As velas do Ti Castinha
Nesta altura do ano ficamos sempre mais sensíveis a muita coisa e recordamos histórias de outros tempos que nos marcaram. Uma das histórias de que me lembro passou-se na minha aldeia, Carromeu, situada entre a floresta e o mar, no coração da Gândara. Teria eu uns 14 anos e um mundo inteiro para descobrir, o que me levava sempre a rondar uma casa muito antiga, perto de uma estrada de terra batida, cheia de buracos do jogo dos berlindes e de balizas de futebol. Nessa casa vivia um senhor muito velho de longas barbas que, para meu espanto, não mexia as pernas…chamava-se Manuel Luís e na aldeia era Ti Castinha. A sua idade ninguém sabia, acho que nem o próprio.
Era pobre e vivia numa casa que para mim foi sempre velha, junto a uma curva muito perigosa onde muitos “heróis da velocidade” tiveram acidentes. O Ti Castinha, na falta da força nas pernas, deslocava-se num triciclo movido pela força de braços. Eu por vezes sem ele saber empurrava-o nas subidas e nas descidas. Também nós fomos muitas vezes “heróis da velocidade”, mas sem acidentes. No dia de Natal eu sentia pena do Ti Castinha. A sua noite de consoada seria passada entre memórias, perto de um borralho… era uma noite igual a tantas outras e, mesmo ao lado, havia a minha casa com uma sala de jantar quente, doces e a excitação para abrir os presentes.
Ele sozinho e, ao contrário da minha “farta mesa”, esse homem nada tinha. Tinha como companhia velas acesas na janela da casa fria para iluminar a noite mágica de Natal. Eu ficava admirado – como é que um homem que não andava colocava as velas nas janelas? Era como se fosse a magia do Natal. Era assim todos os anos. Os vizinhos começaram a fazer o que o pobre homem fazia nessa noite. Eu era pequeno e dizia sempre que eram as velas do Ti Castinha. Ainda hoje, todos lá na rua acendem uma vela nas suas casas, iluminando-as e fazendo-me lembrar esta minha história. Tornou-se tradição na Rua de Cima, de Carromeu.
Paulo Perdiz/MS
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