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Como convencer alguém que é importante votar?

Créditos: DR.

É um facto conhecido de todos – a comunidade portuguesa residente na Grande Área de Toronto não é, de um modo geral, muito participativa nos atos eleitorais canadianos. A abstenção torna-se assim vencedora entre os luso-canadianos e derrota a capacidade da comunidade ser mais respeitada politicamente. Nesta entrevista com Carlos Sousa, na sua qualidade de Community Relations Officer da Elections Canada, um organismo independente e imparcial responsável pela promoção da participação democrática no Canadá, percebemos o papel crucial que tem desempenhado para que aumente a consciência da importância do voto junto dos luso-canadianos. 

A sensibilização eleitoral, superando barreiras linguísticas e culturais, e garantindo que todos os eleitores, independentemente da sua origem, tenham acesso a informações claras e relevantes sobre os seus direitos democráticos são afinal os grandes objetivos do trabalho dos CRO. Ao longo da conversa, Carlos Sousa partilha as suas experiências e estratégias para aumentar a participação cívica, e ainda nos fala como aborda desafios como a desinformação e a apatia eleitoral. Promover a educação cívica em comunidades com historicamente baixos níveis de envolvimento eleitoral pode não ser uma tarefa fácil, mas com iniciativas inovadoras, e o envolvimento direto em espaços comunitários, o trabalho vai sendo feito, sempre na esperança de que, no final, tenhamos uma comunidade mais forte, porque participa ativamente no reforço da democracia canadiana.

Milénio Stadium: Como descreveria o impacto do seu trabalho como CRO na promoção do envolvimento cívico entre os eleitores de língua portuguesa na comunidade?

Carlos Sousa. Créditos: DR.

Carlos Sousa: Enquanto Community Relations Officer for Elections Canada (Agente de Relações Comunitárias da Elections Canada), o meu papel centra-se em garantir que os eleitores de língua portuguesa na comunidade tenham acesso a informações claras, corretas e culturalmente relevantes sobre os seus direitos democráticos. Através do contacto direto, ajudo a colmatar lacunas de compreensão e acessibilidade, capacitando as pessoas a registarem-se e a participarem no processo eleitoral com confiança.Uma parte essencial do meu trabalho consiste em sensibilizar as pessoas sobre onde, quando e como se devem registar e votar. Isto é feito através de quiosques, sessões informativas e distribuição de materiais — presencialmente e online — para dar resposta a diferentes necessidades. Dou também especial ênfase à importância de estar registado na morada correta antes do dia da votação, assegurando que os eleitores estejam bem preparados e informados antes das eleições.

Adicionalmente, mantenho um contacto ativo com comunidades etnoculturais e de línguas minoritárias, colaborando com organizações que as representam e apoiam. Através de ações de sensibilização adaptadas, ofereço apoio com tradução, interpretação e literacia, conforme necessário, ajudando a remover barreiras que possam impedir as pessoas de exercer o seu direito de voto. Estas interações permitem-me também transmitir ao Oficial de Retorno (RO) o feedback da comunidade, assegurando que a Elections Canada se mantém atenta às preocupações e experiências específicas dos eleitores de língua portuguesa.

Sendo um organismo independente e imparcial, a Elections Canada desempenha um papel fundamental na proteção da participação democrática em todo o país. O meu trabalho como CRO contribui para esta missão ao promover a confiança, aumentar a consciencialização cívica e garantir que todos os eleitores, independentemente da sua língua ou origem, se sintam valorizados e incluídos na construção do futuro do Canadá.

Ao continuar a envolver-me com a comunidade de língua portuguesa de forma significativa, procuro reforçar a importância da participação eleitoral e fortalecer uma cultura de responsabilidade cívica que beneficiará as gerações futuras.

A Elections Canada é um organismo independente e imparcial que responde diretamente ao Parlamento. É liderado pelo Diretor-Geral das Eleições e rege-se pela Lei Eleitoral do Canadá. A agência é responsável por conduzir os processos eleitorais federais e por garantir que os eleitores dispõem da informação necessária para se registarem, votarem e se candidatarem.

MS: Quais foram os maiores desafios que encontrou ao tentar envolver uma comunidade com historicamente baixos níveis de participação eleitoral?

CS: Envolver uma comunidade com historicamente baixos níveis de participação eleitoral apresenta vários desafios, muitos dos quais exigem ações de sensibilização direcionadas e um esforço contínuo para serem superados.

Eis como os abordamos:

Superar a desconfiança ou apatia:

Alguns eleitores sentem-se desligados do processo político, acreditando que o seu voto não fará diferença. Para contrariar esta perceção, focamo-nos em fomentar a confiança e o envolvimento, fornecendo informações claras e imparciais, e demonstrando o impacto direto que o voto pode ter em questões que afetam a sua comunidade.

Superar barreiras linguísticas e de literacia:

A acessibilidade linguística é fundamental, especialmente em comunidades etnoculturais. Garantimos que os materiais estão disponíveis em português e oferecemos apoio com tradução, interpretação e literacia para tornar a informação mais acessível.

Esclarecer procedimentos eleitorais complexos:

A confusão sobre o registo, os métodos de votação e alterações recentes, como a redistribuição dos círculos eleitorais, pode desmotivar a participação. Através de sessões informativas interativas, quiosques e ações de contacto direto, simplificamos estes processos para capacitar as pessoas a participar com confiança.

Na sequência da redistribuição eleitoral federal canadiana de 2022, a circunscrição de Davenport passou a incluir a zona a sul da Eglinton Avenue e a leste da CPR, anteriormente pertencente a York South—Weston (Keelesdale-Eglinton West), a zona a sul da Vaughan Road e a oeste da Winona Drive, anteriormente de Toronto—St. Paul’s (em Oakwood Village), e a área a norte da Queen Street e a oeste da Ossington Avenue (em Beaconsfield Village), anteriormente de Spadina—Fort York. Estas mudanças podem representar um desafio adicional para os eleitores.

Chegar a seniores e grupos de difícil acesso:

Muitos idosos ou recém-chegados podem enfrentar dificuldades logísticas, como problemas de mobilidade ou pouco conhecimento sobre o registo online.

Ao participar em eventos locais — como a reunião semanal de seniores no Davenport Perth Neighbourhood and Community Health Centre — fornecemos apoio direto, explicamos opções como as visitas domiciliárias e incentivamos redes de apoio dentro da própria comunidade.

Combater desinformação e desinteresse:

Muitos eleitores em comunidades com baixa participação sentem-se desligados devido à desinformação ou à falta de contacto com educação cívica. Iniciativas como o “Bingo pela Democracia”, introduzido pelo Diretor Dr. Langlois, ajudam a apresentar a participação cívica de forma envolvente e acessível, tornando a experiência mais interativa e relevante.

Ao adaptar continuamente as nossas estratégias com base no feedback e no envolvimento da comunidade, trabalho para tornar o ato de votar mais acessível, significativo e impactante para grupos historicamente sub-representados.

MS: Pode partilhar um exemplo de uma iniciativa ou estratégia que tenha levado a um aumento notável do interesse ou da participação nas eleições?

CS: Ao adaptarmos a nossa abordagem de sensibilização, damos prioridade ao contacto direto com as comunidades, em espaços onde se sintam confortáveis. Por exemplo, no Davenport Perth Neighbourhood and Community Health Centre, participámos na reunião semanal de seniores, onde fornecemos informações em português sobre os diversos serviços oferecidos pela Elections Canada, como as visitas domiciliárias. Respondemos a perguntas, explicámos as mudanças resultantes da redistribuição dos círculos eleitorais e incentivámos conversas sobre a participação cívica. Um aspeto particularmente valioso foi conhecer o programa Bingo pela Democracia, apresentado pelo Diretor Dr. Langlois, que ofereceu uma forma interativa de destacar a importância do envolvimento no processo eleitoral.

Estas iniciativas permitem-nos comunicar de forma mais eficaz com diferentes grupos, garantindo que a informação essencial seja acessível e capacitando as pessoas a participar na construção da nossa democracia.

MS: Como adaptou a sua abordagem de sensibilização para comunicar eficazmente com grupos culturais ou linguísticos diversos dentro da sua jurisdição?

CS: No nosso papel como Agente de Relações Comunitárias, adaptar a abordagem de sensibilização é essencial para garantir que todos os grupos culturais e linguísticos tenham acesso a informações eleitorais claras, relevantes e inclusivas.

Reconhecendo as diversas necessidades existentes na circunscrição de Davenport, adaptei as minhas estratégias para promover um envolvimento significativo e capacitar as pessoas a participarem com confiança no processo democrático.

Uma das principais adaptações foi fornecer informação em português e noutras línguas faladas na comunidade. As barreiras linguísticas podem muitas vezes desencorajar a participação, por isso, oferecer serviços de tradução, interpretação e apoio à literacia garante que informações eleitorais essenciais — como os processos de registo, os métodos de votação e as alterações decorrentes da redistribuição dos círculos eleitorais — sejam facilmente compreendidas.

Damos também prioridade ao contacto direto, ligando-nos a organizações comunitárias, grupos de seniores, residências para idosos e associações culturais que apoiam comunidades etnoculturais e de língua portuguesa.

Quer através de quiosques interativos, sessões informativas ou da participação em encontros locais como a reunião semanal de seniores no Davenport Perth Neighbourhood, estas interações presenciais ajudam a construir confiança, a esclarecer os procedimentos eleitorais e a responder a dúvidas de forma acessível para os eleitores. Outra adaptação consistiu em integrar a educação cívica nas atividades comunitárias já existentes. 

A comunidade portuguesa é rica em festivais, eventos culturais e encontros desportivos, mas poucas iniciativas têm abordado a literacia eleitoral. Reconhecendo esta lacuna, propusemos a introdução de eventos dedicados à cidadania – como workshops ou fóruns – que eduquem os eleitores sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que integram a sensibilização cívica em contextos familiares. 

Adicionalmente, ajustamos continuamente as nossas estratégias com base no feedback da comunidade. Ouvir preocupações – como as dificuldades de mobilidade dos seniores ou a apatia eleitoral entre os mais jovens – permite-nos adaptar a abordagem de forma mais eficaz.

Conhecer iniciativas como o Bingo pela Democracia, apresentado pelo Diretor Dr. Langlois, também nos inspirou a explorar novas formas de tornar a educação cívica mais envolvente e interativa para diferentes públicos.

Ao adaptar os nossos métodos de sensibilização para serem culturalmente relevantes, linguisticamente acessíveis e centrados na comunidade, pretendemos reforçar a participação cívica e garantir que cada eleitor se sinta informado, valorizado e capacitado para contribuir para o futuro democrático do Canadá.

MS: Que tipo de feedback tem recebido da comunidade portuguesa e como influencia o seu trabalho no terreno?

CS: Enquanto Agente de Relações Comunitárias, uma das componentes mais valiosas do nosso trabalho é ouvir os eleitores de língua portuguesa e compreender as suas experiências com o processo eleitoral. Através de conversas em eventos locais, encontros de seniores e organizações comunitárias, temos recebido opiniões e sugestões valiosas que influenciam diretamente a forma como ajusto os nossos esforços de sensibilização. Muitos membros da comunidade valorizam muito o facto de haver informação disponível em português, já que as barreiras linguísticas representam, muitas vezes, um obstáculo à compreensão dos processos de registo, métodos de votação e alterações como a redistribuição dos círculos eleitorais.

Este feedback reforça a importância de disponibilizar materiais traduzidos e serviços de interpretação, garantindo que toda a informação eleitoral essencial seja acessível a todos. Além disso, ouvimos com frequência preocupações relativas a desafios logísticos, como questões de mobilidade que impedem muitos seniores de se deslocarem às mesas de voto. Em resposta, destacamos serviços como as visitas domiciliárias e opções de voto alternativas, garantindo que todos os eleitores elegíveis se sintam capacitados para participar.

Outra conclusão importante tem sido a necessidade de encontrar formas mais interativas de motivar os eleitores — tanto os seniores como, especialmente, os mais jovens, que muitas vezes se sentem desligados do processo. Conhecer iniciativas como o Bingo pela Democracia, apresentado pelo Diretor Dr. Langlois, inspirou-nos a explorar novas abordagens para tornar a educação cívica mais envolvente e relevante.

Em última análise, o feedback que recebemos informa diretamente o modo como ajustamos as nossas estratégias de contacto com a comunidade, assegurando que a Elections Canada se mantém sensível às necessidades específicas dos eleitores de língua portuguesa. Ao fomentar a confiança, remover barreiras e adaptar continuamente os nossos métodos, procuramos reforçar o envolvimento cívico e defender os princípios de uma democracia inclusiva.

Recebemos uma resposta bastante positiva do grupo de seniores do Davenport Perth Neighbourhood. Tendo em conta que o Diretor Langlois está a promover eventos dedicados à literacia cívica, foi discutida a seguinte proposta: Dada a vibrante cena cultural da comunidade portuguesa — com festivais, eventos desportivos e celebrações do património —, a introdução de eventos dedicados à educação cívica pode ser uma iniciativa extremamente positiva. Um fórum ou workshop centrado na participação eleitoral, nos direitos dos eleitores e na importância do envolvimento cívico poderia fornecer conhecimentos valiosos e, ao mesmo tempo, reforçar o sentimento de inclusão democrática.

Um evento deste tipo, sob a supervisão da Elections Canada, poderia assumir várias formas: um painel de discussão com líderes comunitários, um workshop interativo sobre o processo de votação ou até uma colaboração com escolas ou organizações juvenis para promover a literacia eleitoral.

Ao integrar a educação cívica nas atividades comunitárias, podemos incentivar conversas significativas sobre democracia e capacitar um maior número de eleitores de língua portuguesa a participar no processo eleitoral.

MB/MS

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