“Canadá e Portugal são aliados!” – António Leão Rocha
Geograficamente falando a viagem foi longa – António Leão Rocha, o novo Embaixador de Portugal no Canadá, veio do Chile onde exerceu o cargo de Embaixador durante seis anos. Mas mais do que a distância, que se mede em quilómetros e longas horas de viagem, há uma diferença de cultura, de clima e de realidade da presença e integração portuguesa na sociedade canadiana. A adaptação está ainda a ser feita, mas António Leão Rocha, habituado a esta vida um pouco nómada de representante de Portugal pelo mundo (vide biografia), confessa que vir para o Canadá era também um desejo, agora concretizado.
E agora que chegou e já passaram alguns meses – António Leão Rocha está no Canadá desde 8 de abril deste ano, apesar de ter sido apenas empossado no passado dia 7 de junho – o Milénio Stadium apresenta o novo Embaixador de Portugal no Canadá. Quisemos perceber quais as expectativas, os anseios, os projetos e preocupações que o nosso novo representante traz em mente, neste país que acolhe portugueses imigrantes desde 1953. Neste país que, como o próprio Embaixador sublinha, é aliado de Portugal.
Milénio Stadium: Está no Canadá, como Embaixador, há poucos meses, mas gostava de começar por lhe pedir as suas primeiras impressões daquilo que é a comunidade portuguesa residente neste país.
António Leão Rocha: Ainda é muito cedo para poder dizer, com propriedade e o rigor que se exige, ou que eu exijo a mim próprio, sobre “o que é a comunidade portuguesa” no Canadá, uma vez que ainda não conheci, nem pude conversar com a maior parte dela. Tive, brevemente, ao acompanhar o Senhor Presidente da Assembleia da República de 11 a 14 de junho último na sua visita a este país, a oportunidade de conhecer em Toronto e Montreal, uma parte dessa comunidade, e em especial algumas das suas associações.
Em Otava, antes disso, já havia reunido com os representantes das associações dessa área consular e convivi, alargadamente, com os portugueses, na receção de 10 de junho que se realizou na Embaixada.
Fio-me, assim, para a maior parte do que direi, por agora, sobre a comunidade, naquilo que me têm dito, sobretudo, as autoridades canadianas. Que se trata de uma comunidade muito empreendedora, vibrante e solidária, muito bem integrada na sociedade canadiana e local, mas ciosa das suas tradições e língua, como deve ser. Dela também fazem parte, evidentemente, os chamados indocumentados.
Com os seus problemas, naturalmente – quem não os tem hoje, depois de dois anos muito difíceis e desafiantes?
MS: Quais são as suas primeiras preocupações/objetivos para o desempenho das suas funções no Canadá?
ALR: Tenho várias “primeiras preocupações”/objetivos como Embaixador de Portugal neste país, consoante o quadro do relacionamento.
Desde logo, há a constatação fundamental: Canadá e Portugal são aliados!
Se falamos do plano bilateral, em função do excelente relacionamento político que temos, sem nenhum contencioso (como tal), o seu aprofundamento passa sobretudo pela dimensão económica e empresarial, que tendo crescido nos últimos anos, tem ainda um vasto potencial que se deve continuar a desenvolver. Falo do comércio, nos dois sentidos, e do investimento, na mesma base.
Multilateralmente, Portugal e Canadá têm igualmente uma grande convergência de posições e uma identidade de interesses bastante semelhante e, em algumas áreas, somos mesmo campões, tal como nas migrações (o Pacto), na igualdade de género e em especial na agenda internacional das “mulheres, paz e segurança”, tal como nos oceanos e nas alterações climáticas.
Este relacionamento multilateral, decorre também do contexto do diálogo entre a EU e o Canadá que a invasão da Ucrânia, pela Rússia, ainda mais aproximou.
Obviamente, a comunidade, pela sua expressão, integração e pujança económica, social, e cultural, no Canadá, é um elemento essencial da diplomacia portuguesa no país e, assim, para a Embaixada, uma prioridade e objetivo em si mesmo, junto das autoridades canadianas.
MS: A língua portuguesa é um evidente e muito relevante elemento de ligação dos mais jovens à cultura portuguesa. Como avalia o trabalho que está a ser desenvolvido nessa área?
ALR: Ainda não posso ter, em tão pouco tempo, uma ideia cabal “do que está a ser feito”, até pela complexidade do sistema, nem todo ele diretamente enquadrado pelo Instituto Camões. Pelo pouco que já conheci, inclusivamente, pelo contato com alguns professores, em Toronto, por ocasião da palestra sobre esse mesmo assunto (no Consulado Geral, no dia 14 de junho), e uma outra, prévia, com o Coordenador do Ensino de Português no Canadá, creio que estamos no bom caminho, uma estratégia claramente definida, que é fundamental e a coordenação com as iniciativas e os estabelecimentos implicados.
É essencial que as famílias dos jovens lusodescendentes adiram, o que acredito ser, em geral, o caso, pelo que tenho ouvido, e sempre que necessário, no quadro dos meios disponíveis, estamos cá – a Embaixada, a começar pelo Coordenador do Ensino – para ir verificando e redirecionando o que seja necessário, em diálogo com a comunidade, ou as comunidades especificas a cada caso, em primeiro lugar, como com os principais interlocutores/destinatários: as Escolas/Faculdades, nos seus diversos níveis de ensino, as autoridades provinciais e as municipais.
Devemos ambicionar, igualmente, que o ensino e a difusão do português, no Canadá, não seja exclusivo da comunidade portuguesa e dos lusodescendentes, aqui residentes. A Língua Portuguesa, como uma das mais faladas em todo o mundo, primeira no hemisfério sul (por via do Brasil, em lugar destacado) e cada vez mais um instrumento de negócios e económico, tem apetência para que os canadianos se interessem por ela, que a queiram aprender, até porque o país faz agora parte da CPLP, como Observador Associado.
MS: De que forma pensa contribuir para a consolidação da cultura portuguesa no Canadá, numa altura particularmente difícil para os Clubes e Associações que têm mantido viva, ao longos dos anos, esta profunda ligação a Portugal?
ALR: A promoção da cultura portuguesa é uma das prioridades da minha missão, ou melhor, da Missão da Embaixada de Portugal em Ottawa. A sua prossecução faz-se, também, em diálogo e em cooperação com as instituições da comunidade portuguesa local, mas não de modo exclusivo.
A cultura portuguesa é feita de tradição e de modernidade e, é através dos seus valores que a podemos consolidar no Canadá, como seria noutro país. Sei que alguns Clubes ou Associações estão a passar dificuldades, sobretudo pelo efeito que a pandemia teve na realização das suas atividades. A abertura, após dois anos, ainda é precária e alguns, aliás, como aconteceu com empresas e outras instituições cujo futuro depende de receitas, não resistiram, mesmo, a esse “estrangulamento”.
Vou, primeiro, querer falar em detalhe com as associações de cada uma das áreas consulares – com Ottawa, já tivemos uma primeira conversa sobre esses, e outros problemas – para poder avaliar, em conjunto e cooperação, o que deve e pode ser feito, nesse sentido. Sempre, entendendo, claro, que a Embaixada não pode, nem tem capacidade para se substituir aos Clubes e Associações nesse papel ou melhor, nessa forma de ligação a Portugal.
MS: Tenciona ser um Embaixador próximo da comunidade, mesmo num país com uma área tão vasta? Se sim, na prática, como vai trabalhar para atingir esse objetivo em particular?
ALR: Nem poderia ser de outra forma! Pelas razões que já mencionei anteriormente, a comunidade é um dos elementos decisivos da diplomacia portuguesa no Canadá e, para as autoridades canadianas, é um dos fatores que faz de Portugal um importante parceiro, como os próprios nos dizem.
Não é por acaso que na Câmara dos Comuns há dois Deputados de origem portuguesa, que aproveito para saudar pelo trabalho que realizam, não como “Deputados Portugueses”, que não o são, mas como Deputados Canadianos que, nessa medida e só nessa, prestigiam a nossa comunidade e, por sua vez, o nosso país.
Há outros Deputados que não sendo de origem portuguesa, têm uma ligação profunda e, eleitoral, à nossa comunidade: representam-na e, nesse processo, configuram-lhe dimensão política, tanto maior quanto for a intervenção cívica local e federal.
Se, por proximidade, se entender que a minha Missão valoriza e requer a comunidade enquanto fator da nossa diplomacia no Canadá, e que ela terá um lugar de destaque na consideração dos seus objetivos e dos seus interesses, sem qualquer dúvida, contém comigo!
Se, por proximidade, entendermos um Embaixador que está presente – fisicamente – constantemente, nas iniciativas e atividades dos Clubes e Associações da comunidade, muitas vezes em datas coincidentes (como diz), espalhada “por uma área tão vasta”, podem contar comigo, igualmente, na medida das minhas possibilidades, da disponibilidade de meios, da oportunidade e da sua própria finalidade.
Procurarei, sempre que me seja possível – e recordo, por exemplo, que durante praticamente dois anos, não foi possível, a ninguém, Embaixador de Portugal ou de outro país, no Canadá, viajar – conhecer os Clubes e as Associações que compõem a comunidade portuguesa deste país. Apesar de se encontrarem “numa área tão vasta”, é minha intenção repartir, anualmente, a minha participação pelas suas atividades.
Madalena Balça/MS
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