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MENTALIDADES - milenio stadium

 

É sabido que o meio escolar é aquele que, em grande parte (e se nos for dada essa oportunidade) nos molda enquanto ser humanos. É nos corredores das escolas que a vida dos estudantes acontece, no seu mais puro desenvolvimento social, e é também aí que esses jovens se devem sentir seguros e confiantes para serem exatamente aquilo que desejam ser. É para isso muito importante que, desde cedo, tenham contacto com um currículo escolar inclusivo e com aulas educacionais sobre temas que – por tanto tempo – foram, e ainda são em muitos lugares, tabu.

A Educação Sexual é crucial para uma vida saudável – tanto física como mentalmente. E a verdade é que se os assuntos abordados nessas aulas se tornarem tão normais quanto falar de história ou filosofia, talvez o caminho para uma sociedade isenta de discriminação seja mais fácil. O que é “normal” deixa de ser julgado como um “problema”. Quem sabe assim, com eventuais dúvidas esclarecidas desde cedo, por pessoas especialistas na área, num ambiente inclusivo, se construam indivíduos mais nutridos pela “vitamina da aceitação”, de preferência subconscientemente.

Há quem defenda que muita informação acaba por “baralhar” a cabeça das crianças – uma questão que, pelo menos até então, ninguém sabe de verdade se acontece. Talvez seja mais positivo acreditar que viver na liberdade de se ter a possibilidade de ser o que se quer nos trará uma sociedade com menos adultos frustrados por viverem a tentar contrariar o que sentem.

Nesta edição do jornal Milénio Stadium fomos à procura da opinião de alguém com os pés no terreno – Kristen Gilbert, professora de Educação Sexual em British Colombia.

kristen2 - milenio stadiumMilénio Stadium: Acredita que a Educação Sexual deve fazer parte do currículo de todas as escolas? Porquê?
Kristen Gilbert: Sim, claro! Isso faz parte do nosso direito fundamental à educação. A Educação Sexual é uma parte padrão do currículo em todas as partes da província, e os pais são esmagadoramente a favor disso. No mais recente Inquérito Nacional aos Pais (2020)*, os pais com filhos no ensino básico ou secundário eram a favor de uma educação sexual abrangente nas escolas, e os próprios estudantes também querem esta educação – de facto, eles querem mais!

MS: Segundo os resultados publicados pelo Statistics Canada no fim de abril deste ano, 1 em cada 300 canadianos acima dos 15 anos assume-se como transgénero ou não binário. Qual é o papel de um professor de Educação Sexual no processo de identificação de género de um aluno?
KG: Cada pessoa é “expert” em quem é. É uma parte normal do desenvolvimento humano questionar e explorar quem somos, incluindo o nosso género. O papel de um educador sexual é oferecer uma série de informações para apoiar os estudantes no seu desenvolvimento, e ligá-los (e aos seus familiares) aos recursos quando deles necessitam. Penso também que o meu trabalho é manter a segurança na minha sala de aula para todos os estudantes.

MS: Que temas são abordados nas suas aulas?
KG: Cada ano escolar tem uma lista diferente de tópicos, e o currículo é definido pelo Ministério da Educação. Dou aulas em BC, pelo que os alunos aqui aprendem sobre os nomes das suas partes do corpo no jardim de infância, bem como sobre segurança e tipos de toque. Os alunos aprendem que são donos do seu corpo! Também aprendem sobre todos os diferentes tipos de famílias nas nossas comunidades. Aqui em BC, no quarto ano de escolaridade começamos a ensinar sobre a puberdade e c a falar sobre a reprodução no sexto e sétimo ano. Do oitavo ano ao décimo segundo falamos principalmente sobre a tomada de decisões sexuais saudáveis e asseguramos que os estudantes têm acesso a informação, e recursos. Em todos os anos, ensinamos sobre autonomia corporal, relações saudáveis e sobre os nossos direitos.

MS: Existem perguntas que são agora mais frequentes entre os alunos, do que, por exemplo, há 10 anos? Quais?
KG: Todos os anos descubro que os estudantes estão a beneficiar de conversas seguras sobre sexualidade. Devido a isto, recebo dos estudantes perguntas muito ponderadas e ricas. Há mais de 10 anos atrás, as perguntas refletiam mais medo e ignorância. Ainda recebo algumas perguntas muito básicas dos estudantes, mas muitas refletem um crescente conforto e confiança ao falar sobre sexualidade. Quando as pessoas sentem menos vergonha ao falar de sexo, são capazes de fazer perguntas e recolher informações, depois fazem as escolhas que funcionam melhor para cada um. Sabia que hoje em dia os estudantes esperam mais tempo para ter sexo com um parceiro pela primeira vez? É um equívoco comum que “as crianças hoje em dia” fazem sexo mais cedo do que os seus pais, mas a verdade é que a educação sexual abrangente ajuda os estudantes a determinar melhor quando se sentem prontos para as relações sexuais.

MS: Existe algum processo de acompanhamento por parte das escolas e professores quando um aluno percebe que se considera transgénero, não binário ou gay, tendo em conta que possivelmente enfrentarão algum tipo de discriminação no meio escolar ou social?
KG: Cada direção escolar deve ter uma política de apoio aos alunos que assumem a sua sexualidade ou processo de transição. É claro que as escolas têm a responsabilidade estatutária de assegurar que as suas escolas estão a salvo da violência e discriminação, pelo que as políticas que apoiam o direito de cada aluno a expressar a sua identidade são cruciais. Existem estudos feitos pela SARAVYC, aqui na Colômbia Britânica, que mostraram que quando as escolas têm políticas e iniciativas concebidas para manter os alunos LGBTQ+ seguros, toda a comunidade escolar beneficia. Todos os estudantes podem prosperar quando os estudantes mais vulneráveis são protegidos.

MS: Nos Census apresentados agora pela Statistics Canada, há também uma clara evolução percentual no que diz respeito à identificação de género enquanto transgénero ou não binário. A geração Z (aqueles nascidos entre 1997 e 2005) destacam-se em relação a todas as gerações anteriores, com 0.79% a dizer-se transgénero ou não binário, principalmente em relação aos baby boomers (1947-65), com apenas 0.15% desses casos. Haverá agora mais liberdade e espaço para se ser o que se quer ou qual é o fator que traçará esta diferença entre gerações?
KG: Tem havido definitivamente uma mudança na forma como pensamos, na forma como falamos de questões relacionadas com identidade de género e expressão de género. Os baby boomers cresceram num mundo em que pensávamos no género como sendo binário. Havia duas escolhas: menino ou menina. O seu género foi-lhe atribuído quando nasceu, e sofreu se o questionou ou tentou quebrar as regras. Com o tempo, a nossa linguagem e compreensão sobre o género enriqueceu, e continuará a evoluir. Agora também temos leis que protegem o direito das pessoas à sua identidade e expressão de género. A verdade é que a juventude do século XXI tem frequentemente uma compreensão muito profunda e rica do género e da expressão do género. Aqueles de nós que são mais velhos só podem beneficiar da escuta e da aprendizagem.

Catarina Balça/MS

*SIECCAN. (2020). Inquérito Nacional aos Pais: Opiniões dos pais canadianos sobre educação em saúde sexual nas escolas. Toronto, ON: Conselho de Informação e Educação Sexual do Canadá (SIECCAN).

 

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