Envelhecer e ver envelhecer
Podíamos dar o exemplo do copo meio cheio ou meio vazio, para falarmos do que se sente quando se entra num processo de envelhecimento. Na verdade, se é certo que envelhecer traz uma série de inconvenientes, de coisas desagradáveis ou mesmo tristes, também é certo que a forma como olhamos para nós próprios pode fazer toda a diferença. Eu explico – se nos focarmos nas dores que sentimos, ora aqui, ora ali, se nos concentrarmos na tristeza, no isolamento, estamos a olhar para o envelhecimento como olhamos para o copo e o vemos meio vazio. Mas podemos optar (porque é uma opção que na mente de cada um se pode fazer), por ver que o copo está meio cheio, ou seja, que apesar de tudo o que possamos estar a sentir e a viver, ainda estamos vivos e temos uma história de que nos podemos orgulhar. É sinal de que temos algo valioso que deve ser bem aproveitado, por nós e, principalmente, por quem nos rodeia – a experiência de vida, o saber de experiência feito.
Se para quem tem idade avançada este processo não é nada fácil, também é difícil para quem cuida ou pelo menos assegura os cuidados necessários e vê/acompanha a degradação progressiva dos seus familiares, as pessoas que amam e que gostariam de ver sempre bem. É, aliás, muito difícil, porque à vontade de estar perto, de fazer o melhor possível, tem que juntar a necessidade de continuar a trabalhar, de continuar a ter vida própria, o que não raras vezes se torna um exercício de complicada resolução.
Tulia Ferreira é CEO da Surge Learning, uma empresa que se dedica ao treino de profissionais que têm por missão cuidar de idosos. Especializou-se como enfermeira e há mais de 30 anos que trabalha com cuidados continuados.
Com a sua aprofundada experiência e saber nesta área de atividade, Tulia Ferreira ajuda-nos a perceber melhor como devemos lidar com os nossos mais velhos e, ao mesmo tempo, não nos esquecermos de cuidarmos de nós próprios.
Como membro do Board da Magellan Community Charities, Tulia Ferreira também nos mostra a importância de todos contribuirmos para que este Lar dedicado aos mais idosos da comunidade portuguesa, seja uma realidade.
Milénio Stadium: Com o envelhecimento, verifica-se normalmente um declínio das capacidades físicas e mentais. Que efeito tem a consciência deste facto na saúde mental das pessoas idosas?
Tulia Ferreira: É importante estar consciente de algumas das alterações que ocorrem com o envelhecimento. Pode haver um declínio na capacidade de realizar algumas das atividades da vida diária, como a mobilidade, vestir-se e tomar banho. Além disso, a capacidade de recordar certos acontecimentos ou de lembrar certas palavras (declínio cognitivo) pode tornar-se mais difícil à medida que envelhecemos. É essencial estar consciente de algumas destas alterações que podem estar a ocorrer e tentar minimizar ou atenuar o seu impacto. Pode ser útil modificar o ambiente doméstico para promover a mobilidade, como a reorganização do mobiliário, dispositivos de adaptação como assentos de sanita elevados ou barras de apoio. Trata-se de medidas simples que promovem a mobilidade e a independência e melhoram a qualidade de vida dos idosos.
Do ponto de vista da saúde mental, é importante manter-se ativo e envolver-se com outras pessoas, como familiares, amigos e programas disponíveis na comunidade. Há uma série de programas diurnos que oferecem uma variedade de atividades diferentes. Aprender um novo passatempo ou uma nova atividade é ótimo e estimula o funcionamento do cérebro. Os adultos mais velhos que encaram o processo de envelhecimento como parte da jornada da vida desfrutam de uma melhor qualidade de vida e continuam a viver vidas significativas.
O envelhecimento não é uma doença; é um processo normal que acontece à medida que os anos passam e o facto de estarmos conscientes das mudanças que ocorrem prepara o adulto mais velho para lidar com essas mudanças de uma forma mais positiva. É importante continuar a envolver-se com os adultos mais velhos como indivíduos com experiências e pontos fortes únicos e vê-los pelo que são e não pela sua aparência física.
MS: Como podemos apoiar as pessoas idosas quando elas têm relutância em aceitar o facto de que já não podem fazer certas coisas?
TF: O envelhecimento afeta os idosos de diferentes formas. Muitos idosos permanecem ativos e continuam o seu percurso de vida com pequenas alterações físicas e cognitivas. No entanto, há idosos que sofrem alterações físicas e cognitivas moderadas a importantes à medida que envelhecem. Muitos idosos escondem o seu declínio físico e cognitivo porque têm medo de serem tratados de forma diferente pelos seus entes queridos. Podem ter relutância em reconhecer que estão a perder a independência e a capacidade de realizar tarefas que costumavam ser muito simples, como preparar uma refeição ou fazer a cama. Existe um estigma associado ao envelhecimento e muitos não querem ser chamados de velhos, frágeis e algumas das generalizações que fazemos quando nos dirigimos aos adultos mais velhos.
Muitos idosos receiam que os cuidados domiciliários constituam uma violação da sua privacidade ou alterem as suas rotinas diárias. Envelhecer pode ser assustador, esmagador e assustador, e muitos adultos mais velhos respondem com a sua própria força e exercem controlo sobre o que podem – quer se trate dos seus suplementos de venda livre ou do que comem ao pequeno-almoço.
Depois de uma vida inteira a cuidar dos outros, é incrivelmente difícil admitir que se pode precisar de ajuda da família e/ou amigos, ou de ajuda formal de instituições comunitárias, ou de cuidados prolongados. Também se preocupam com o facto de serem um fardo para o seu parceiro ou para os seus filhos.
Um grande estudo da Alzheimer’s Society indica que 70% dos idosos se preocupam com o facto de serem um fardo para a sua família. O mesmo estudo sublinha também que a maioria aceita a ajuda dos seus entes queridos e quer facilitar-lhes a vida o mais possível e não ser uma fonte de preocupações.
Enquanto prestador de cuidados ou membro da família, é realmente importante reconhecer o declínio de uma forma solidária e carinhosa, sem fazer com que a pessoa se sinta inútil ou descartável. Compreender as rotinas diárias do idoso e apoiá-lo, por exemplo, ajudando-o na preparação das refeições, modificando o ambiente para promover a independência e a mobilidade. Envolvê-lo em atividades e eventos familiares são alguns exemplos de apoio à pessoa idosa sem que esta se sinta um fardo. É importante dar-lhes um sentido de objetivo e encorajá-los a participar em atividades que lhes sejam úteis e agradáveis.
MS: A solidão é uma das principais causas de depressão nos idosos. Como podem eles ser aconselhados a ultrapassá-la e a viver com o facto de os seus filhos e netos terem dificuldade em acompanhá-los no dia a dia?
TF: À medida que envelhecemos, começamos a perder as pessoas que amamos e que nos são próximas, como a cara-metade, os irmãos, os familiares e os amigos. O círculo de apoio diminui e, como tal, o isolamento instala-se para muitos adultos mais velhos que vivem sozinhos. O isolamento e o retraimento podem levar à depressão e, subsequentemente, à perda de apetite e à perda de interesse pela aparência. Sim, podem ter filhos e netos que telefonam e visitam regularmente. Não podem ser a sua única fonte de apoio.
Os adultos mais velhos precisam de procurar atividades fora de casa de que gostem, como juntar-se a um grupo de caminhada, um clube, ioga, grupos da igreja e outras atividades de que tenham gostado no passado e que tenham deixado de fazer devido ao isolamento. O primeiro passo é reconhecer o isolamento e a depressão. Por vezes, o idoso pode precisar do apoio e do incentivo de um ente querido para procurar apoio profissional para o ajudar a ultrapassar esta fase difícil. Não existe um conselho específico que se possa dar, uma vez que cada situação é única e cada pessoa reage de forma diferente ao isolamento. O essencial é estar presente e apoiar a pessoa sempre que necessário, permitindo-lhe tomar decisões de acordo com as suas capacidades.
MS: Como podem os prestadores de cuidados a familiares idosos proteger a sua própria saúde mental?
TF: Cuidar de um idoso que necessita de cuidados pode ser muito gratificante para o prestador de cuidados, mas também pode ser stressante, especialmente se se tratar de um ente querido. É fundamental permitir que o idoso tome decisões sobre os seus cuidados e apoiar essas decisões. O envolvimento com o idoso a um nível pessoal e significativo pode tornar a experiência mais gratificante e menos exigente. Dito isto, é importante reconhecer que os prestadores de cuidados precisam de alívio ou de tempo longe dos cuidados prestados aos seus entes queridos. O alívio do prestador de cuidados é fundamental e existem várias formas de o conseguir. As instituições de cuidados ao domicílio podem disponibilizar pessoal de apoio e as camas de descanso também podem ser utilizadas para este fim. Mais uma vez, cada pessoa é diferente e os prestadores de cuidados têm de reconhecer que cuidar de si próprios lhes dá a energia e as ferramentas necessárias para poderem continuar a cuidar dos seus entes queridos. Também é importante reconhecer que pode chegar uma altura em que o prestador de cuidados já não pode cuidar do adulto idoso e que é necessário tomar decisões diferentes para apoiar o adulto idoso em ambientes mais supervisionados.
MS: Ficar em casa ou ir para uma instituição é sempre uma decisão difícil de tomar, mas o que é melhor do ponto de vista da saúde mental da pessoa idosa?
TF: Esta é uma pergunta muito difícil de responder. Cada pessoa é única e requer uma avaliação aprofundada para determinar o que é melhor para a situação. É fundamental envolver a pessoa idosa neste processo e ouvir realmente os seus desejos e necessidades. Se existirem fortes apoios, o idoso poderá continuar a viver na sua casa com o apoio da família, dos amigos e das agências comunitárias que poderão oferecer os serviços necessários. Se for tomada a decisão de que os cuidados de longa duração podem ser a melhor opção, é fundamental que o idoso tenha tempo para compreender e processar o que está a acontecer. Oferecer tempo e apoio durante esta fase difícil pode aliviar alguns dos receios do que lhes poderá acontecer quando forem colocados num lar de longa duração.
MS: A comunidade portuguesa está finalmente a construir o Magellan, um centro de cuidados continuados culturalmente dedicado. Que importância poderá ter esta instituição para os idosos da comunidade portuguesa?
TF: Este é um marco importante para a comunidade portuguesa. É um sonho tornado realidade. Digo isto porque já cuidei de muitos idosos portugueses em vários lares de longa duração e testemunhei os sorrisos quando alguém falava com eles em português, ou quando a família trazia uma comida portuguesa familiar, como bolos de bacalhau ou pastéis de nata. No Magellan Centre, teremos pessoal que poderá falar em português com os idosos que chamarão ao Centro a sua casa. Ofereceremos alimentos que são portugueses e cozinhados à maneira portuguesa. Respeitaremos as suas tradições e cultura e honraremos as contribuições que deram à comunidade. Queremos promover um sentido de comunidade e envolveremos a comunidade em geral para participar na honra das tradições e eventos especiais.
Estamos a adotar um modelo de cuidados que se centrará menos nas tarefas e mais em cada pessoa, realçando os seus interesses, pontos fortes e quem são como indivíduos. Queremos envolver cada pessoa de uma forma significativa e objetiva para que possamos apoiar o seu percurso de vida. Queremos que o Magellan Community Center seja a sua casa.
Os fundadores da Magellan Community Charities têm trabalhado durante anos para que isto aconteça e, finalmente, estamos em condições de o concretizar.
MS: Como pode a comunidade participar ativamente na “construção” deste lar de idosos? Sei que estão a ser preparados alguns eventos importantes de angariação de fundos, pode falar-nos sobre eles?
TF: Somos uma organização sem fins lucrativos e temos tido muita sorte em contar com o apoio político e financeiro dos níveis municipal e provincial do governo. O Ministério da Saúde dos Cuidados de Longa Duração atribuiu 256 lugares à comunidade portuguesa e irá financiar parte da construção através de um fundo de subsídio à construção. A cidade também está a financiar algumas das 57 unidades de habitação a preços acessíveis.
Contactámos a comunidade portuguesa e conseguimos angariar, até à data, cerca de 8 milhões de dólares. O nosso objetivo é angariar mais 7 milhões nos próximos dois anos. Estamos a planear uma série de eventos para este outono. Vamos organizar um torneio de golfe em setembro, uma maratona televisiva em outubro e um jantar de gala em novembro. Pedimos-lhe que apoie estes eventos, ou que contribua da forma que puder, fazendo um donativo à Magellan Community Foundation. Isto pode ser feito através do nosso sítio Web (https://magellancommunityfoundation.com).
Queremos que cada um de vós se lembre que são necessárias centenas de milhares de tijolos para construir o Magellan Community Centre e as unidades de habitação a preços acessíveis. Coletivamente, como comunidade, podemos fazer com que isto aconteça. Ajude-nos a tornar este sonho uma realidade.
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