“Espero que as pessoas sejam benevolentes comigo. Estou a tentar perceber o que se passa à minha volta.”
José Manuel Carneiro Mendes – Cônsul-Geral de Portugal em Toronto
Os desafios de manter unida a comunidade portuguesa e promover a cultura em tempos de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, as ideias e iniciativas que pretende desenvolver frente ao Consulado Português em Toronto para fortalecer a identidade portuguesa no Canadá, estes e outros assuntos foram abordados na conversa que Manuel DaCosta teve esta semana com o Cônsul-Geral de Portugal em Toronto, José Manuel Carneiro Mendes, no programa “Here’s the Thing” (Camões TV). O atual Cônsul assumiu o cargo em agosto deste ano. Com um vasto currículo, Carneiro Mendes antes de chegar ao Canadá ocupou o cargo de Cônsul-Geral em Düsseldorf, na Alemanha, sendo de destacar também a experiência como Encarregado de Negócios na Embaixada de Portugal em Islamabad, no Paquistão.
Manuel DaCosta: Conte-nos um pouco mais sobre quem é, de onde veio e qual a sua trajetória até chegar a este posto em Toronto.
José Manuel Carneiro Mendes: Antes de mais nada agradeço a oportunidade de estar aqui a participar neste programa, já que representa mais uma possibilidade de me dirigir à comunidade portuguesa, me apresentar a todos das províncias da minha área, a minha jurisdição consular que abrange Ontário, Manitoba e Território Nunavut. Eu aqui não me considero apenas um representante do Estado português, a partir do momento que iniciei as minhas funções, em 29 de agosto, considero-me também um servidor desta comunidade e um representante da mesma. Desta gente portuguesa que aqui vive e trabalha e que teve que procurar este país por várias circunstâncias e que tão bem acolhida foi. Na generalidade, podemos dizer que temos aqui uma comunidade de sucesso, como aliás, até podemos ver nos órgãos de comunicação social, que lhe dão visibilidade, como é o caso do seu grupo, ao fim e ao cabo.
Nasci em Lisboa, gosto muito da minha cidade, sou adepto do Sporting Clube de Portugal. Quero destacar que independentemente do clube, eu defendo o movimento associativo, as massas associativas que considero muito importantes, afinal são um pouco da nossa tribo, uma forma de vivermos em sociedade, nos afirmarmos, convivermos. Por isso mesmo todas essas associações, deverão ser, porque desempenham o seu papel, apoiadas e acarinhadas. O meu objetivo é chegar ao movimento associativo, não só aos clubes, mas às associações, centros culturais, missões católicas, a tudo aquilo que seja a expressão também da nossa “portugalidade”, da nossa maneira de estar na sociedade e no mundo.
MDC: Por que lhe dá entusiasmo servir Portugal no estrangeiro?
JMCM: Eu nasci em Portugal, sou português, essa é uma realidade incontornável. É o meu país, e depois tenho a minha carreira, a vida diplomática, que é uma carreira que fundamentalmente se resume à defesa do Estado português nas suas relações bilaterais e multilaterais no mundo. Isso é incontornável. O entusiamo vem também da consciência que tenho do nosso país, da nossa portugalidade. Eu acho que nós temos tanto para dar do ponto de vista cultural, mas temos muitas outras áreas que também podemos afirmar-nos. Nós somos tão ricos que, para mim, só pode ser entusiasmante tentar mostrar aos outros a nossa riqueza. Essa é minha maneira de ser. Sou também apaixonado por História, temos que ter consciência daquilo que somos, de onde viemos, isso também ajuda a saber para onde vamos, e essa consciência dá-nos uma noção do nosso Portugal, cuja riqueza só pode entusiasmar o seu representante a transmiti-la aos outros.
MDC: Esse seu entusiasmo foi visto em Düsseldorf onde, em 2018, o senhor recebeu o prémio de “Homem do Ano”, pelo seu trabalho de representação de Portugal na área e arredores. O que é que esse prémio representou para si?
JMCM: Foi para mim muito gratificante. Uma indicação de que estava no caminho certo. Esse, por acaso, não foi o único prémio – em 2019 o “Portugal Post”, único jornal publicado em língua portuguesa na Alemanha, também me considerou “Personalidade do Ano”. Mas eu não levo esse tipo de distinção apenas para mim, porque se não fosse a comunidade ter correspondido às minhas ideias, e ter-me convidado, eu não seria homem de coisa nenhuma, nem homem, nem personalidade. Portanto, é o reconhecimento do trabalho feito não só por nós, é o reconhecimento de que esse trabalho terá dado frutos, porque a comunidade reagiu e correspondeu à minha maneira de ser, à minha política de proximidade.
MDC: Ser português nem sempre é fácil. Qual acha que será seu maior desafio nessas terras do Canadá? O que espera aqui neste país, no sentido de estar a lidar com uma comunidade nova? Acha que aqui terá experiências semelhantes às que já teve noutras paragens ou terá outros obstáculos?
JMCM: Ser português nem sempre é fácil. Para alguns é mais fácil que para outros, este é o comentário que faço desde já. Sem dúvida que, para nossa comunidade aqui no Canada, terá sido mais difícil do que para a generalidade das pessoas, dos portugueses, porque foram obrigados a sair do seu espaço de conforto, ou desconforto, do seu país de origem, e vieram tentar novas formas de vida, uma vida melhor, noutro país.
Há aquela frase de Fernando Pessoa que diz: “o presente é todo o passado e todo o futuro”, ou seja, somos determinados por aquilo que fomos e fizemos e, ao mesmo tempo, no presente também estamos a determinar o que será nosso dia de amanhã. Eu, hoje, aqui, sou resultado, de facto, de tudo aquilo que fiz antes, de todos sítios onde estive, não apenas em Düsseldorf, Islamabad, mas também servi na Ucrânia, na Bósnia e Herzegovina, imediatamente a seguir à guerra, também servi em Caracas, na Venezuela, onde também havia uma comunidade portuguesa muito forte.
De facto, trabalho consular apenas fiz em Düsseldorf e agora aqui. Já o trabalho diplomático, no sentido bilateral, fiz nos outros postos onde estive colocado. Em todos eles eu aprendi, em todos tive contacto com portugueses. E é verdade aquilo que costumam dizer de haver um português sempre em qualquer sítio, em qualquer local no mundo. Encontrei portugueses na Indonésia, Áustria, Ucrânia…etc.
O que espero sinceramente, e sei que será assim, é que essa experiência acumulada me ajude em cada posto, e a cada dia que passa, a ser melhor profissionalmente.
Por exemplo, em relação a perceber as comunidades, a minha experiência de três anos na Venezuela foi muito importante, porque também tínhamos uma comunidade portuguesa muito forte: 30% continentais e 70% madeirenses. Havia números que apontavam pra cerca de um milhão de portugueses e lusodescendentes e havia centros portugueses fortíssimos. Foi aí o meu primeiro contato com a comunidade, de facto.
E essa minha experiência transportada para hoje, sem dúvida que me vai ajudar muito aqui com a comunidade portuguesa. O que eu espero é que para já as pessoas sejam benevolentes comigo. Estou a aprender, ainda naquela chamada fase “esponja”, a tentar perceber o que se passa à minha volta. E depois se acharem que o meu trabalho, alguns desafios que eu lance, valem a pena, que me sigam, que escutem aquilo que eu diga, tendo a certeza que eu escutarei com muita atenção e interesse o que a comunidade tem para me dizer. Isso vai ajudar-me a ser melhor Cônsul e melhor servir a comunidade.
MDC: O senhor chegou cá, infelizmente, num tempo em que o mundo parou. Fica então mais complicado exercer o trabalho baseado na cultura, como está habituado a fazer. Esta é uma comunidade que promove muitas festas, celebrações, e o senhor chegou num tempo que nada disso está a acontecer e esse facto dificulta a sua integração, porque neste momento esta é uma comunidade “fechada”. Eu sei que é importante, no seu cargo, “vender” a cultura, “vender” Portugal. Como vê o seu trabalho de promoção de uma cultura com uma comunidade lusófona, que está parada e desmoralizada, e que não sente que tudo voltará ao que era?
JMCM: Temos que ser muito inventivos, temos que ser muito criativos, saber reinventar as coisas. É um bocado aquilo que se diz: “Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé”. É muito difícil nesta conjuntura da pandemia promover o que for, mas o nosso trabalho para já é não deixar que as coisas morram, não deixar que as coisas adormeçam. É mantê-las em banho-maria, mas um banho-maria ativo, de forma que quando esta pandemia passar possamos continuar o nosso trabalho conjunto. E isto vai passar, sem dúvida, esta é uma mensagem de esperança e real – se nós todos cumprirmos o nosso papel, se os cientistas e médicos cumprirem o deles também, isto vai passar.
Agora, para já, o nosso papel é importante. Por exemplo, o ensino do português aqui no Canadá. Tenho a felicidade de na minha área consular, das 20 direções escolares que oferecem o ensino do português, 19 estão no Ontário e Manitoba. Temos cinco escolas portuguesas comunitárias, isso com ensino integrado e “after hours”. Agora com a pandemia este setor está a sofrer muito, porque os pais ou não enviam ou enviam menos os filhos à escola. Com isso, perde-se um bocado a visibilidade, a nossa força, o nosso peso de negociação perante as autoridades do Canadá. O meu trabalho é também dar visibilidade, para que o ensino do português não só continue, como cresça, se promova cada vez mais. Antigamente, noutros postos que ocupei, eu convocava reuniões com os professores, com os pais, com associações, tentava motivá-los. Agora faço o contrário. Eu dirijo-me a estas escolas para reconhecer o trabalho dos professores e diretores escolares. Já fui pessoalmente a Kitchener, Cambridge, London, visitar professores, entregar manuais escolares, juntamente com o coordenador do ensino do português. Para dar visibilidade e mostrar às pessoas que este trabalho está a ser feito, para que quando a pandemia acabar, continuemos no pelotão de frente, para continuarmos a promover a nossa portugalidade, aquilo que é nosso. Sempre a pensar o que fazer para manter o nome de Portugal lá em cima. Portugal é uma marca de sucesso, está na moda. Vamos manter-nos assim. Não poderá ser através do turismo, por enquanto, então, vamos suscitar nas pessoas o interesse por Portugal, pela lusofonia, por aquilo que somos.
MDC: Existem críticas na forma como o Consulado de Portugal tem sido gerido em Toronto. Certas queixas na forma como a população é atendida. Sei que o senhor ainda não teve oportunidade de ver e observar tudo que se passa, mas, para além dessa questão de promover a cultura portuguesa, acha que tem apoio suficiente na equipa para também ajudar a curar as fraturas que existem nessa relação direta entre Consulado-comunidade?
JMCM: Acredito que sim, apesar de estar há pouco tempo aqui, já pude perceber que tenho no Consulado uma equipa de excelência, uma excelente retaguarda. Estou convencido que poderei tirar mais deles, se possível, mas também serei todo ouvidos para qualquer conselho que vise promover melhoras. Tenho equipa para, continuadamente, podermos melhorar o atendimento consular.
MDC: Uma das queixas é a falta de continuidade. Por exemplo, como o senhor sabe, o último Cônsul esteve aqui dois anos.
JMCM: A queixa é sempre uma ferramenta para melhorar, se nós ignorarmos as queixas das pessoas, é fazer como a avestruz e meter a cabeça na areia, e nada melhora. Estamos atentos às queixas, e queremos que nos façam chegar sugestões para melhorarmos. Da nossa parte, apesar da pandemia que vivemos, estamos a fazer tudo o que é possível para continuar a servir a comunidade. Temos agora, por exemplo, o “Consulado em Casa” que permite que as pessoas, desde que estejam inscritas no Consulado através do correio, possam resolver muitos dos seus assuntos, sem a necessidade de se deslocar até ao Consulado. Temos alguns constrangimentos, por exemplo, como o agendamento prévio, que tem que ser respeitado, até devido a recomendação das autoridades sanitárias locais. Como Cônsul-Geral dou a minha garantia que tentarei melhorar, sempre que possível. E quanto à continuidade, temos que dar continuidade ao bom trabalho que se faz, e quando o trabalho não é bom temos que romper com ele. Um diplomata não é político, ele apenas coloca em ação, digamos assim, as diretrizes dos políticos do governo. Somos agentes do governo, mas trabalhamos com todos governos, de modo a que se não gostarmos dos governos que estão em funções, só temos uma solução também.
MDC: Em tempos de eleição, o Cônsul e a Embaixada tentam sempre motivar o povo a votar. São poucas as pessoas que votam, talvez pelo ambiente político em que vivemos. É uma das coisas que se deve incentivar, e principalmente também incentivar a comunidade a votar nas eleições do Canadá, porque os portugueses nem sempre votam e isso tira-nos poder. O que pensa disso?
JMCM: Estou em sintonia com esse pensamento. É exatamente o que penso. Aliás, eu tenho sempre defendido que nós portugueses não devemos ter vergonha de nos afirmarmos na sociedade que nos acolheu, não apenas culturalmente, mas também politicamente e civicamente. Devemos sair do nosso espaço de conforto. Costumo repetir aquela expressão do Presidente norte-americano John F. Kennedy “Não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, mas sim aquilo que tu podes fazer pelo teu país”. E vamos extrapolar isso não apenas para o nosso país Portugal, mas também para a nossa sociedade de acolhimento. Nós temos muito a oferecer, mas para isso precisamos de sair do nosso espaço de conforto. Precisamos de ter voz, de nos afirmar, e para isso precisamos de intervir politicamente na sociedade, no nosso meio. Isso significa votar nas eleições canadianas, para que os políticos nos reconheçam a nós e a nossa força. Somos uma das comunidades mais fortes no Canadá e não somos das comunidades que mais representantes têm, embora tenhamos ilustres casos aqui, de pessoas que têm já o seu espaço político e partidário muito bem definido, conquistado e importante, o que é um orgulho para nós. Podemos ter muito mais, mas para isso, precisamos ter voz. Tentem sair do espaço de conforto, eu tento sair todos os dias. Afirmem-se votem, tenham voz, porque assim seremos mais respeitados também.
MDC: Ficam aqui mais uma vez as boas-vindas ao senhor Cônsul e desejo-lhe sucesso na sua trajetória à frente do Consulado. Peço-lhe que deixe um último recado à comunidade portuguesa.
JMCM: Agradeço mais uma vez a oportunidade ao Manuel DaCosta e à Camões TV. E quero saudar a comunidade, dizer que estou aqui por vocês e pedir-vos que participem nessa sociedade que vos acolheu, participem também das iniciativas promovidas por Portugal. Para finalizar, faço um apelo muito especial e particular, relativamente ao ensino do português. Peço aos pais que se envolvam mais, inscrevendo os seus filhos nos cursos de português e participando nas Comissões de Pais. Isso é muito importante, porque mostra o nosso peso nesta sociedade e fará as autoridades canadianas pensarem mais sobre nós e nossa comunidade.
Camões TV/MS
Transcrição: Lizandra Ongaratto
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