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Braço de ferro entre camionistas e Otava continua

O’Toole afastado da liderança do PC

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Credito: Twitter

A manifestação dos camionistas em Otava que no início da semana podia parecer um problema para o governo de Trudeau, depois do afastamento de Erin O’Toole da liderança do PC na quarta-feira (2) parece ter causado mais dissabores no PC do que no Partido Liberal. 

A vontade do PC de ganhar o voto destes manifestantes engoliu O’Toole e agora o PC tem de arrumar a casa. Trudeau foi claro ao dizer que Otava não vai mudar de ideias sobre o mandato de vacinação para os camionistas transfronteiriços e uma semana depois do início da manifestação na capital canadiana fica claro de que alguns daqueles participantes tinham outro tipo de agenda que não a vacinação. 

Na quinta-feira (3) a página GoFundMe que foi criada para apoiar financeiramente os manifestantes e que, entretanto, foi suspensa tinha angariado $10,096.200. Até agora é o segundo valor mais elevado de sempre a ser angariado numa GoFundMePage no Canadá, logo depois da página que foi criada para apoiar os sobreviventes e os familiares do acidente que matou 16 membros de equipa juvenil de hóquei em Saskatchewan.  

Na descrição da página encontramos a seguinte declaração: “O nosso atual governo está a implementar regras e mandatos que estão a destruir a fundação das nossas empresas, indústrias e meios de subsistência. Somos um país pacífico que tem ajudado a proteger nações em todo o mundo de governos tiranos que oprimiram o seu povo, e agora parece que isso está a acontecer aqui”. Segundo os organizadores a verba angariada vai ajudar os manifestantes a pagarem despesas com transporte, estadia e alimentação.

Grande parte das doações são anónimas e peritos em segurança acreditam que alguns dos manifestantes têm agendas diferentes. Especialistas anti-ódio alegam que apesar de estes não serem a maioria, nacionalistas e islamofóbicos brancos estão entre os membros que organizaram o comboio da liberdade. Segundo a Canadian Anti-Hate Network, este é “um comboio de extrema-direita porque, desde o primeiro dia, os próprios organizadores fazem parte do movimento de extrema-direita”. 

Tamara Lich e B.J. Dichter são os dois nomes que aparecem na organização da GoFundPage. Numa convenção do People’s Choice Party em 2019, B.J. Dichter aparece a falar a uma multidão e a alertar as pessoas para os perigos dos “islamitas políticos” e diz que o Partido Liberal está “infestado de islamitas”. Dichter disse também na convenção do partido da extrema-direita canadiano que os políticos conservadores que se encontram “com extremistas estabelecidos põem em risco muçulmanos moderados e seculares que nada mais querem senão integrar-se no Canadá, tornar-se canadianos, e deixar para trás o lixo do seu país de origem”.

Agora o objetivo do grupo é juntar $11,000,000, o que está alinhado com o que foi sendo dito ao longo da semana pelos manifestantes, que não saiam de Otava até que todas as restrições de saúde pública fossem levantadas. 

Para nos ajudar a perceber este fenómeno que tem dominado a agenda mediática do país o Milénio Stadium ouviu a opinião de dois cientistas políticos: Robert O’Brien, professor na McMaster University e Daniel Béland, docente na McGill University. O Canadá tem cerca de 120.000 camionistas transfronteiriços e um em cada cinco são naturais do Sul da Ásia. 

Milénio Stadium: Como é que a manifestação dos camionistas que se arrasta deste o passado sábado pode ser analisada de um ponto de vista político e que consequências poderá ter no futuro para o governo de Trudeau e para a oposição?

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Robert O’Brien, McMaster University. Créditos: DR.

Robert O’Brien: A manifestação cai na frustração do público em geral com a pandemia, mas traz à tona sentimentos anti-vacinação e anti-governo de um segmento da população. Em muitos aspetos, a manifestação não faz sentido porque o mandato de vacinação transfronteiriça também existe nos EUA e muitas das políticas de saúde pública são da responsabilidade do governo provincial e não do governo federal. Por exemplo, são as províncias que tomam as decisões de encerrar escolas ou limitar as reuniões sociais. A condução de camiões para Otava não vai alterar as políticas dos EUA ou provinciais. Contudo, as manifestações chamam a atenção para as opiniões de uma minoria da população que é anti-vacinação e anti-governo. 

Penso que isto representa mais um problema para o Partido Conservador federal do que para o governo de Trudeau. O Partido Conservador tenta simpatizar com as manifestações dos camionistas, arriscando-se a alienar a maioria dos eleitores vacinados e a apoiar medidas de saúde pública para lidar com a pandemia. Isto coloca o Partido Conservador do lado errado da opinião pública. No entanto, não mostrar alguma simpatia pelos manifestantes também constitui um problema para os Conservadores, porque correm o risco de perder estes eleitores para partidos que estão mais à direita, como o People’s Party of Canada.  Em contraste, o primeiro-Ministro Trudeau está mais do que feliz em criticar os manifestantes porque sabe que a sua posição extrema não é apoiada pela maioria do público.   

Daniel Béland:  Justin Trudeau condenou a manifestação de uma forma veemente, sabendo que muito poucos potenciais eleitores liberais estão a participar. A mesma observação aplica-se a Jagmeet Singh, que também condenou a manifestação, o que é contrário ao que o NDP representa. A situação de Erin O’Toole é muito mais complicada, por duas razões. Primeiro, muitos Conservadores, incluindo alguns dos seus deputados, apoiam a manifestação enquanto o People’s Party of Canada aumenta as sondagens no contexto do debate sobre as restrições de saúde pública. Foi por isso que ele se encontrou com alguns dos camionistas na sexta-feira. Em segundo lugar, ele não quer alienar os eleitores centristas que luta para atrair, sendo visto como alguém que simpatiza com os manifestantes de extrema-direita presentes em Otava.

MS: O primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau disse segunda-feira (31) que os canadianos estão chocados e francamente enojados com as ações de alguns manifestantes em Otava. Acredita que alguns manifestantes foram a Otava com uma agenda diferente?

RO: A manifestação começou por se preocupar com os mandatos de vacinas para camionistas que atravessam a fronteira Canadá-EUA, mas alargou-se a muitas outras questões. Pessoas com preocupações sobre uma vasta gama de medidas de saúde pública juntaram-se à manifestação. Outras pessoas que têm uma ampla agenda anti-governo ou anti-liberal também participaram. Atraiu agora um grande grupo de ativistas de extrema-direita. Não é surpreendente que a manifestação tenha evoluído para uma série de queixas da extrema-direita contra o governo. Faz-me lembrar as manifestações dos “coletes amarelos” em 2019, quando pessoas com coletes amarelos se manifestaram contra uma série de políticas de imigração e alterações climáticas. As mensagens de raiva são muito semelhantes.

DB: Pessoas de diferentes origens reuniram-se em Otava no fim-de-semana passado, mas há fortes provas de que algumas das pessoas por detrás do Comboio da Liberdade abraçam ideias de extrema-direita que são rejeitadas pela maioria dos canadianos. Isto não significa, no entanto, que todos os manifestantes partilhem estes pontos de vista.

MS: Concorda que todas estas ameaças, violência e ódio podem criar ruído e comprometer a verdadeira mensagem que os camionistas estão a tentar passar aos canadianos?

RO: Estas manifestações nunca representaram a verdadeira mensagem dos camionistas. Mais de 80% dos camionistas canadianos estão vacinados e não têm nada a ver com as manifestações. Os manifestantes representam apenas um pequeno grupo de camionistas. Há muitos problemas graves enfrentados pelos camionistas, tais como salários baixos e condições de trabalho perigosas e pouco saudáveis, mas as manifestações de Otava não estão a abordar estas questões vitais.

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Daniel Béland, McGill University. Créditos: DR.

DB: Esta é uma possibilidade real, sobretudo à medida que a manifestação se arrasta e os residentes de Otava se alimentam cada vez mais dos manifestantes e dos seus comportamentos. De modo mais geral, a cobertura mediática do protesto tem-se concentrado em cenas vergonhosas em torno da estátua de Terry Fox e do Túmulo do Soldado Desconhecido, bem como na presença em Otava de manifestantes que exibem suásticas e outros símbolos de ódio.

MS: A polícia de Otava disse que, em geral, os protestos foram pacíficos. Contudo, o primeiro-ministro Justin Trudeau foi transferido do Rideau Cottage. Acredita que foi apenas uma questão de precaução ou existia um perigo real?

RO: Creio que deram este passo por duas razões. Uma foi a experiência de Julho de 2020, quando um homem armado bateu com as armas nos portões do Governador Geral e da residência do primeiro-ministro. A outra é a imprevisibilidade dos manifestantes e a presença de ativistas de extrema-direita nas manifestações. Havia uma hipótese de alguém poder visar o primeiro-ministro. Certamente, olhando para as bandeiras e sinais dos protestos, vê-se muito ódio dirigido ao primeiro-ministro. 

DB: Esta foi certamente uma medida de precaução. A segurança do primeiro-ministro e da sua família é primordial e foi provavelmente a decisão certa a tomar. 

MS: Muitos dos doadores da Gofundpage criada para angariar dinheiro para estes camionistas que se opõem ao mandato de vacina são anónimos. Como é que devemos avaliar este facto?

RO: Diz-nos que as pessoas querem canalizar dinheiro para os manifestantes, mas querem que a sua identidade permaneça em segredo. Isto pode acontecer porque o dinheiro vem de fontes estrangeiras, grupos de extrema-direita, ou grupos anti-ciência. Podem estar cientes de que tornar públicos os seus nomes e organizações poderia minar a credibilidade da manifestação. Alguns dos doadores podem querer o anonimato porque simpatizam com a causa, mas não querem que o público saiba da sua posição política.

DB: Alguns peritos em segurança acreditam que este comportamento sugere que elementos estrangeiros e outras pessoas que procuram desestabilizar o nosso sistema político podem estar a apoiar financeiramente a manifestação.

Joana Leal/MS

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