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Até ao infinito… e mais além

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A imensidão e complexidade do universo fazem do estudo espaço um trabalho praticamente interminável – afinal, à medida que investigadores e cientistas descobrem e decifram mistérios, mais complexa se torna a análise sobre a vida fora do planeta que habitamos… e não só. A discussão sobre a possibilidade de, um dia, termos a possibilidade de vivermos fora do mundo que hoje conhecemos não é nova, mas este é um de muitos assuntos em que as opiniões e pareceres se dividem.

Didier Queloz, Prémio Nobel da Física, é um dos que vê como “totalmente irracional” a ideia de que os humanos possam ser “uma espécie que viajará entre as estrelas”, sendo que “não somos feitos para deixar a Terra”. Já o empresário norte-americano Elon Musk, presidente executivo da empresa de veículos elétricos Tesla Motors e também diretor executivo e chefe tecnológico da empresa aeroespacial SpaceX, tem uma visão completamente diferente… até porque um dos seus grandes objetivos passa por colonizar Marte. Mais do que uma corrida espacial – em que também entram Richard Branson e Jeff Bezos com as suas propostas de turismo de luxo para além da atmosfera terrestre – o excêntrico bilionário pretende estabelecer no Planeta Vermelho uma cidade autossustentável onde, no futuro, poderão viver um milhão de pessoas. Se realmente caminhamos para um cenário de “humanidade multiplanetária” não temos, para já, certeza… Mas uma das coisas que sabemos é que a engenharia aeroespacial é uma das áreas que mais contribui não só para a exploração do espaço como também, e como consequência, para uma variedade de setores presentes no nosso dia a dia – algo que é explicado pelo facto de esta ser uma das disciplinas mais abrangentes e transversais. Pedro Silva, estudante no Mestrado de Engenharia Aeroespacial, Delft University of Technology, explicou-nos mais sobre a enorme importância da cada vez maior exploração espacial que, quem sabe um dia, nos levará até ao infinito… ou além!

Pedro Silva Mestrado de Engenharia Aeroespacial - milenio stadiumMilénio Stadium: A investigação científica associada à exploração espacial tem vindo a registar um crescimento, investimento e desenvolvimento notáveis ao longo dos anos – consegue explicar-nos, em traços gerais, em que é que a mesma é aplicada e de que forma beneficia a humanidade?
Pedro Silva: De uma forma geral, algumas das principais áreas em que a pesquisa espacial tem sido aplicada incluem a medicina, a proteção do meio ambiente, as telecomunicações e o setor energético. A investigação científica associada à exploração espacial beneficia a humanidade, por exemplo, através do desenvolvimento de tecnologias avançadas, como sistemas de navegação e materiais resistentes, que têm aplicações terrestres, e através do avanço no estudo de planetas e corpos celestes, o que pode ajudar a responder a perguntas importantes sobre a história do sistema solar e da vida na Terra.

MS: E, mais concretamente, como é que no nosso dia a dia beneficiamos da investigação feita para se conseguir ir ao espaço e do maior conhecimento do mesmo?
PS: A investigação sobre exploração espacial tem benefícios tangíveis para o dia a dia das pessoas, por exemplo através do desenvolvimento de tecnologias de comunicação, como satélites e sistemas de GPS, que melhoraram a comunicação e a navegação em todo o mundo e que são hoje indispensáveis na nossa vida. Além disso, ao nível da medicina, esta pesquisa contribuiu para o desenvolvimento de tecnologias médicas avançadas, como próteses e dispositivos de reabilitação para pacientes com lesões na medula espinhal, bem como tecnologias para monitorizar a saúde de astronautas em missões espaciais, que agora também são usadas para monitorizar a saúde de pacientes em hospitais e clínicas.

MS: Podemos olhar para a engenharia aeroespacial como uma das áreas mais interdisciplinares que existem?
PS: A engenharia é, na sua essência, a resolução de problemas diversos e complexos. Por isso, qualquer ramo da engenharia requer conhecimentos que não estão limitados a esse mesmo ramo. Esta transferibilidade de conhecimento, isto é, a capacidade de aplicar aquilo que se conhece sobre um tema a outro totalmente distinto, detetando semelhanças e padrões, é o trabalho de um bom engenheiro. Tendo isto em conta, no caso específico da engenharia aeroespacial, esta interdisciplinaridade é ainda mais evidente. Um problema de engenharia aeroespacial pode ser extremamente variado. O design e produção de aeronaves, o controlo de um avião durante o voo, o lançamento de satélites para órbita terrestre (e a manutenção dos serviços de telecomunicações por eles fornecidos) e o desenvolvimento de equipamento de defesa são todos tópicos englobados pela engenharia aeroespacial. Como se pode perceber por estes exemplos, a variedade de temas existente torna a engenharia aeroespacial num ramo extremamente interdisciplinar.

MS: Uma outra área em claro crescimento é o tão falado turismo espacial. Recentemente, até a Opel se aventurou na mobilidade espacial, lançando um veículo lunar – enquanto engenheiro aeroespacial como é que olha para toda esta situação?
PS: Pessoalmente, olho para este crescimento no turismo espacial com algum otimismo, mas também com cautela. Até muito recentemente, a exploração espacial esteve restrita a empresas públicas, nomeadamente a várias agências espaciais, como por exemplo a NASA, nos Estados Unidos da América, ou a ESA, na Europa. Apesar do enorme progresso alcançado por estas agências, a possibilidade da privatização deste setor permite, em teoria, uma democratização da exploração espacial, que passa a estar ao alcance de indivíduos. Como em qualquer outra área, esta abertura a novos agentes, que naturalmente trarão novas perspetivas ao setor, pode ser extremamente vantajosa e acelerar muito o ritmo de novas descobertas. Contudo, a exploração espacial apresenta uma diferença chave em relação à maioria das restantes áreas, que é o custo de acesso. Na verdade, não estamos perante um cenário de democratização na verdadeira essência da palavra. Em vez disso, o turismo espacial ainda não passa de um mero capricho milionário ao alcance de poucos. Nesse sentido, e apesar de impressionante, a ideia do turismo espacial, na sua versão atual, não me fascina.

MS: E afinal… poderemos, efetivamente, esperar um dia viver num outro planeta para além da Terra? Ou essa capacidade está reservada apenas aos robôs e máquinas?
PS: A resposta mais simples a esta questão é sim. Em teoria, é possível. No entanto, não é realista acreditar numa réplica exata da experiência de vida na Terra em outros planetas, pelo menos a curto e médio prazo. Atualmente, a NASA prevê que a década de 2040 marque o início da exploração humana de Marte, com o envio dos primeiros astronautas para o Planeta Vermelho. Dentro do Sistema Solar, este é talvez o único planeta onde será possível viver, mesmo que de forma muito limitada. Uma vez em Marte, estes astronautas terão que viver sob condições extremas para as quais serão intensamente treinados na Terra. Para além disso, novos problemas surgem devido à enorme distância que separa os dois planetas. Um dos mais importantes relaciona-se com a dificuldade de comunicação entre a Terra e Marte. A velocidade máxima de transmissão de informação é limitada pela velocidade da luz. Na escala da Terra, esta velocidade é grande o suficiente para criar a ilusão de comunicação instantânea, mesmo entre pessoas em dois pontos opostos do planeta. Contudo, à escala do Sistema Solar, isto já não acontece. Na verdade, qualquer comunicação (enviada da Terra à velocidade da luz) demora, no mínimo, cerca de 5 minutos a chegar a Marte. Imagine que, sempre que fazia uma pergunta a alguém, só obtinha resposta 10 minutos depois (5 minutos para enviar a pergunta e outros 5 para receber a resposta). É assim que funcionaria uma conversa entre pessoas na Terra e em Marte. Percebendo isto, fica claro que, a existir, a vida de humanos em Marte terá que ser extremamente independente da Terra. Toda esta discussão sobre a vida em Marte assume, ainda, que temos atualmente ao nosso dispor a tecnologia e as ferramentas necessárias para sobreviver a uma viagem espacial até ao Planeta Vermelho, que se estima durar cerca de 7 meses. Fora do Sistema Solar, onde poderíamos procurar planetas mais semelhantes com a Terra, esta viagem espacial teria uma duração largamente superior à expectativa média de vida do ser humano, o que a torna impraticável.
Apesar de ter pintado uma visão bastante pessimista sobre a possibilidade de viver num outro planeta, acredito que isso é importante para nos lembrar do quão especial é a vida na Terra e que, de facto, a nossa realidade no planeta não é o padrão no resto do Universo. Por ser tão especial, é importantíssima a preservação do planeta Terra e a luta contra as alterações climáticas. Porque, de facto, a Terra continua a ser a nossa melhor hipótese de sobrevivência enquanto espécie.

Inês Barbosa/MS

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