu faço inúmeras viagens a Portugal e Nova Iorque. E percebi que esses dois lugares me inspiram imenso nas minhas coleçōes. Nova Iorque porque é uma cidade extremamente multicultural e extravagante, uma amálgama de situaçōes, de pessoas… E quando chego a Portugal é o contrário: volto às minhas raízes, aos lugares pequenos, aos cheiros, aos quintais, às flores, ao mar… E eu acho que as minhas coleçōes são isso mesmo. Aliam a extravagância à simplicidade. Parece que são opostos, mas eu consigo combinar os dois na minha criatividade e nas minhas peças.

MS: Como é trabalhar com a moda numa cidade tão multicultural como Toronto?
PS: O facto de viver numa cidade multicultural, para mim, ajuda imenso. Porque eu tenho a certeza que vai haver alguém a gostar das minhas roupas. A minha marca, por exemplo, não segue tendências, não segue tempo. Eu quando me apetece crio. Não sigo as semanas de moda ou determinadas épocas. Eu vou criando quando me apetece criar e muito ao meu gosto pessoal. Quando se vive numa cidade tão multicultural, na minha opinião, tem-se menos medo porque haverá sempre alguém que vai gostar das minhas peças.

MS: Seria diferente em Portugal?
PS: Nos últimos tempos, Portugal está a ser muito mais multicultural do que era há uns anos. Mas penso que seria mais difícil lá porque continua a ser um país pequeno, com a maioria da população a concentrar-se em cidades como Lisboa, Porto… Se formos um designer que procura seguir tendências, ver quais são as necessidades da população para tentar vender mais, então aí eu penso que vamos vender mais. Neste caso, viver numa cidade multicultural é mais difícil porque também é mais difícil definir o seu público alvo.

MS: Podemos estar na moda sem seguir as tendências?
PS: Eu penso que sim. Eu mesma visto-me assim, acho eu. A pessoa pode seguir tendências, como é evidente. Sobretudo quando a pessoa nao é muito segura, mais vale seguir tendências. Mas eu acho que é mesmo uma questão de confiança em si mesmo. A pessoa está sempre na moda quando se sente confiante, confortável, à vontade. E isso vai transparecer para os outros quando ela está a vestir aquela peça. Que está a parecer bem, a sentir-se bem. Então, claro que é possível. E para os designers, nesta questão de seguir tendências ou não, há duas opções: ou é líder ou é seguidor. Qualquer um pode ter sucesso ou não ter sucesso de vendas. Ser seguidor é seguir tendências, as revistas, as semanas de moda, o que as grandes marcas estão a lançar, seguir as influencers, ver qual é a necessidade no mercado de momento. Ou então pode-se entrar no mundo da moda sendo um líder, que é mais ou menos o que eu acho que estou a fazer: acreditar na sua criatividade, mostrar a sua personalidade nas peças e esperar que essa personalidade transmita a ideia que nós queremos e que haja alguém que se interesse por isso. Se calhar é um pouco mais arriscado. Mas vemos, por exemplo, a Coco Chanel que criou o tweed. Foi a primeira, o tweed não existia. Ninguém ia pensar que ia ser um sucesso, e agora é um sucesso intemporal. Eu acho que ela foi uma líder, não foi uma seguidora. E hoje nós estamos um pouco lavados com as redes sociais.

MS: Vemos todos os dias nas redes sociais as influencers e determinados padrōes de beleza, de maquilhagem, de formas de vestir. Que fenómeno é este que estamos a presenciar?
PS: O que estamos a presenciar é que, efetivamente, as influencers ganharam uma importância incrível na atualidade e alteraram muito o mundo da moda. Pelo menos no sentido de divulgação da marca e das peças. Estas influencers são seguidas por milhares de pessoas. Quem as segue acaba por alterar o seu comportamento, a sua rotina, as suas compras e fica completamente lavado com o que elas mostram. É bom para as marcas, é um excelente instrumento de marketing. Eu também estou atenta, sigo, mas penso que não sou influenciada por elas. Porque mantenho sempre em mente que hoje em dia as influencers são, acima de tudo, um negócio. Elas estão a afetar muito a nossa camada mais jovem e penso que isso não está a ser positivo. A juventude está a comprar coisas supérfluas que não as fazem necessariamente mais felizes ou mais bonitas. E temos de ser realistas: as influencers não utilizam a maior parte dos produtos de beleza que mostram no seu dia a dia, se calhar nem vestem aquelas roupas, mas são pagas para vestir. Nao podemos esquecer que não é necessariamente a personalidade delas. Mas as pessoas começam a seguir, a gostar, se calhar até se identificam um pouquinho e começam a seguir todos os dias. E eu acho que a pessoa perde um bocadinho da sua personalidade, até.

MS: Que conselhos deixa para os jovens?
PS: Nunca se esquecerem da sua própria identidade. Eu quando crio uma coleção quero acreditar que estou a contribuir para fazer crescer e construir a identidade da própria pessoa que a compra. E eu acho que as influencers tiram um bocado a individualidade das pessoas. Passa a ser tudo muito idêntico. E será que as influencers vêm mesmo para ficar? Será que o mercado nao estará a ficar saturado? Eu vejo algumas delas que fazem o chamado unboxing. Faziam uma vez por mês, depois passou a ser feito uma vez por semana e agora já fazem todos os dias. Aquilo é abrir constantemente caixas que elas recebem, mostrar novos produtos, sempre mais e mais… Até que ponto é que o mercado não está a saturar de influencers? Muita gente diz que elas vieram para ficar e que têm um poder enorme. Têm. Mas eu acho que há influencers que nascem por natureza. Vamos falar do Kurt Cobain, há tantos anos. Era um influencer. Nasceu pobre, vestia roupa usada por ser pobre e ficou conhecido por usar essa roupa. E naquela década de 90, toda a nossa juventude queria vestir roupa usada. Até os meninos ricos. Nisso eu acredito e é muito mais credível do que alguém que é pago, na minha opinião.

MS: O que é que as roupas que vestimos dizem sobre nós?
PS: A roupa sempre será uma forma de transmitir a nossa personalidade, de passar uma mensagem. Estas influencers hoje em dia acabam por tornar muito ténue essa ligação entre “eu visto-me assim e sou assim” porque agora o que acontece é “eu visto-me assim porque vejo as outras a vestirem-se assim”. Por isso, essa ligação está mais frágil. Mas penso que a moda foi e sempre será um modo de expressão.

MS: Como vê o mercado da moda plus size?
PS: É uma agradável pergunta e coincidência. Embora não seja dirigida unicamente ou especificamente a clientes plus size, estou a lançar agora uma coleção oversized. O conceito é o conforto e também ser um look intemporal. Inspirei-me no Japão, nas coleções minimalistas que ficam giríssimas tanto numa pessoa magra como numa pessoa mais cheiinha. E eu acho que esta tendência que há agora de dar valor ao plus size é boa. Vem dar uma certa igualdade no mundo da moda, em que havia muito mais oferta para tamanhos mais reduzidos. Era difícil uma pessoa com medidas mais largas conseguir vestir um designer mais moderno, e ficava muito limitada.

Telma Pinguelo

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