É realmente o povo quem mais ordena?

Depois de Portugal ter vivido um período de grande suspense e especulação com as eleições legislativas de 2022, o resultado surpreendeu todos e, ao mesmo tempo, não surpreendeu ninguém. Ao contrário das sondagens apresentadas, António Costa não precisou de disputar o pódio e 41.6% dos votos garantiram-lhe uma maioria absoluta com o domínio de 117 assentos na Assembleia da República.
Por outro lado, os partidos de esquerda que fizeram parte da Geringonça, dirigida por Costa, viram a sua popularidade cair a pique. Já à direita, o CDS viu-se pela primeira vez, desde a sua fundação em 1974, sem expressão na Assembleia. E ao PS nem o Zé Albino lhes valeu para conquistar o público, adquirindo apenas 71 assentos e, portanto, não cumprindo o objetivo de Rui Rio.
Já partidos criados recentemente como o Chega e Iniciativa Liberal conquistaram o terceiro (12 assentos) e o quarto (8 assentos) lugar, respetivamente. O resultado destas eleições representa também a primeira vez que um partido de extrema-direita marca presença na Assembleia, desde o fim da ditadura de 1974. Este talvez seja o dado mais inesperado do passado domingo.
Já desvendados os resultados eleitorais, foi trazida à atenção do público um outro dilema – o sistema eleitoral português, constituído por 22 círculos eleitorais onde é aplicado o método de Hondt.
Será que o teu voto elege alguém?
Existem vários motivos válidos para optar pelo método de Hondt, tanto que este é o mais utilizado do mundo. Os principais motivos para a sua utilização baseiam-se na sua capacidade de garantir uma boa proporcionalidade entre votos/mandatos; é simples de aplicar já que com apenas uma operação conseguimos proceder à atribuição de todos os mandatos e tem efeitos previsíveis. Contudo, tal como todos os sistemas, tem as suas falhas e, neste caso, as críticas devem-se à sua tendência de favorecimento dos partidos maiores.
É também importante ter em conta que os seus efeitos dependem de outros elementos determinantes como a dimensão territorial dos círculos eleitorais e o número de representantes a eleger. Em Portugal, está legalmente prevista um mecanismo de correção ao método de Hondt. Caso falte atribuir o último mandato e se verifique igualdade do quociente em duas listas diferentes, o mandato é atribuído à lista com menor número de votos.
Contudo, nem todos acham este mecanismo suficiente. No último fim-de-semana foi dado início a uma petição que pretende a revisão do método de contagem de votos que considera não existir garantia de que a voz de todos os eleitores seja ouvida.

Será que o teu voto elege alguém? É a questão levantada por Luís Humberto Teixeira (mestre em Políticas Comparadas) e Carlos Afonso (CEO da Impulsys) que preveem que mais de 700,000 votos não serão convertidos em mandatos, ou seja, quase 13% dos votos válidos. Em 2019, esta problemática atingiu o seu auge, sendo que 1 em cada 7 votos válidos não elegeu ninguém.
Caso consigam 7,500 assinaturas, este caso será debatido em plenário da Assembleia da República.
Em termos práticos, como é que este problema se evidenciou nas legislativas de 2022:
O CDS, com quase 87 mil votos, não conseguiu eleger nenhum deputado, ao passo que tanto o Livre como o PAN conseguiram conquistar um mandato apesar de terem menos votos. Este fenómeno deve-se à maior dispersão do eleitorado do CDS. No círculo eleitoral de Lisboa, o PAN conquistou 24 mil votos e o Livre 29 mil votos, já o CDS não ultrapassou os 20 mil, o que se mostrou insuficiente para conseguir um assento na Assembleia.
No caso do Bloco de Esquerda (240 mil votos) e do PCP (237 mil votos), pesar de o BE ter mais 4,000 votos, o PCP conquistou um deputado a mais. Isto porque, em Beja, o PCP conquistou 18% dos votos (muito superior à média nacional).
Ou seja, numa perspetiva matemática, para o PS e PSD bastaram cerca de 20,000 votos para eleger cada um dos seus deputados. Já aos partidos mais pequenos é exigido um esforço maior, por exemplo – o BE precisou de cerca de 48 mil votos por cada mandato conquistado e o PAN precisou de cerca de 82 mil votos para eleger conquistar um assento na Assembleia da República.
A revisão ao sistema eleitoral
Não se pretende a substituição do método eleitoral, mas sim a sua revisão. Algumas das ideias apresentadas para tentar minimizar os efeitos negativos do método de Hondt são: a revisão do tamanho dos círculos eleitorais, sendo que se pretende acabar com círculos muito pequenos; adotar círculos uninominais aproximando o eleitor do eleito ou criar círculos de compensação nacionais.
Esta não é uma questão nova e já tem vindo a ser falada há vários anos. Inclusive, a adesão a círculos uninominais com círculos de compensação fizeram parte da campanha do partido Iniciativa Liberal. Também o PSD propunha uma revisão com o aumento dos círculos eleitorais, com divisão dos maiores e a introdução de um círculo de compensação. A Associação para o Desenvolvimento Económico e Social e Associação para uma Democracia de Qualidade também já tinham alertado para esta situação, promovendo um sistema onde os eleitores têm um voto duplo – um para votar nos partidos e outro para escolher um deputado em concreto, numa votação uninominal. Contudo, é importante mencionar que os círculos uninominais por si só podem até ser contrários ao objetivo que se pretende. Na prática, num sistema puramente uninominal elege-se apenas um deputado, sendo aquele que tem mais votos, portanto, todos os votos que não sejam dirigidos ao candidato vencedor serão irrelevantes para a composição do Parlamento. Sendo assim, se existir um círculo uninominal sem círculo nacional de compensação para corrigir as distorções à proporcionalidade, a diferença entre o voto nacional e a composição da assembleia seriam ainda maiores. O Reino Unido é um dos exemplos do falhanço desse sistema que acaba por promover o bipartidarismo, havendo uma distorção entre a vontade popular e a distribuição de mandatos.
Inês Carpinteiro/MS
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