Isto é como carregar num botão para desligar tudo” – Flavio Volpe
Tarifas de 25% no sector automóvel

A indústria automóvel é um dos setores da economia canadiana que será mais afetado quando a administração Trump efetivar a ameaça de impor tarifas comerciais, que estão temporariamente suspensas. A imposição de tarifas de 25% sobre as peças automóveis pode, aliás, ter um impacto devastador no setor, comprometendo a cadeia de fornecimento e a rentabilidade das empresas. Para entender a magnitude desse problema, é importante considerar que as margens de lucro da indústria automóvel são reduzidas, e um aumento nas tarifas poderia transformar o que já é um negócio de baixo lucro numa operação deficitária. A falta de peças essenciais para a fabrico de veículos pode paralisar toda a cadeia de produção, afetando diretamente a economia canadiana e ameaçando cerca de meio milhão de empregos no setor.
Nesta entrevista, Flávio Volpe, presidente da APMA (Automotive Parts Manufacturers’ Association), oferece uma visão detalhada dos impactos dessa situação, explicando como a imposição dessas tarifas não só afetaria o emprego e a produção no Canadá, mas também poderia prejudicar a estabilidade do setor automóvel a nível global. Além disso, Volpe discute as possíveis medidas retaliatórias do governo canadiano, sugerindo que, embora sejam importantes, elas podem não ser suficientes para mitigar os danos que essas tarifas podem causar. Para ele, o futuro do setor automóvel canadiano dependerá não apenas de negociações políticas, mas também de uma reação coordenada entre os países afetados por essa ameaça comercial.
Milénio Stadium: Quais são os maiores desafios enfrentados pelo setor automóvel canadiano devido às tarifas impostas pela administração Trump, entretanto suspensas? Que impacto tudo isto terá na cadeia de fornecimento do setor automóvel no Canadá? Podemos, por exemplo, antecipar dificuldades na aquisição de materiais ou peças necessárias para o fabrico dos veículos?

Flavio Volpe: Penso que a imposição de tarifas foi apenas adiada. Ainda vamos ter de lidar com isso dentro de um mês. No sector automóvel, a margem de lucro é, normalmente, de apenas 10%. E a margem de lucro média das empresas de automóveis e de peças é de 6 ou 7%. Por isso, acrescentar 25% significa que todos estarão a operar com prejuízo. Significa que ninguém embarcará se tiver de pagar essa tarifa. A indústria encerrará, como aconteceu no início da pandemia, em março de 2020. E quando a ponte Ambassador foi bloqueada em fevereiro de 2022. Não se pode fazer um carro sem todas as peças. E se um fornecedor não envia porque não paga 25%, ou se uma empresa automóvel não paga 25%, então tudo pára.
MS: Portanto, isto é ainda pior do que podemos imaginar…
FV: Ele (Trump) pode dizer que vai aplicar taxas de 1.000%, não fará diferença porque ele com a imposição de taxas de 25% já eliminou o lucro de toda a gente. No Canadá, nos EUA e no México. Por isso, sim, é verdade é pior do que pode imaginar. Isto é como carregar num botão para desligar tudo.
MS: De que forma as tarifas afetarão os trabalhadores do setor automóvel no Canadá? Haverá perda de empregos ou mudanças nas condições de trabalho nas fábricas?
FV: Há 125.000 pessoas empregadas diretamente, que fabricam peças no valor de 35 mil milhões de dólares e automóveis no valor de 55 mil milhões de dólares todos os anos, e outras 350 a 400.000 que apoiam essa produção através do fabrico de ferramentas, matérias-primas e logística. São cerca de meio milhão de empregos que estão em risco.
MS: O governo canadiano já anunciou medidas de retaliação. Considera que as medidas anunciadas por Justin Trudeau poderão apoiar o setor automóvel após a imposição das tarifas?
FV: Não creio que essas medidas retaliatórias tenham sido concebidas para apoiar o sector automóvel. Acho que são muito boas para o Canadá. Uma vez que se Trump impusesse tarifas de 25% todos deixaríamos de fabricar automóveis e peças de qualquer forma, aconselhei o primeiro-ministro e disse que será melhor, se houver disponibilidade para possa ajudar, então que o Governo ajude os trabalhadores e outros sectores, enquanto negociamos ou vamos a tribunal para que as tarifas sejam anuladas.
MS: Após a imposição das tarifas, como vê o futuro do setor automóvel canadiano?
FV: Se ele impuser tarifas e elas forem permanentes ou se forem permanentes durante muito tempo, arruinará o sector automóvel canadiano. Mas se fossem permanentes, provavelmente levariam à falência a General Motors, a Ford, a Chrysler e a Dodge, que fazem parte da Stellantis. Prejudicaria toda a gente do sector automóvel nos EUA tanto quanto o canadiano, e é por isso que acredito que, no final, não teremos esta tarifa a longo prazo. Os americanos serão mais afetados do que os canadianos.
MS: Mas o sector automóvel canadiano não pode direcionar para outro país a sua produção?
FV: Sim, mas os EUA também estão a ameaçar a Europa, onde muitas empresas canadianas estão investidas. Estão numa luta comercial com a China, onde também estão investidas as maiores empresas canadianas, e muito provavelmente estarão em luta com o Japão e a Coreia, onde estão as restantes empresas. Trata-se, portanto, de um risco e com uma consequência global do que ele está a fazer.
MS: Podemos esperar um aumento dos preços dos veículos no Canadá e em todo o mundo?
FV: Quando a pandemia chegou e todas as empresas deixaram de fabricar automóveis durante 60 dias, houve uma escassez de automóveis novos e o preço subiu. E depois houve uma escassez de carros usados. E, pela primeira vez na história do sector automóvel, o valor dos carros usados subiu durante dois anos. Por isso, acho que aconteceria a mesma coisa. Especialmente porque deixaríamos de fabricar carros tão rapidamente que os concessionários não conseguiriam obter veículos de outros sítios.
MB/MS
Redes Sociais - Comentários