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Demografia: Um olhar para o futuro

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A população mundial ultrapassou a marca dos 8 mil milhões de habitantes na Terra em novembro deste ano. Em apenas pouco mais de 10 anos aumentou mil milhões de habitantes. Um crescimento nunca antes visto na história da humanidade. Estima-se que nos próximos 50/60 anos o aumento da população atinja o pico de crescimento, antes de estabilizar até ao final do século.

O mundo está a sofrer uma grande mudança demográfica que assenta em três componentes-chave: crescimento demográfico, alterações na fertilidade/mortalidade e alterações associadas à estrutura etária da população.
Ao longo da história, a evolução demográfica sempre foi um fator decisivo em quase todos os parâmetros de desenvolvimento da sociedade. A nível económico, por exemplo, à medida que se passou da crise financeira e da Grande Recessão para a expansão sustentável, a atenção passou dos aspetos cíclicos da economia para os fatores estruturais, nos quais a demografia tem um papel relevante.

Tendências

Até ao início do século XVIII, a população mundial cresceu pouco devido às elevadas taxas de mortalidade que equilibravam as elevadas taxas de natalidade.

A partir dessa altura, o aumento do conhecimento e os avanços na medicina, saúde pública e nutrição começaram a baixar as taxas de mortalidade, ao mesmo tempo que a taxa de natalidade começava a decrescer, demonstrando preferência na constituição de famílias mais pequenas, em grande medida devido ao aparecimento de métodos de controlo de natalidade e aumento dos custos de vida. A isto somou-se também a mudança da população das zonas rurais para as urbanas reduzindo a necessidade de se constituírem familias maiores que auxiliassem nas explorações agrícolas.

À medida que estas alterações demográficas foram acontecendo, a esperança média de vida na maioria dos países desenvolvidos aumentou e a população envelheceu. A esperança média de vida à nascença é agora de quase 75/80 anos, 30 anos mais elevada do que em 1900.

Envelhecimento

O processo de envelhecimento da população está a acelerar em todo o mundo e é a tendência demográfica dominante do século XXI – um reflexo do aumento da longevidade, declínio da fertilidade e a progressão de grandes grupos de pessoas para idades mais avançadas.

Nunca antes um número tão grande de pessoas atingiu os 65 anos ou mais (o limiar convencional da velhice). Espera-se um aumento de mil milhões de pessoas mais velhas nas próximas três a quatro décadas, para além dos mais de 700 milhões de pessoas mais velhas que temos hoje. Entre a população idosa, o grupo com mais de 85 anos está a crescer especialmente depressa e prevê-se que ultrapasse os 500 milhões nos próximos 80 anos. Esta tendência é significativa porque as necessidades e capacidades da população com mais de 85 anos tendem a diferir significativamente da faixa etária entre os 65 a 84 anos de idade.

Apesar de todos os países do mundo experimentarem o envelhecimento da população, as diferenças entre países na progressão deste fenómeno serão consideráveis. Por exemplo, o Japão é atualmente o líder mundial, com 28% da sua população com 65 anos ou mais, o triplo da média mundial, mas até 2050, 29 países e territórios ultrapassarão o Japão. A idade média do Japão (48,4) é também atualmente a mais alta de qualquer país e mais do dobro da de África (19,7).

Há três décadas, o mundo era povoado por mais de três vezes mais adolescentes e jovens adultos (15 a 24 anos de idade) do que os mais velhos. Daqui a três décadas, esses grupos etários estarão aproximadamente ao mesmo nível.

Os Census2021 revelaram que em Portugal a população não só diminuiu 2.1% nos últimos 10 anos, como também o número de pessoas com 65 anos ou mais de idade aumentou 20,6% e representa hoje 23,4% da população. Em Portugal e no Canadá a idade média é 41 anos. No Canadá, o rácio de pessoas com 65 anos ou mais comparadas com pessoas dos 15 aos 64 anos (conhecido como o rácio de dependência) deverá aumentar mais de 20 por cento nas próximas duas décadas.

Em toda a Europa, as taxas de fertilidade têm estado abaixo do nível de substituição há já algum tempo.
Os países menos desenvolvidos e/ou mais pobres encontram-se numa fase consideravelmente mais precoce da transição demográfica, com populações jovens e de crescimento mais rápido, e taxas crescentes de participação da força de trabalho.

Dinâmicas

A estrutura etária de uma população reflete principalmente a sua história de fertilidade e mortalidade. Em populações de elevada mortalidade, a melhoria da sobrevivência tende a ocorrer de forma desproporcionada entre as crianças. Isto cria efetivamente um aumento grande da natalidade. Eventualmente, este aumento grande termina quando a fertilidade diminui em resposta às perceções de melhoria da sobrevivência infantil e quando a fertilidade desejada diminui com o desenvolvimento económico. Mas à medida que estes recém-nascidos crescem, aumenta a capacidade produtiva da economia per capita e abre uma janela de oportunidade para um crescimento rápido do rendimento e redução da pobreza.

O “dividendo demográfico” refere-se ao processo através do qual uma faixa etária em mudança pode impulsionar o crescimento económico. No entanto, o modelo de dividendos demográficos pode ser responsável por muitas variações no desempenho económico que ocorre entre diferentes países e/ou regiões e ajuda a identificar cenários mais e menos promissores para o crescimento económico futuro. Por exemplo, de 2020 a 2030, prevê-se que o Nepal, a Jordânia, o Butão e o Eswatini registem os maiores ganhos entre os países nos rácios entre as suas populações em idade ativa e não ativa.

O rácio de dependência (o inverso da idade ativa em relação à idade não ativa) mede a pressão económica que os indivíduos em idade ativa enfrentam para apoiar, para além deles próprios, aqueles que não estão em idade ativa. Em 1990, a proporção em regiões mais desenvolvidas era consideravelmente mais baixa do que em regiões menos desenvolvidas (0,68 contra 1,04).

Em dados de 2020, como resultado de diferentes padrões de declínio da fertilidade e do envelhecimento da população, o rácio tinha aumentado para 0,70 nas regiões mais desenvolvidas e diminuído para 0,75 nas regiões menos desenvolvidas. E até 2050, o rácio de dependência deverá ser maior nas regiões mais desenvolvidas (0,89) do que nas menos desenvolvidas (0,77). Esta mudança sugere que, nas próximas décadas, a demografia será mais favorável ao bem-estar económico nas regiões menos desenvolvidas do que nas regiões mais desenvolvidas. Isto será especialmente verdade em África, a única região em que se prevê que este rácio diminua até 2050. Estes dados explicam por exemplo a discussão que tem tido lugar em Portugal sobre a sustentabilidade da Segurança Social.

A alteração da distribuição etária dos trabalhadores pode afectar não só o crescimento e a participação da força de trabalho, mas também a taxa natural de desemprego a longo prazo.

Os dados demográficos influenciam a oferta de mão de obra. Normalmente, à medida que as taxas de mortalidade diminuem e as pessoas vivem mais tempo, a oferta de mão de obra aumenta. Embora o aumento da esperança de vida signifique que os indivíduos terão de trabalhar mais tempo para pouparem mais para a reforma, geralmente o envelhecimento da população acaba por levar a uma tendência descendente na participação da força de trabalho no agregado.

Imigração

O debate tem-se adensado nos últimos anos sobre o papel da imigração no abrandamento dos efeitos do envelhecimento em certos países.

No Canadá, por exemplo, a população ficou em 2022 mais jovem pela primeira vez desde 1971, impulsionada pelas políticas de imigração dos últimos anos. A idade média das pessoas que viviam no Canadá em 2022 desceu para 41 anos, o primeiro declínio em mais de cinco décadas, de acordo com os dados divulgados pelo Statistics Canada, a agência nacional de estatística.

A idade média tinha subido constantemente de 26,2 em 1971 para 41,1 no ano passado, à medida que a população envelhecia. A população do Canadá também aumentou 0,7% para 38,9 milhões de habitantes no segundo trimestre de 2022. Este é o ritmo mais elevado de crescimento trimestral desde 1957 e representa um aumento de cerca de 3.100 pessoas por dia.

Uma coisa é certa: os fluxos migratórios não irão ajudar todos os países. A debandada de muitos habitantes de uns países para outros poderá ajudar em termos demográficos apenas os países que os recebem, deixando os países de origem à mercê da tendência demográfica de envelhecimento da população. Fica a dúvida sobre se será uma solução sustentada ou se apenas um balão de oxigénio até que novas tendências demográficas se verifiquem no final do século XXI ou início do século XXII, sabendo que as políticas de imigração não afetam apenas a demografia do país, mas também a sua situação económica, social e política.

Economia

O esperado abrandamento do crescimento da população e das taxas de participação da força de trabalho tem implicações no crescimento económico a longo prazo e na composição do crescimento. São fatores determinantes da taxa de crescimento da economia a longo prazo, o crescimento da força de trabalho e o crescimento da produtividade estrutural. A demografia sugere que o crescimento da força de trabalho será consideravelmente mais lento do que tem sido nas últimas décadas, e isto pesará no crescimento económico a longo prazo.

Além disso, em teoria, o envelhecimento da população pode também ter um efeito negativo no crescimento da produtividade estrutural. Nos últimos sete anos, a produtividade do trabalho, medida pela produção por hora trabalhada no setor empresarial não agrícola, cresceu a uma taxa anual de apenas cerca de meio por cento; ao longo de toda a expansão, atingiu em média um por cento.

Embora uma parte do abrandamento seja provavelmente cíclica, os fatores estruturais estão também a pesar no crescimento da produtividade. Os trabalhadores mais velhos tendem a permanecer mais tempo nos seus empregos do que os trabalhadores mais jovens, que são mais propensos a mudar de emprego e de empregador. Isto permite aos trabalhadores mais velhos ganharem uma experiência mais profunda, o que pode ser positivo para o crescimento da produtividade. Ao mesmo tempo, a menor mobilidade laboral significa que os trabalhadores podem permanecer em empregos que não são os que melhor combinam com os seus conjuntos de competências. Isto seria um fator negativo para o crescimento da produtividade. Vários estudos concluem que tanto as pequenas como as longas durações afetam negativamente o crescimento da produtividade. E as evidências históricas sugerem a produtividade a aumentar quando uma pessoa entra na força de trabalho, estabilizando, e depois declinando no final da vida profissional de uma pessoa. A investigação também indica que a atividade inovadora e o pico da produção científica de um indivíduo se atinge entre os 30 e 40 anos de idade, embora esse perfil etário tenha vindo a envelhecer ao longo do tempo.

A mobilidade laboral e o dinamismo empresarial, incluindo o número de start-ups em setores-chave inovadores como a alta tecnologia, têm vindo a decrescer desde há algum tempo. Até agora, a magnitude do efeito negativo do envelhecimento da população ativa no crescimento da produtividade parece ser bastante pequena. Mesmo assim, o crescimento mais lento da força de trabalho induzido pela demografia e o possível efeito amortecedor sobre o crescimento da produtividade sugerem que o crescimento da produção a longo prazo permanecerá provavelmente abaixo da taxa de 3 a 3,5 por cento observada durante os anos 80 e 90, a menos que haja alguma resposta eficaz.

A queda da China

A reestruturação da economia, a economia global e os ganhos efetivos contribuíram para o aumento de mais de 10 vezes do PIB da China desde 1978.

Apesar de se ter previsto que destronaria os EUA como a maior economia mundial, a China parece ter atingido um precipício demográfico: a sua população começou a diminuir. Dados das Nações Unidas mostram que o ponto de viragem chegou na primeira metade deste ano; é um momento significativo para um país que se transformou numa potência mundial de produção devido à sua dimensão populacional.

Na China, a taxa de crescimento da população em idade ativa abrandou desde finais dos anos 80 e, em parte, devido à sua anterior política de um filho, a população da China também está a envelhecer rapidamente. A idade média na China aumentou de cerca de 19 anos em 1970 para 38.4 anos em 2022.

De certa forma, o deslizamento demográfico da China é uma história comum: muitos países em todo o mundo sofreram uma diminuição das taxas de fertilidade à medida que se tornaram mais ricos. Mas a experiência da China é única em pelo menos um aspeto. A política de um filho, oficialmente implementada em 1980, levou a milhões de famílias monoparentais e a um maior desequilíbrio de género – as mulheres fizeram abortos seletivos e as famílias até abandonaram ou mataram bebés do sexo feminino. Por isso, hoje em dia, há menos potenciais mães do que se não houvesse a política de um só filho.

Nos últimos anos, à medida que a crise demográfica se aproximava, o Governo chinês tentou inverter a tendência – anunciando uma nova política de dois filhos em 2016, e depois relaxando-a ainda mais, permitindo e até encorajando as famílias a terem três filhos a partir de 2021.

A população em idade ativa na China tem vindo a diminuir desde 2012. De 2022 a 2050, a mão de obra da China irá contrair mais 22 por cento, de acordo com projeções da ONU; isto significa 217 milhões de pessoas a menos para alimentar as fábricas, quintas e serviços da China. Para colocar esse número em perspetiva, 217 milhões é aproximadamente a população da Nigéria.

À medida que a China enfrenta um abrandamento económico, a queda da taxa de natalidade fez soar o alarme. O governo tinha introduzido novas políticas, incluindo a licença de maternidade alargada em Pequim e Xangai, para tentar convencer as famílias a terem mais filhos. Mas os demógrafos não esperam que essas políticas tenham um efeito significativo. Isso significa que gerir o desafio do declínio da população chinesa será uma das tarefas centrais dos líderes durante as próximas décadas.

O crescimento da Índia

As Nações Unidas projetam que, nos próximos anos, a população da Índia ultrapassará a da China, atualmente o país mais populoso, e que a população da Índia continuará a crescer até 2050. Na Índia, a idade média é de cerca de 28.4 anos e a taxa de crescimento anual da população de 2010 a 2022 tem sido acima dos 1%.

Face a estas previsões, há uma nova urgência na Índia para criar empregos para o número de jovens que se prepara para entrar na força de trabalho nas próximas duas décadas.

A Índia será responsável por 20% do aumento mundial da população em idade ativa durante as duas décadas a partir de 2020. As projeções do Banco Mundial mostram que entre 2020 e 2040, a população da Índia com idades compreendidas entre os 15 e 59 anos deverá aumentar em 134,6 milhões, enquanto que na China poderá diminuir durante o mesmo período em cerca da mesma quantidade.

Em 2018, a população estudantil na Índia era de 350,4 milhões, representando um quarto da população total do país (1.316,3 milhões), e era mais de 75% do tamanho da sua força de trabalho existente. Esta enorme vaga de estudantes entrará no mercado de trabalho nos próximos anos, e as suas aspirações de emprego serão muito maiores do que as dos seus pais.

O desfasamento entre a oferta potencial e a procura real de trabalhadores nos setores não agrícolas tem estado no centro da crise de emprego que a Índia enfrenta atualmente.

Na Índia tem havido uma subida acentuada nas taxas de desemprego, especialmente entre os jovens. A taxa de desemprego entre os homens de 15 a 29 anos na Índia disparou de 5,9% em 2012 para 17,7% em 2018. Isto pode justificar o êxodo de muitos jovens para outros países, como é caso do Canadá, onde os imigrantes originários da Índia representam cerca de 18.6% do total de imigrantes que entraram no país entre 2016 e 2021.
Esse grande número de potenciais trabalhadores é uma grande vantagem para o crescimento económico da Índia, mas é também um desafio para os decisores políticos, que necessitam de criar novas e aliciantes oportunidades de emprego para o número crescente de jovens.

Sustentabilidade

Enquanto noutros tempos mais pessoas significavam mais engenho, mais talento e mais inovação, hoje em dia parece significar menos para cada um. Menos água, menos terra para cultivar e menos capacidade na atmosfera para aceitar poluentes que produzimos a cada instante. Escassez de energia e alimentos a preços mais elevados. E se a economia mundial não voltar aos seus dias de glória, menos crédito e menos empregos.

Não é de admirar que este tipo de situação traga de volta um tópico antigo: a população mundial e se se deve fazer alguma coisa a esse respeito.

A comunidade científica parece convencida de que até ao momento em que a população mundial pare de crescer, não haverá fim à necessidade de reduzir o consumo individual de combustíveis fósseis e outros recursos naturais.

Os dados demonstram que podemos estar num ciclo vicioso, em que o crescimento da população empurra constantemente as consequências de qualquer nível de consumo individual para um patamar superior, e as reduções no consumo individual são esmagadas pelo aumento da população. A realidade simples é que agir em ambos os problemas (população mundial e redução no consumo individual), de forma consistente e simultânea, é a chave para a sustentabilidade ambiental a longo prazo.

Mas a magnitude dos impactos ambientais provém não só dos nossos números, mas também dos sinais que o planeta nos tem dado nos últimos anos em termos ambientais.

Uma coisa parece certa… a Humanidade esgotou os recursos do planeta para este ano e viverá a crédito até ao final de 2022. Seriam necessários 1,75 planetas Terra para suprir as necessidades da população de forma sustentável.

O Futuro

O mundo vai passar por uma transformação radical da sua demografia nas próximas décadas, revolução que porá em causa as estruturas sociais, organização dos Estados, segurança social, empresas, economia, cultura e sociedades no seu todo. Tudo isto merece muita reflexão e uma visão de futuro.

Ficam algumas perguntas:

  • Como será o mundo no final do século com a população do planeta, potencialmente, a atingir mais de 10 mil milhões de habitantes?
  • O que será dos sistemas socioeconómicos em geral caso não se aumente a taxa de natalidade para inverter o mais rapidamente possível a tendência de envelhecimento da população mundial?
  • Como pode esta tendência ser revertida de forma sustentada sem prejudicar o planeta?

Estes são alguns dos desafios que enfretamos e que provavelmente deixamos para as gerações vindouras.
Uma coisa parece certa… o mundo das próximas décadas não será o mesmo daquele em que crescemos.

Carlos Monteiro/MS

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