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Avós e património cultural

Apercebi-me da importância que os alunos lusodescendentes davam aos seus avós logo nos primeiros anos de ensino na Universidade de Toronto. Sempre que fazia ao aluno uma pergunta do género: “Porque razão queres aprender português?”, a resposta era: “Quero poder comunicar com os meus avós em Portugal”. Ou se perguntava: “Como é que já sabes falar tão bem português?”, respondia: “É graças à minha avó/meu avô que sempre falou comigo em português”.

Ao longo dos meus 33 anos no Departamento de Espanhol e Português, fui aprendendo, com os estudantes, a reconhecer e valorizar o esforço que os avós portugueses fazem para que os seus netos não deixem de aprender a língua e a se orgulhar do nosso património cultural.

Com as famílias divididas pela imigração, e os mais velhos a viverem em Portugal, é natural que os pais confiem os netos aos avós durante as férias grandes. Eu fiz isso mesmo. Ao trazer a minha filha de sete anos para o Canadá, separei-a do resto da família. Nas férias mandava-a para Portugal e confiava-a aos avós. Esperava, desse modo, contrariar a aculturação inevitável para os que não têm essa oportunidade.

Famílias há que têm a sorte de viver perto dos avós já imigrados, ou que se lhes vieram juntar para ajudar a cuidar dos mais pequeninos. Assim, quando os avós têm a seu cargo os netos e com eles passam muito tempo, antes de entrarem no Jardim Infantil, não é difícil ir-lhes ensinando a “língua de afeto”. É a língua das palavras carinhosas, dos beijinhos e abraços, das brincadeiras e da comidinha que eles gostam, em que se ocupam muitas horas.
Ao entrarem na escola, e ao começarem a aprender a língua da sociedade dominante, o inglês, no caso do Ontário, os avós enfrentam um desafio muito difícil. Continuam, durante mais algum tempo, a ir levar e buscar as crianças à escola, e a cuidar delas umas horas até os pais as virem buscar. Conversam com elas em português mas, pouco a pouco, a língua que as crianças vão querer falar é a da escola e dos colegas.

No caso dos avós com pouco ou nenhum conhecimento do inglês, há muito mais probabilidade da criança continuar a falar português mais tempo. Quando os avós sabem inglês, há a tendência para, gradualmente, a criança se expressar na língua da escola e, a pouco e pouco, ir perdendo a fluência no português.
Claro que há as exceções: existem avós muito disciplinados e comprometidos na transmissão da língua portuguesa. Em geral, esses têm o apoio dos pais que, igualmente, só comunicam com os filhos em português.
Todos os estudos académicos mostram os benefícios e as vantagens da aprendizagem da língua de herança ou de origem. Quando cheguei a Toronto, vinha com ideias bem firmes sobre a importância e o dever dos pais falarem com os seus filhos em português.

Durante os dez anos em que a minha filha frequentou a escola, fui ativista nas associações de pais portugueses, nas duas direções escolares, nos comités para a integração de línguas de herança, na reforma dos programas de línguas internacionais junto do Ministério da Educação. A minha tese de doutoramento teve como enfoque o bilinguismo e a integração da língua de origem nos programas escolares.

Depois de vivenciar a imigração durante mais de 30 anos, aprendi muito e deixei de ser rígida nas minhas convicções. Verifiquei que a segunda geração de pais não se sente, em geral, suficientemente fluente na língua portuguesa para a poder ensinar aos filhos. No caso de casamentos mistos, em que um dos pais não fala português, é complexo dar continuidade ao ensino da língua.

O papel dos avós, por essas razões, é ainda mais relevante. Mesmo que os avós não consigam transmitir a língua, eles podem transmitir aos netos o gosto e o interesse por muitas coisas que têm a ver com a história e as tradições de Portugal.

Sou agora avó, com netos de cinco e sete anos, e sei que, ao incluirmos nas histórias de príncipes e princesas, reis e rainhas que contamos aos netos, personagens reais como Dom Afonso Henriques, Dom Diniz, a Rainha Santa Isabel, Inês de Castro e tantos outros, as suas vidas cheias de episódios romanescos fascinam os miúdos. Contamos-lhes lendas como a do galo colorido de Barcelos, a das pegadas do cavalo de Dom Fuas nas rochas do Sítio na Nazaré e a das amendoeiras em flor do Algarve, entre outras.

Fazemos pão de ló, biscoitos de amêndoa, sonhos e filhoses para que o paladar deles se habitue a esses sabores. Assamos sardinhas, grelhamos ou compramos frango no churrasco, fazemos caldo verde e bacalhau. Tentamos conquistá-los com a nossa deliciosa culinária.

Ser avô/avó português e imigrante traz a responsabilidade e o gosto de poder transmitir aos netos a beleza da nossa língua e a riqueza do nosso património cultural. Ajudamo-los a saber de onde vêm, a ter sentido de pertença a uma outra cultura e a fortalecer a sua identidade. Se os ajudarmos a compreender o mundo de onde vem a sua família, acreditamos que irão viver uma vida melhor, mais culta, tolerante, feliz e realizada.

Manuela Marujo

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