Temas de Capa

Brilho nos olhos

Durante anos o meu Natal era sinónimo de muito ansiedade, mil sorrisos, brilho nos olhos. Era muito isso, aquelas histórias dos livros, lamechas. Era mesmo isso.

Todos os anos ia de Pardilhó – quem não conhece? – até Coimbra, com o carro cheio, mal sabia eu que para além de pessoas, ia também cheio de presentes. Coimbra é a cidade da minha mãe, era lá que celebrávamos esta época, junto da minha avó materna, dos meus tios e primos e das músicas de Natal do Zé Júlio. Connosco levávamos os meus avós paternos. Sempre.

Quando chegávamos, sentia-me mesmo feliz por rever a minha família, porque sinceramente, sendo filha única, e só vendo os meus primos praticamente uma vez por ano, ali, durante aqueles dois dias, aquilo era tudo muito diferente e especial para mim.

Antes do jantar, todos tínhamos que pôr um sapato nosso na sala. O Pai Natal sabia a quem pertencia cada um e deixava as prendas nos sítios certos. Entretanto jantávamos, sempre bacalhau cozido (… até hoje não lido bem com esse cardápio), depois a ânsia começava – a minha mãe fazia questão de nos mostrar que o Pai Natal estava a chegar: apontava pela janela para uma luz vermelha lá ao fundo… era mesmo ele! Anos mais tarde vim a saber que aquilo não era nada mais, nada menos, que a luz do supermercado Continente. Mas resultava! Porque naquela altura, era mesmo o Pai Natal! Com medo, escondíamo-nos – nós, os primos – debaixo da mesa da cozinha! Enquanto o velho das barbas brancas (que nunca víamos) não vinha, não podíamos sair daquela divisão da casa. Mas, sabe-se lá porquê, muita gente adulta tinha vontade de ir à casa de banho. Mas depois… à meia-noite, em ponto, ele chegava! Em ponto. E tremíamos todos com os testos das panelas a marcarem o ritmo do “Ho-ho-ho”… Que, entretanto, também vim a perceber que era gentilmente cedido pelo meu tio Pedro. Mas era o Pai Natal. Ai de quem dissesse o contrário. E depois… pronto, o depois vocês já imaginam como era. Crianças a correr para os seus “sapatos”. Felicidade, naquele momento, era um eufemismo.

Entretanto eufemismo era a saudade que se apoderava de nós, anos mais tarde, quando o Natal começou a ficar vazio. Vazio nos lugares da mesa, vazio na sala com menos sapatos, vazio de alma. Sinceramente. Vazio de alma. Perdi o meu avô Francisco com 16 anos, um avô que me criou. A ideia do Pai Natal obviamente que tinha ficado bem lá atrás e por isso essa fase já representava apenas e só família, partilha e amor, como aliás deve ser. Ah, e comida, claro – doces, muitos doces. Mas quando perdemos alguém que faz parte de nós, nasce um desconforto inerente a qualquer celebração de família. Seja ela qual for.

Entretanto, em 2016, já noutro país, para o qual decidi vir sozinha, comecei a passar o Natal longe dos meus pais e de todos os outros familiares. Fazemos FaceTime, mas deste lado só me apetece desligar e dormir. Apesar de já não viver o Natal com a vontade de antes, como vos expliquei, é inevitável que nos sintamos… tristes, vá.

O ano passado, na altura do Natal, descobri estar grávida – há lá melhor prenda surpresa? Aí já não estava sozinha. E para ser sincera, nos anos anteriores também não acho que estivesse. Apesar de não me considerar nem católica nem ateia, quero acreditar que o meu avô Chico me faz companhia, de alguma forma. Por isso, este ano, no primeiro Natal do meu filho, vamos estar os três. Nós os três e o meu brilho nos olhos.

Catarina Balça/MS

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