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Como a ameaça Trump se pode transformar em união nacional

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Uma coisa é certa, Donald Trump tem conseguido incomodar e transformar-se numa força disruptiva não apenas nos Estados Unidos, mas também em todo o mundo, incluindo naturalmente o Canadá. Para além das implicações económicas, as ameaças de Trump, como as tarifas comerciais e a proposta de anexação do Canadá como o 51º Estado dos EUA, têm gerado uma mobilização nacionalista sem precedentes entre os canadianos. Numa análise detalhada sobre o impacto destas dinâmicas, o professor Aaron ttinger, professor associado do departamento de Ciência Política da Universidade de Carleton, oferece uma perspetiva valiosa sobre como essas ameaças têm moldado a identidade social e política do Canadá, destacando tanto os desafios quanto as oportunidades que surgem desse cenário.

De acordo com Ettinger, as ameaças de Trump, especialmente as tarifas comerciais, têm impulsionado uma nova forma de solidariedade entre os canadianos. “As ameaças tarifárias serão ruinosas para a economia do Canadá”, alerta o professor. O impacto imediato de tais políticas inclui o aumento dos preços, a perda de empregos em várias indústrias e a desestabilização de economias regionais, como a indústria automóvel nos Grandes Lagos. Este cenário tem levado muitos canadianos a repensar os seus hábitos de consumo, com um crescente desejo de evitar produtos “Made in USA” e apoiar a produção nacional. No entanto, o efeito mais notável tem sido o surgimento de um sentimento nacionalista mais coeso, algo raro no Canadá, onde o nacionalismo tende a ser fragmentado devido às divisões históricas entre as províncias, especialmente entre o Quebeque e o resto do país. A retórica de Trump, que ameaça a soberania canadiana, tem levado a uma reação nacionalista inclusiva. Ettinger observa que a tentativa de Trump de apagar a autodeterminação do Canadá gerou um forte senso de “como se atreve?”, estimulando uma união política rara entre os canadianos.

Aaron Ettinger. Créditos: DR.

Aaron Ettinger acredita que Trump está, de facto, a fortalecer a coesão interna do Canadá muito graças a um sentimento comum “as ameaças de tarifas e de anexação são recebidas com um sentimento de indignação coletiva”. Trump não só tem vindo a afetar a estabilidade económica dos canadianos, mas também tem insultado a sua identidade como nação independente. Este insulto gerou uma solidariedade social e política que, embora possa ser temporária, é algo raro na história do país. É também interessante notar que, apesar das divisões internas do Canadá, como as questões de soberania do Quebeque e as tensões com as comunidades indígenas, as ameaças externas parecem estar a provocar uma reação unificada contra a possibilidade de uma anexação. O Canadá, tradicionalmente fragmentado em várias identidades regionais, parece estar a encontrar uma causa comum na defesa da sua soberania. Por isso bem além da economia, Trump tem provocado uma reflexão profunda sobre a identidade cultural e política dos canadianos. “Periodicamente, os canadianos fazem um exercício nacional de autorreflexão”, afirma Ettinger, referindo-se a momentos históricos de introspeção, como os protestos dos camionistas de 2022 e o referendo sobre a soberania do Quebeque em 1995. Trump tem agora forçado os canadianos a pensar sobre o que os torna diferentes dos americanos, especialmente dada a proximidade das duas nações, tanto geográfica quanto culturalmente. “A ameaça de Trump de apagar a soberania do Canadá levou a um fortalecimento do sentido de identidade nacional”, diz Ettinger.

Uma das mudanças mais imediatas observadas pelos canadianos é o comportamento de consumo. Com as tarifas e as ameaças de Trump, muitos canadianos começaram a fazer escolhas conscientes, optando por produtos feitos no Canadá ou evitando produtos dos Estados Unidos. “As pessoas estão a apostar com as suas carteiras”, explica Ettinger. Este comportamento de consumo reflete uma tentativa de promover a economia canadiana e diminuir a dependência dos Estados Unidos, algo que tem sido um desafio devido à forte integração económica entre as duas nações nas últimas décadas. Além disso, Ettinger observa que as pessoas também começaram a modificar outros comportamentos sociais, exemplo disso é, sem dúvida, o crescente cancelamento de viagens para os Estados Unidos.

A realidade difícil que se desenha para o futuro, fruto do impacto económico das tarifas de Trump, tem preocupado os canadianos. Preços de bens essenciais ainda mais elevados e, em alguns casos, um aumento significativo do desemprego geram insegurança e até porque não dizer algum medo do futuro. Neste contexto, surge a questão de quem é responsável por essa situação. Ettinger acredita que a maioria dos canadianos irá reconhecer que a principal causa das dificuldades económicas que se adivinham se deverão a Trump. “Os líderes políticos podem tentar culpar Trudeau pela incapacidade de proteger o país, mas os canadianos estão a perceber que a ameaça vem de Trump”, afirma o professor.

Como Ettinger sublinha, embora o Partido Conservador tenha dominado as sondagens antes das ameaças tarifárias, os números apontados para um eventual resultado eleitoral deste partido têm diminuído desde então, com os canadianos a demonstrarem um apoio mais forte aos Liberais face à ameaça externa. “As ameaças de Trump transcendem o partidarismo. A ameaça externa tem unido os canadianos de uma forma que raramente vemos”, acrescenta Ettinger. 

O Canadá é um país enorme, com vastas diferenças regionais, e estas diferenças poderiam dificultar a busca por um interesse comum. Ettinger lembra que as províncias canadianas têm necessidades económicas distintas. Por exemplo, a indústria de petróleo de Alberta tem interesses que são muitas vezes opostos aos de Ontário, que depende de um dólar canadiano fraco para tornar as exportações mais competitivas. “As diferentes regiões têm preferências económicas diferentes, e isso dificulta a formação de uma unidade nacional”. A dificuldade em unir o Canadá sob uma única bandeira nacional é um desafio persistente, especialmente quando se trata de questões económicas e políticas. A fragmentação regional é um reflexo das complexidades de governar um país vasto com diversas culturas, economias e identidades. Outro aspeto relevante, abordado por Ettinger, é o multiculturalismo, uma das principais características do Canadá. O professor explica que, apesar da diversidade cultural, a unidade política e social continua a ser um desafio. “A diversidade torna difícil a união em torno de uma identidade política comum”, afirma. Embora os canadianos possam unir-se temporariamente em momentos como jogos de hóquei ou feriados nacionais, é incerto se essa solidariedade se manterá em tempos de crise económica. O multiculturalismo canadiano, embora seja um ponto de orgulho para o país, levanta questões sobre a coesão social a longo prazo. A verdadeira questão, como Ettinger observa, é saber se, em tempos económicos difíceis, os canadianos serão capazes de manter um forte sentido de identidade nacional e unidade, independentemente das suas diferenças culturais e regionais.

Resumindo, as políticas de Trump têm levado o Canadá a confrontar-se com questões profundas sobre identidade, soberania e coesão social. As ameaças de tarifas e a proposta de anexação do Canadá despertaram uma nova forma de solidariedade nacional, mas também colocaram à prova a capacidade do país de unir as suas províncias e comunidades diversas em torno de um interesse comum. Segundo Aaron Ettinger, o Canadá encontra-se num momento crucial, onde a reflexão sobre a sua identidade e os desafios económicos provocados por Trump podem ser o ponto de partida para uma redefinição da sua posição no mundo. O que é certo é que as ameaças externas têm, pelo menos por agora, unido os canadianos em defesa da sua autonomia e valores fundamentais.

MB/MS

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