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E o futuro? Como será o futuro da rádio?

Comecei a trabalhar na rádio em 1983. Tinha 18 anos e a rádio era já uma paixão. O poder do som, a capacidade de projetar “imagens” só com a palavra, a música e outros ambientes sonoros era para mim, absolutamente, fascinante. E de ouvinte, quase compulsiva, passei a viver de e para a rádio. Um sonho concretizado.

Abstract vintage music notes with old radio

Nesse tempo já se sabia que o vídeo não tinha conseguido matar a “radio star”. A rádio convivia bem com a força das imagens televisivas – ganhava-lhe em rapidez, na capacidade de dar a notícia primeiro, graças à facilidade que tinha de, com poucos meios, fazer diretos. A televisão ainda era lenta, pesada e muito exigente nos meios de transmissão. Por outro lado, a rádio reorientou os seus conteúdos e a sua forma de comunicar. Tornou-se cada vez mais próxima dos ouvintes, passou a explorar ao máximo a sua vertente intimista.

Tive o privilégio de acompanhar uma das mais importantes transformações do meio rádio – a tecnológica. Quando comecei a trabalhar, o equipamento da então RDP/Centro era obsoleto – ainda com as marcas de património da extinta Emissora Nacional. A RDP no início dos anos 80 permanecia sob os efeitos de um período pós-revolução e era ainda muito grande a indefinição relativamente ao futuro. No entanto, rapidamente se ajustou aos novos tempos e se transformou numa das rádios mais bem equipadas da Europa. Os computadores e toda a tecnologia digital tomaram conta dos nossos dias e obrigaram-nos a evoluir. A forma de comunicar deixou de ser formal e afastada para ser cada vez mais próxima. Mas, de novo, surgiu uma ameaça – a internet. Rapidamente se levantaram as vozes dos mais céticos – “desta vez a rádio não vai conseguir sobreviver”, diziam eles… e, de novo, a rádio superou o desafio. Não só sobreviveu, como encontrou nessa extraordinária ferramenta, uma outra forma de se aproximar de quem a ouve. Sem medo de se associar à inovação, a rádio começou a apresentar-se também nesse meio de comunicação global – os programas passaram a ter blogues, permitindo uma maior interação com os ouvintes, as redes sociais passaram a ser poderosos aliados de divulgação do trabalho de cada realizador, produtor ou locutor de rádio. E, claro, a rádio começou a estar apenas à distância de um clique – os aparelhos (os maravilhosos aparelhos de escuta radiofónica) deixaram de existir nas nossas casas ou escritórios. Foram sendo substituídos pelos computadores, iPad’s, smartphones. E a rádio a resistir…

Por outro lado, na sua extraordinária capacidade de reinvenção, a rádio começou a especializar-se – surgiram canais online temáticos (rádios dedicadas ao fado, jazz, música clássica, desporto, crianças…), preenchendo vazios e indo ao encontro de outras vontades.

Estamos às portas de 2020 e a rádio continua a ter o seu papel preponderante – desde logo como poderosa aliada da indústria de produção musical e, principalmente até, da produção de espetáculos, sejam eles de pequena, média ou grande dimensão. Mas… e o futuro? Como será o futuro da rádio?

Quero acreditar que a rádio vai ter sempre a capacidade de reinvenção. Que vai continuar num processo de contínua transformação e mudança. Mas devo confessar que estou cada vez menos confiante de que a rádio vai conseguir um futuro. A rádio envelheceu. Muito! São cada vez mais e cada vez mais jovens (o que é terrível, neste contexto…) que afirmam, de forma muito peremptória, que nunca ouvem rádio. Nem no carro. Nem no computador. Nada! Preferem utilizar uma das múltiplas aplicações que oferecem uma quase infindável lista de músicas, por género, por autores, por intérpretes… fazem a sua própria playlist e ouvem a música que gostam de ouvir. E rejeitam a rádio. Não percebem as diferenças entre este meio de ligação entre as pessoas – a rádio foi a primeira verdadeira rede social que apareceu no mundo – com a simples oferta de música para se ouvir. E essa confusão acabou por ser criada precisamente pela rádio, ou pelas rádios que começaram a transmitir “música a metro”. E a esquecerem-se completamente de que a riqueza maior deste meio de comunicação devia ser sempre a capacidade de falar com as pessoas. Estabelecer pontes, ligar-se a quem ouve. Na busca incessante e louca por audiências a rádio perdeu a sua identidade. E aí pode ter assinado seu atestado de óbito.

A minha paixão pela rádio passou a ser uma história de vida. A minha história. A rádio continua a ser sedutora para mim, mas os meus anos de juventude (como sabemos, tempo de amores exacerbados…) já passaram e a minha amada rádio perdeu muito do seu encanto. Receio que a nossa relação tenha os dias contados, mas nunca a esquecerei. Como poderia fazê-lo? Seria como se estivesse a esquecer-me de mim.

Madalena Balça

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