Envelhecer é inevitável. Tornar-se velho… é uma escolha
Procuram no First Portuguese o que não têm em casa – alguém para conversar, sentirem-se acompanhados, durante o dia. Tomam o pequeno-almoço e almoçam juntos, ouvem música, jogam o bingo e tentam que o tempo passe, mas que vá deixando sorrisos e momentos de boa disposição. As dores que sentem, sendo de cada um, são, em muitos pontos, comuns a todos. As histórias de vida marcam-lhes o presente e do futuro apenas esperam saúde, carinho e atenção. Foi um prazer enorme conversar com eles e aprender, por exemplo, que pelo menos a solidão pode e deve ser contornada. Afinal, como está escrito na capa do nosso jornal desta semana – Envelhecer é inevitável. Tornar-se velho… é uma escolha.
MB/MS
Maria Albertina, 81 anos
Quando é que a senhora começou a sentir que estava a envelhecer?
Talvez a partir dos 70 anos. Talvez a partir dessa idade, porque eu até essa idade, mais ou menos, ainda ia limpar apartamentos e já estava reformada, portanto, eu praticamente parei há cerca de cinco anos.
Quando começou a pandemia em 2019 2020, o meu falecido marido, que faleceu fez em março três anos, não podia ficar em casa sozinho. E então a minha filha veio para a beira do pai, porque ela faz catering e não só isso, e fechou tudo nessa altura. E eu ainda ia trabalhar – uma semana, três dias, quatro dias.
Eu penso que foi a partir daí que eu comecei a dizer, até muita vez, “a primavera vai e volta, mas a mocidade vai e não volta mais”.
O que é que sente de diferente?
Sinto a falta do meu marido? Também foram muitos anos que eu estive casada. No ano de 2021 fiz 60 anos de casada e ele já tinha falecido. Porque eu também, quando casei, já tinha a primeira filha com três meses, que é a que está em Portugal. Tem 63 anos também, quer dizer, casei muito nova. Enfim, e sinto um bocadito a falta dele, não é? Apesar que ele era muito mau, ele batia-me e insultava-me muito.
E mesmo assim sente falta dele?
Porque também tive momentos bons, sou franca. Claro que tive. Mas a maior parte deles também sofri bastante, a sério. Eu sofri bastante porque ele era aquele tipo de homem – eu quero, posso e mando. E eu era, com licença, uma porcaria. E eu sempre trabalhei, tanto em Portugal como aqui. Cheguei aqui e comecei logo a trabalhar. E comprámos um apartamento. Moro ali há 12 anos. Mas pronto, lá está, sempre sozinha. Eu venho cá para baixo. Tenho lá amigas do prédio e venho até cá abaixo, à beira delas e blá, blá blá.
Vejo a televisão em casa, ponho música e também gosto de vir para aqui, porque eu nunca andei nestas casas. Nunca. A minha filha, após o pai falecer, é que me veio inscrever no First Portuguese porque ela já conhecia, estava um bocadinho dentro. Eu gosto de vir porque me ajuda a passar o tempo. Porque convivo com as pessoas. Ouço muito. Tenho ouvido histórias de vida incríveis, também, que eu nunca na minha vida imaginei.
O que eu tenho ouvido… toda a gente tem a sua história de vida, não tenha a menor dúvida, de uma maneira ou de outra. E gosto de vir porque ajuda-me a passar o tempo. Faço bingo, ouço música, faço aquele livro de palavras que também puxa bem pela memória.
Enfim, essa coisa toda. Ainda ontem fui ao banco pagar uma bill, se preciso de dinheiro, levanto e essa coisinha toda. Enfim, até ver, graças a Deus.
Eu também só peço a Deus que me dê sempre, que me ajude e que me dê sempre boa memória, porque isto faz muita falta, muita falta mesmo para uma pessoa saber o que faz ou o que diz, para onde vai, para onde não vai.
Se um dia essa sua filha ou um dos outros filhos lhe dissesse assim “Mãe, já não tem capacidade para fazer isto ou aquilo”, como vai ser? A senhora vai aceitar isso?
Por muito que me custe, tenho que aceitar ou ir para um lar ou ir morar com ela, para a casa dela. Ou não? Não sei. Acho que tenho que aceitar, não é? Só Deus sabe.
Ricardo Cabral, 75 anos
Quando é que o senhor notou que havia algo diferente em si e pensou “estou a envelhecer”. Em que altura da sua vida é que isso aconteceu?
Lembro-me sempre de os meus velhos, de antigamente, dizerem: dez, 20, 30 é sempre a subir.
Nos 30, 40, começa a descer de 40 ou 50, o dobro é maior. Eles estavam certos, hoje vejo a diferença.
O Sr. Ricardo sente então que está a descer, mas a nível físico, porque de cabeça…
A cabeça está bem, mas nos últimos quatro anos eu tenho sofrido muito porque morreu o meu filho com 36 anos.
A minha esposa, ao fim de dois anos, morreu com 69. É a vida…
Esse sofrimento por que está a passar ainda e que nunca vai acabar, está a puxá-lo mais para baixo. É isso?
Já se sabe que não leva para cima. Mas pronto, temos de pensar que a vida é assim mesmo.
O meu pai morreu com 49, o meu irmão mais velho com 65, minha mãe com 60.
O meu irmão mais velho que eu morreu com 59 e o irmão abaixo de mim morreu com 63 e o meu irmão que morreu em Scarborough, tinha 65…
Portanto, o senhor já viu morrer muita gente que lhe era querida, não é isso? Isso dói muito e perturba…
E nunca se esquece.
Mas Sr. Ricardo, para além da desse sofrimento da alma, fisicamente pode dizer-me quando é que disse a si próprio – “Ah! Bom, agora estou a ficar velho para determinadas coisas.”?
Eu trabalhei 40 anos na construção. E naquele tempo, era tudo às costas, de qualquer maneira, subia e descia.
E, claro, os joelhos, a anca e depois isto e aquilo… pronto, mas lá vou andando. Sabe há uma quadra que diz:
“Mocidade, tempo santo, para mim foi um encanto, que passou em tom de corrida.
Para sempre. Porque tudo passa.
Agora bebemos da taça,
o fel amargo da vida.”
E está certo, é a velhice.
O que é que faz para contrariar o facto de estar a ficar velho?
Sabe a minha família era pequena. O meu filho morreu, depois a minha esposa, e eu fiquei com uma filha e uma neta.
E eu venho para aqui. A gente conversa, a gente faz amigos em vez de estar em casa sozinho, porque a minha filha é professora, agora está em casa, mas quando começar a escola tem que sair e eu venho para aqui para me distrair.
Alguma vez a sua filha lhe disse assim “Pai, o Sr. já não está em condições de conduzir ou de fazer isto, ou fazer aqueloutro”?
Já há anos que não conduzo.
O doutor disse-me que tinha que parar de conduzir, porque uma vez fui a casa da minha filha, e quando voltei para minha casa, no caminho, eu fiquei sem saber onde estava.
Consegui chegar a casa, entrei para a garagem, parei o carro e comecei a chorar.
Depois do médico dizer que eu tinha que parar, nunca mais conduzi.
Maria Luísa Olveira, 86 anos
Quando é que a senhora começou a sentir que, de facto, a idade já estava a começar a pesar?
Olhe, não na minha memória, não na minha capacidade de fazer a minha vida, de ter as minhas coisas certas.
Mas o problema é que a gente não sabe o inglês e quando precisa de um médico, precisa de alguém que vá, uma filha ou alguém, que nos ajude. É o que sinto. Tenho tido problemas de saúde. Já fiz a operação ao coração e enfim, o que me queixo agora, nesta minha idade, é das pernas que às vezes não querem andar.
Mas a D. Maria Luísa contraria essa situação, quer dizer, faz por ultrapassar essas limitações?
Sim, sim, porque na minha idade ainda costuro. Ainda faço croché e ainda faço trabalhos.
Venho para aqui com a minha cabecinha certa, faço as minhas contas, vou ao banco… portanto, na minha idade, já com 86 anos, só as pernas é que não me ajudam. Mas do resto… sabe a família já está muito fora de mim. Os filhos já estão longe e quando é preciso de alguma coisa, tenho que os incomodar. E é isso.
Porque é que decidiu passar a vir para o First Portuguese?
Porque quando eu fiquei viúva, sentava-me no basement a olhar só para as fotografias, eu estava sozinha na altura, e era só estar ali, pasmada a olhar e com a dor da perda. E vim para aqui. Eu estou aqui há 13 anos, fiz amizades, tenho amigas e tudo isso.
Isto é um ânimo para si?
Quer dizer, é uma saída, estar aqui é obrigar-me a sair de casa. Porque quando a gente está em casa, quando não sai, às vezes não apetece fazer nada.
Assim, a gente arranja-se, a gente veste-se, a gente ainda tem aquela coisa de fazer algum, trabalho, como seja, às vezes, uma jovem quer fazer qualquer coisa com um retalho, enfim.
Há quantos anos está no Canadá?
Há 35 anos, vim para aqui já tinha 50 e tal.
Foi difícil a adaptação?
Não, porque vim trabalhar para uma fábrica que a supervisora era italiana e era casada com um português.
Entendíamo-nos muito bem e eu já trabalhava de costura. Foi fácil adaptar-me porque a minha filha estava comigo.
Não foi difícil, não. Trabalhei sete anos, até que o meu marido adoeceu e vim para casa, porque ele caía. Vendi a minha casa lá em São Miguel e comprei esta minha aqui.
E por aqui vai ficar…
A gente nunca sabe o dia de amanhã. Gostava de me refugiar, sabes? Porque tenho uma irmã freira no Porto, e se elas me aceitassem na velhice, e pudesse ficar lá até à minha ida deste mundo, eu gostaria, porque este mundo, para mim, já não vale nada. Já não me diz nada.
Imagine um filho ou uma filha dizerem-lhe assim: “Mãe, a Sra. já não pode fazer isto ou aquilo. Vai aceitar bem?
Aceito bem, porque tenho uma irmã que está em São Miguel, está num Lar e ela está melhor, do que estaria se estivesse em casa. Está bem cuidada, tem medicação à hora certa.
Toda a família vai lá visitá-la, está num lar lindíssimo, fresco, lindo. E eu sinto que a gente convive. É melhor que estar em casa sozinho.
A minha irmã caía muita vez, muita vez o filho foi lá levantá-la. E assim ela está sempre acompanhada. Eu também não sei o meu futuro.
O que é que lhe dói mais, D. Maria Luísa? A parte física ou a alma?
Eu penso que as duas coisas.
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