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“Emoções são a quintessência humana” – Tiago Souza

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Theodore Twombly é um escritor que vive uma vida solitária – de tal forma que, mergulhando na complexidade e desenvolvimento das tecnologias atuais, acaba por criar uma relação de amor… com o novo sistema operacional do seu computador. Samantha é uma assistente virtual baseada em inteligência artificial super sofisticada para agradar Theodore – e consegue-o.

Esta é a história do filme “Her”, dirigido por Spike Jonze. Se já em 2013, ano do seu lançamento, “Her” deixou espaço a muitas interpretações – e sobretudo questões – parece que o período pós-pandemia veio dar nova força ao debate não só sobre a variedade e extensão das transformações que as tecnologias exercem nas nossas vidas e da dependência que temos das mesmas, como também da solidão e frustrações sentidas em tempos de hiperconectividade – afinal, apesar de conseguirmos comunicar com quem quisermos, no momento em que desejarmos, tal parece ser insuficiente. E esse é um dos riscos apontados pelo psicoterapeuta Tiago Souza nesta cada vez maior relação entre Homem e máquina – o de nos perdermos “na ilusão de conexões reais, oferecidas por máquinas que não tem conexão emocional real connosco”.

A inteligência artificial (IA) emocional é uma realidade que se tem vindo a fazer mais e mais presente no nosso dia a dia. Mas esta nova e evoluída forma de IA – que inclui tecnologias como a análise de emoções com base na voz e deteção e interpretação de expressões faciais – possui, como tudo, as suas limitações. E é importante que assim seja, já que como nos explica Tiago Souza é “perigoso e nocivo” sequer permitir que esta se apodere e controle a nossa vida e a forma como nos sentimos.

Na entrevista que concedeu ao jornal Milénio Stadium, o psicoterapeuta aborda ainda outras importantes questões acerca do que já sabemos sobre a IA emocional, os desafios e os limites da mesma.

tiago souza - milenio stadiumMilénio Stadium: A inteligência artificial emocional é um conceito que tem vindo, cada vez mais, a ganhar relevância em vários setores de atividade, e que acabam por ter influência no nosso dia a dia. Consegue perceber e explicar-nos a importância de tal facto?
Tiago Souza: A inteligência artificial já é parte das nossas vidas. Grande parte de nossas tarefas ligadas a tecnologia são efetuadas por computadores altamente sofisticados, o que chamamos IA (inteligência artificial). Hoje em dia, qualquer pesquisa na internet, ou mesmo trabalhos de escola são feitos com o auxílio dessa ferramenta. Estamos francamente numa era onde a tecnologia está em tudo, do dirigir ao dormir.
No entanto, ultimamente há um interesse na simulação do entendimento das emoções, ou empatia, por parte das tecnologias. Isso se dá pela análise de expressões não-verbais, tom de voz e outras formas de se comunicar, que denotam emoção nas nossas ações. Esse processo começou com o interesse de empresas em nos aproximar de produtos, com o objetivo de usar nossas emoções no marketing.

MS: Fala-se de uma “relação natural” entre máquinas ou dispositivos que utilizam esta IA emocional e as pessoas que recorrem aos mesmos – será mesmo assim? Caminhamos para uma relação entre Homem e máquina quase impercetível? Ou a IA emocional e a empatia ainda são conceitos muito diferentes?
TS: São conceitos extremamente diferentes, embora usem-se mecanismos semelhantes para se entender as emoções. Empatia, ou a habilidade de sentir o que o outro sente, é intrinsecamente humana. E o humano é muito mais que apenas circuitos neuronais e transmissão de eletricidade pelos neurônios. Esse é o processo mecânico de envio de sinais, mas não representa a essência dos nossos sentimentos, do sentido que damos a nossas experiências, e não tem relação com nossa história pessoal.
Por mais que queiramos considerar as máquinas como semelhantes, elas ainda são produtos da nossa engenhosidade, mas mecanicamente treinados para entender certas expressões. E essa distinção é muito importante, para que não nos enganemos sobre como a IA emocional pode ou não nos auxiliar em diversas áreas da nossa vida.

MS: Uma outra grande questão apontada ao crescente uso da IA emocional é o preconceito – investigadores chegaram à conclusão que a tecnologia de análise emocional tem tendência a atribuir mais emoções negativas a pessoas de certas etnias do que a outras. Qual a sua opinião sobre esta – e outras – limitações?
TS: Como é uma criação humana, e alimentada com dados advindos de interações com pessoas, a IA emocional vai registrar, replicar e reproduzir muitas das tendências humanas. Há alguns anos, um experimento nos mostrou isso: as interações com um perfil de IA na internet levou a comportamentos e verbalizações de ódio, misoginia, preconceito, discriminação e violência. O experimento foi abolido por conta de nós humanos. Nós somos os maiores inimigos de nossa evolução e adiantamento tecnológico, social e relacional. Porque somos complexos, mais do que qualquer computador. Somos imprevisíveis, possessivos com as coisas mais estranhas, e temos a capacidade de destruir para nos sobressairmos em relação a outros. Por isso há perigos em relação a inteligência artificial – ela imitará a nós, pessoas boas e ruins.

MS: Um estudo realizado em 2019 pela Ericsson concluiu que 60% dos utilizadores de assistentes virtuais acreditam que os dispositivos que têm a capacidade de perceber o nosso humor serão predominantes nos próximos anos – concorda? E quais as consequências – positivas e negativas – de tal poder, de facto, vir a acontecer?
TS: Eu concordo em parte, pois os dispositivos perceberão as expressões comumente associadas ao humor – não o humor em si. O humor é expressão dos nossos “espíritos”, ou seja, da nossa essência interior. Somos mais do que expressão.
Como humanos nós projetamos em tudo nossos desejos e frustrações. Nada diferente com relação a um assistente digital. Temos a curiosidade de perguntar a esses dispositivos como Google e Siri, sobre sentimentos, se nos amam e pedimos conselhos e que nos contem histórias.
E quais os riscos? Nos perdermos na ilusão de conexões reais, oferecidas por máquinas que não tem conexão emocional real conosco. E isso pode trazer níveis extremos de frustração quando não nos correspondem os desejos e sonhos – o que já acontece. Lembremo-nos do filme “Her” que retrata a relação de um homem com seu assistente digital…

MS: Considera importante, contudo, que se estabeleçam limites claros à tecnologia? Sobretudo quando se “mistura” inteligência artificial e saúde mental?
TS: Sim! Sempre haverá um limite de alcance dessas tecnologias, como há um limite para tudo. Querer que a tecnologia nos auxilie é nobre, mas querer que substitua os recursos para nos auxiliar na qualidade de vida emocional é perigoso e nocivo. A relação interpessoal nunca será substituída pela relação com a inteligência artificial. Lembremos que o “emocional” nessa equação é primordialmente uma estratégia de venda de um produto, para nos aproximar desses dispositivos. Mas que não nos iludamos: emoções são a quintessência humana.

Inês Barbosa/MS

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