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Dados lançados – Quais as jogadas futuras?

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General view during the State Budget 2020 final debate at the Portuguese Parliament in Lisbon, Portugal on January 10, 2020. (Photo by Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images)

Os meandros da política, as movimentações e desenhos estratégicos que alimentam partidos, ideologias ou facções mais ou menos extremadas à esquerda ou à direita, e as implicações que tudo isto tem na vida do cidadão comum, são sempre matéria de análise e permanente avaliação de quem se dedica ao estudo da ciência política. É o caso de António Costa Pinto, presentemente Investigador Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, que tem dedicado grande parte da sua vida ao estudo de modelos políticos, mudanças de regime e elites políticas. Costa Pinto aceitou falar com o Milénio Stadium sobre o novo quadro político decorrente das recentes eleições legislativas em Portugal e ainda abordou alguns dos temas que são hoje elementos fundamentais no jogo político à escala mundial. 

Em Portugal, passada a surpresa, é tempo agora de perceber como se jogará o futuro. Os dados estão lançados.

Milénio Stadium: Conhecidos os resultados das eleições legislativas, que jogos políticos vão ser disputados daqui para a frente, em Portugal?

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António Costa Pinto. Credito: DR

António Costa Pinto: Estas eleições, que surpreenderam a própria elite política e uma parte da sociedade portuguesa nos seus resultados, vão alterar os jogos políticos da seguinte forma: à direita do espectro político nós vamos assistir a uma maior polarização contra o governo socialista, simultaneamente, uma nova rivalidade entre agora três partidos políticos que vão representar a direita no parlamento; portanto, basicamente, o jogo político em Portugal será mais polarizado do que foi no passado, sobretudo porque, apesar de tudo, o passado português foi dominado por dois grandes partidos. Esses dois grandes partidos continuam a assegurar a larga maioria das atitudes eleitorais dos portugueses, mas evidentemente o impacto da maioria absoluta vai fazer com que o partido de centro-direita (PSD) tenha uma tendência para ir mais para a direita, até pela rivalidade que neste momento tem.

MS: André Ventura anunciou que seria o Chega a liderar a oposição daqui para a frente. Acha que efetivamente o partido de extrema-direita pode mesmo assumir esse espaço? A fragilidade do PSD, depois de Rio ter afirmado que não via como poderia ser útil ao seu partido, deixa espaço para isso acontecer efetivamente?

ACP: O PSD vai muito rapidamente reequilibrar a sua situação interna, ou seja, Rui Rio será substituído por outro líder e esse líder terá um discurso mais à direita. Convém salientar que apesar de tudo, estes partidos vão ter o seu primeiro teste pós-eleições nas próximas eleições europeias. Mas em relação à sua pergunta… coloca, de facto, a questão de fundo: ou seja, vai existir uma rivalidade aguda entre os partidos de direita para a ocupação do seu espaço político.

MS: Que mensagem traz implícita o resultado do partido Chega? A democracia portuguesa pode estar ameaçada?

ACP: Hmmm. Não. Não, não. Convém não esquecer, apesar de tudo, que estamos a falar de 7,2% e, sobretudo, convém ter em atenção que mais de 70% dos portugueses votaram nos partidos que dominam a democracia portuguesa dos últimos 40 anos. Nem, obviamente, o principal partido sendo de esquerda, que acabou de obter uma maioria absoluta, está ameaçado, nem o principal partido de centro-direita, que teve 27,8%, está ameaçado. Mas evidentemente o Chega vai ter agora o desafio de ser um grupo parlamentar mais alargado e de ter um crescimento eleitoral, que só pode ser feito à conta da ocupação de mais espaço político ao PSD, visto que o Chega já recuperou, seguramente, pelo mapa eleitoral que nós observamos, praticamente na íntegra o voto do antigo partido conservador português, que era o CDS.

MS: Que papel terá Marcelo Rebelo de Sousa no xadrez político que saiu das eleições de 30 de janeiro?

ACP: Muitas vezes, o semipresidencialismo diz-nos que o presidente fica com menos poderes quando o partido tem maioria absoluta. Mas evidentemente isso não quer dizer – longe disso – que o presidente da república diminua a sua capacidade de regular a democracia portuguesa. Marcelo Rebelo de Sousa vai continuar a ser um observador e um interveniente ativo na política portuguesa. Convém não esquecer que o partido socialista sabe que esta maioria que obteve, uma parte do eleitorado que lhe deu essa maioria não é socialista, e seguramente terá, por isso, bastante prudência no diálogo, com pelo menos, os partidos à sua esquerda e com o principal partido de oposição, o PSD. Portanto, Marcelo Rebelo de Sousa não vai alterar significativamente, creio eu, aquele que tem sido o seu papel na democracia portuguesa. Acredito que a maioria absoluta do PS não vai retirar nenhum elemento da intervenção do Presidente. Até porque, caso a situação se deteriorasse, por razões que não estamos a ver (porque em princípio vai haver alguma estabilidade governamental nos próximos anos), o Presidente da República tem sempre uma grande capacidade de intervenção, mesmo perante partidos com maioria no parlamento, como se viu com Jorge Sampaio, aqui há uns anos, quando Santana Lopes tinha a maioria no parlamento, tal como agora o Partido Socialista tem.

MS: Voltando aos resultados surpreendentes das eleições legislativas…

ACP: Os resultados só foram surpreendentes pela sua extensão, ou seja, pela extensão da vitória socialista. Nós (analistas e cientistas políticos) sabíamos que o eleitorado de esquerda tinha gostado destes acordos parlamentares e, portanto, sabíamos que o eleitorado de esquerda iria punir eleitoralmente os partidos que fossem percecionados como responsáveis por esta crise – e foi o que aconteceu. Agora, a grande surpresa foi a extensão da punição. A extensão de segmentos do eleitorado do Bloco de Esquerda e mesmo, evidentemente, da CDU, que foram votar no Partido Socialista. Isso surpreendeu. E, em grande parte, isso aconteceu perante o receio de que a direita pudesse, efetivamente…

MS: Que Rui Rio transpusesse para o continente o que aconteceu nos Açores, um acordo político com o Chega…

ACP: Exatamente!

MS: Saindo agora um bocadinho de Portugal, mas continuando a falar de jogos políticos. Está a começar mais uma edição de Jogos Olímpicos e se há algo que se esteja a destacar são precisamente os jogos políticos – esta edição está a ser mais marcada pela movimentação a esse nível, do que propriamente pela expectativa relativamente aos resultados desportivos. Que significado tem para o mundo, tal como ele se apresenta hoje, a ausência pré-anunciada de vários líderes políticos ocidentais na cerimónia de abertura dos Jogos?

ACP: A China é, como é sabido, um regime autoritário, e é um regime autoritário que tem crescido no seu poder económico e também agora no seu poder militar, e na defesa dos seus interesses geoestratégicos, sobretudo na Ásia. A diferença fundamental entre a política externa norte-americana com Trump e com Biden, é que há rivalidade comercial, há o receio do poder tecnológico e económico da China. E isso juntou-se à dimensão da democracia e dos Direitos Humanos. Ou seja, a cimeira das democracias, promovida há pouco tempo por Biden, independentemente de lá estarem regimes que não são democráticos, veio novamente colocar na cena da política mundial, ainda que de uma forma moderada, a aliança entre democracias ocidentais perante a consolidação mais agressiva do autoritarismo da Rússia, cuja reconsolidação autoritária é evidente, e também da China. Portanto, nós temos que encarar esta dinâmica, este boicote, nessa perspetiva.

MS: A última questão tem precisamente que ver com a Rússia e com a tensão que está a provocar na fronteira com a Ucrânia. O que pode isto significar para o futuro, não só da Ucrânia, mas também da paz de uma forma global? O que podemos temer desta tensão entre a Rússia, Ucrânia, União Europeia, Nato… ?

ACP: O que podemos temer é o ressurgir do conflito, sempre latente, entre a Rússia e os países que estavam integrados na antiga União Soviética. A Rússia quer manter e desenvolver o seu domínio sobre eles. E esta estratégia de radicalização de Moscovo pretende sinalizar que a NATO e as forças ocidentais, digamos assim, a aliança, aqui neste caso, Euro-Americana, que é o que está em causa, não pode avançar muito mais do que já avançou. E isto remete mais para a Europa do que propriamente para os Estados Unidos. Vai ter como impacto na Europa, provavelmente, a revisão da política de defesa da União Europeia e, evidentemente, a redução da dependência de Moscovo em certas áreas energéticas fundamentais.

MS: Nomeadamente o gás natural, não é?

ACP: Sim, nomeadamente o gás natural… Ou seja, este conflito, independentemente de poder ser radicalizado, não só vai reavivar algo (e isso é muito importante) que nas últimas duas dezenas de anos estava em perigo, que era a aliança entre a União Europeia e os Estados Unidos, com a subestimação do fator NATO, como simultaneamente vai ser um desafio para a política europeia de defesa no que toca à redução da dependência da Rússia. Este conflito assinala também o regresso da Rússia enquanto potência militar ameaçadora para a própria União Europeia.

Catarina Balça/MS 

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