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“Menos competição, mais colaboração.” – Jorge Mouselo

Para garantir o futuro da cultura portuguesa

Créditos: DR.

De acordo com o Censo de 2021 do Canadá, residem em Ontário aproximadamente 300.600 pessoas de origem portuguesa, o que representa cerca de 67% da população luso-canadiana no país. Somos a maior comunidade entre todas as províncias canadianas. Dentro de Ontário, a presença portuguesa é particularmente significativa em cidades como Toronto, Mississauga, Hamilton, Kitchener, Cambridge, London e Ottawa. Por exemplo, em Mississauga, cerca de 31.795 residentes identificam-se com origem portuguesa. Além disso, há localidades onde a proporção de habitantes com ascendência portuguesa é especialmente elevada. Um exemplo notável é a vila de Harrow, onde 13,6% da população declarou origem portuguesa no censo. 

Esta forte presença reflete-se, como bem sabemos, na vitalidade da vida comunitária, com inúmeros clubes, associações culturais, festas tradicionais e instituições religiosas que têm mantido viva a herança portuguesa em Ontário. Porém, nem tudo são flores no seio da comunidade. A proliferação de clubes e associações, muitas vezes criados com base em laços regionais ou bairristas, tem resultado numa multiplicação de eventos semelhantes, marcados pela falta de coordenação entre si, repetição de fórmulas e, sobretudo, uma certa desunião.

Nesta entrevista, Jorge Mouselo, presidente da Direção do Centro Cultural Português de Mississauga (CCPM), reflete abertamente sobre os desafios atuais da comunidade, apelando a uma mudança urgente de mentalidade. Com uma visão crítica, mas construtiva, Mouselo defende que é tempo de colocar de lado a competição entre clubes e apostar numa colaboração mais efetiva e estruturada, capaz de revitalizar a vida associativa, atrair novas gerações e, acima de tudo, preservar a identidade portuguesa além-fronteiras.

Ao longo da conversa, Jorge Mouselo abordou temas como a falta de inovação nos eventos culturais, o afastamento da juventude, a diluição da identidade portuguesa nas novas gerações e a necessidade de adaptação à realidade multicultural que hoje caracteriza a comunidade. Com a experiência de quem vive intensamente a realidade associativa, Mouselo deixa-nos um apelo direto: só com união e abertura será possível garantir um futuro sólido para a cultura portuguesa no Canadá. 

Milénio Stadium: Como vê a proliferação de festas e eventos na comunidade portuguesa na área da Grande Toronto?

Jorge Mouselo. Créditos: DR.

Jorge Mouselo: Olhe, infelizmente ou felizmente – nem sei qual é a palavra certa – hoje em dia muita gente faz festas só porque os outros fazem. Parece que virou moda. Organiza-se um evento só porque “os outros também organizam”, mas muitos desses eventos não têm lógica nenhuma. Dizem que são para ajudar instituições como o Magellan, mas até hoje, para além do fazemos no nosso clube e do que aconteceu num evento no Sábado de Aleluia, organizado pelo Augusto Bandeira, nunca vi nenhum clube vir a público dizer quanto angariou e entregou. Falta transparência. E depois tem outra coisa que eu não concordo, é que ninguém vê as datas dos eventos já agendados de outros clubes ou associações. E eu vou ser sincero, ao princípio, quando fazia o meu calendário, eu tinha a preocupação de ver se não ia cair em cima de um evento organizado por outro clube, mas cheguei a um ponto que eu dizia “não, porque é que eu estou a deixar de fazer os meus eventos, ter uma casa mais ou menos decente, quando os outros não têm o mesmo cuidado connosco?”, e deixei de ligar a isso. 

MS: Acha então que há desorganização ou falta de comunicação entre os clubes?

JM: Sim, totalmente. Antigamente, quando planeávamos os nossos eventos, olhávamos primeiro para o calendário das outras associações, tentávamos respeitar datas importantes como aniversários de clubes. Hoje ninguém faz isso. 

Cada um marca o que quer, quando quer, sem olhar a ninguém. E depois nem há imaginação. Um clube faz um “baile do fato branco”, aparecem logo quatro ou cinco a fazer o mesmo. Outro faz uma festa do Espírito Santo, e logo outros tantos também fazem. Até o fado agora se canta em lugares que não têm condições nenhumas para isso. Isso banaliza a nossa cultura. É tudo feito por moda, sem critério, e não acredito que esta tendência dure muito.

MS: Há quem diga que há cada vez mais portugueses residentes na GTA a desinteressarem-se pelas atividades comunitárias e que são sempre os mesmos que participam. Sente isso? Se sim o que justifica esse desinteresse?

JM: Claramente. São sempre os mesmos. É por isso que a malta se farta. Como se costuma dizer: “vira o disco e toca o mesmo”. Não há ideias novas. O que um faz, o outro copia, sem inovação. Só porque um clube teve 300 pessoas, o outro acha que também vai conseguir o mesmo. Em vez de se unirem e organizarem algo em conjunto – que poderia atrair 500 ou 600 pessoas – andam todos a competir entre si. Tento promover essa união, abro portas do nosso clube para outros, mas sou muitas vezes criticado por isso. Dizem que não devia ter feito isto ou aquilo por determinado clube. Mas se cada um continua no seu canto, com rivalidades e bairrismos, não vamos a lado nenhum.

MS: Essa divisão tem raízes históricas e regionais. Acha então que essa cultura de bairrismo tem um impacto negativo?

JM: Sem dúvida. Acaba por dividir mais do que unir. Os eventos são todos iguais, repetem-se as mesmas bandas, as mesmas músicas, as mesmas fórmulas. As pessoas vão uma, duas, três vezes e depois já não querem mais. Não há renovação, não há algo que chame os jovens.

MS: A juventude está afastada das associações?

JM: Sim, está. E não é só isso – não lhes damos espaço. Quantas associações deixam os jovens organizarem um evento do início ao fim, ao estilo deles? Muito poucas. E se o fazem, nem se fala disso. Isso desmotiva. Eu próprio, às vezes, fico frustrado, penso que devia preocupar-me apenas com a minha casa, mas não consigo. Tenho amor a esta casa, claro, mas o que me move é a comunidade.

MS: E qual é o futuro que antevê para essa comunidade?

JM: Se nada mudar, daqui a dez anos não vamos ter metade dos clubes que temos hoje. Muitos vão desaparecer. A realidade é que antigamente casávamos entre portugueses. Hoje, a maioria dos jovens casa-se com italianos, indianos, outras culturas. A nossa identidade vai-se diluindo.

MS: Então acha que é necessário abrir portas a outras culturas?

JM: Sem dúvida. Temos que fazer eventos não só para portugueses, mas também para aqueles que agora fazem parte da nossa comunidade através do casamento, dos filhos. Precisamos integrar. Por exemplo se alguém casar com uma italiana, o filho ou filha, se calhar, já vai sentir-se mais ligado à cultura dela. E se nós não formos capazes de envolver essas novas gerações, o futuro é incerto.

MS: Em termos práticos, o que deveria mudar?

JM: Menos competição, mais colaboração. Temos casas a mais para tão pouca união. Devíamos concentrar-nos em ter menos espaços, mas mais fortes, com atividades conjuntas. Apostar nos jovens, dar-lhes liberdade para inovar. E aceitar que a comunidade de hoje já não é a mesma de há 30 ou 40 anos.

MS: É possível preservar a cultura portuguesa nesse contexto de mudança?

JM: É, mas exige esforço. Exige visão, coragem e vontade de adaptar. Se os clubes e associações continuarem a fazer o mesmo de sempre, só para os mesmos de sempre, o que vai restar da nossa cultura aqui? Nada. O futuro depende do que fizermos agora.

MB/MS

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