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As faces da mentira

mentiras - milenio stadium

 

A mentira já faz parte da nossa vida em sociedade e há quem defenda que sem ela nem podemos conviver de forma pacífica. Afinal, imagina se de uma hora para outra as pessoas começassem a falar aquilo que realmente pensam sobre tudo e todos? De fato, seria quase impossível manter qualquer nível de harmonia. Será essa uma arte que aprendemos desde muito cedo na vida e que vamos lapidando aos longos dos anos e aperfeiçoando conforme nossas necessidades?

Psicologa - milenio stadium
Cristina Aldenora. Créditos: DR

São muitas as perguntas que permeiam esse assunto, bastante universal e complexo, já que existem muitas faces da mentira, desde aquelas mais corriqueiras e que são mais “aceitas e toleradas”, aquelas que contamos para nós mesmos até os casos mais graves onde uma pessoa se habitua tanto a mentir ou distorcer a realidade dos fatos que isso se torna uma compulsão ou patologia.

Para esclarecer melhor esse assunto, nessa edição do Milénio Stadium em que buscamos a verdade sobre a mentira, estivemos à conversa com a psicoterapeuta Cristina Aldenora, que nos deu algumas explicações e discorreu sobre esse assunto tão complexo e presente nas nossas vidas.

 

MENTIR FAZ PARTE DA NATUREZA HUMANA, APRENDEMOS DESDE SEMPRE?

Desde muito pequenos, até por uma questão de educação, somos “ensinados” a mentir. Um pequeno e trivial exemplo é aquela costumeira orientação, quando vamos visitar alguém, de sempre elogiar a comida que nos foi oferecida, não importando se de fato ela agradou nosso paladar. Quando nos machucamos as mães tendem a dizer: “eu dou um beijinho e sara”, mesmo sabendo que a dor continuará ali. E assim ao crescer vamos assistindo nossos pais e os mais velhos contar essas pequenas “mentiras” e aprendendo que fazem parte da nossa convivência social.

O renomado psicólogo infantil Jean Piaget, em seu estudo do desenvolvimento moral, diz que “a tendência de contar mentiras é uma tendência natural…espontânea e universal”. Segundo a psicoterapeuta Cristina Aldenora uma das explicações para essas pequenas mentiras que contamos desde crianças é o medo da rejeição. “Desde muito cedo aprendemos a nos comportar de acordo com os outros esperam, e assim, vamos adquirindo um comportamento não tão autêntico. Dizemos aquilo que sabemos que o outro quer ouvir”. A profissional completa destacando que “temos a necessidade básica de sermos aceitos, de nos sentirmos queridos, e por isso acabamos adotando essas táticas, uma espécie de mecanismo de defesa”.

Percebemos assim que começamos a contar “mentirinhas” desde pequenos e ao longo de nossas vidas vamos “aprimorando essa arte” e a usando a nosso favor, seja na vida pessoal ou no trabalho.

POR QUE MENTIMOS PRA NÓS MESMOS?

Não minta. Você mesmo já mentiu para si mesmo. Parece até um jogo de palavras, mas essa é uma frase muito verdadeira. Basta lembra quantas vezes você já prometeu a si mesmo que irie começar aquela dieta na próxima segunda-feira ou que não iria mais ligar para aquele ex-namorado “tóxico” e não conseguiu cumprir essas metas. Por vezes nossa tendência e responsabilizar outra pessoa ou até o Universo pelos nossos projetos mal-sucedidos, quando no fim das contas o único responsável foi você mesmo.

Cristina explica assim: “Fazemos aquela lista interminável de desejos e metas para nós mesmo, mas na primeira oportunidade que temos, não cumprimos nada do que havíamos estabelecido.

Se isso se repete sistematicamente estamos a “enfraquecer” nossas mentes e sempre achando justificativas para tal”. Segundo a especialista se responsabilizar por aquilo que queremos é fundamental para que se concretize: “o que observamos muito é que as pessoas querem muitas coisas, mas não estão de fato dispostas a trabalhar de forma árdua para as conquistar. Querem que seja “dado”, “oferecido”, afinal assim é mais fácil do que sair da zona de conforto e de fato batalhar para que as metas se realizem”. Dessa forma encontrar justificativas ou culpados para esses nossos fracassos acaba sendo a saída mais comum ou ao invés de nos responsabilizarmos pelos nossos erros.

Segundo outros especialistas na área da mente humana, o autoengano é uma tática psicológica comum – tão comum, de fato, que as pessoas podem até não ter consciência de que estão fazendo isso e usamos essa ferramenta por uma questão de proteção, aceitação e claro, para termos vantagens em certas situações e, portanto, é preciso atenção para que não se torne um hábito tóxico e que prejudique a sua vida.

OMITIR A VERDADE OU “DOURAR” A PÍLULA

“Está tudo bem”, “você não parece gorda nessa calça jeans”, “é uma doença difícil, mas você vai superar”. Essas são aquelas frases clássicas que costumamos usar e que nem sempre correspondem a realidade dos fatos. Mas são mais convenientes e educadas e nos ajudam a manter a civilidade nas relações, quando a realidade nua e crua seria mais trabalhosa e árdua e exigiria explicações.

Alguns classificam essas mentiras como uma “omissão da verdade” ou o dourar a pílula, para que afinal ela não caia tão mal naquele que a recebe.

Para Cristina Aldenora, essas “mentiras leves” são um reforço da nossa própria falta de preparo para encarar a verdade e um reflexo de que muitas vezes quando pedimos a opinião de outras pessoas estamos mais interessados em ouvir o que queremos, ou seja termos a aprovação alheia, do que de fato obtermos a verdade.
Conhecidas comumente como mentiras brancas, são consideradas mais inofensivas ao contrário daquelas “mentiras reais” ou “grandes mentiras”.

Mas fica aqui um ponto de reflexão: já que o que pode parecer um gesto de apoio e compaixão, do ponto de vista de quem está mentindo, pode por outro lado ser visto como uma traição. Afinal, se você contasse de fato a sua amiga que aquela calça vestiria melhor se ela perdesse uns 3 quilinhos, poderia a estar ajudando a abandonar a adotar novos hábitos mais saudáveis, por exemplo.

QUANDO MENTIR SE TORNA UMA DOENÇA

Na literatura da área psicológica a mentira não patológica é descrita como sendo comum entre as pessoas e não é vista como um sinal de qualquer desordem. A situação se torna diferente quando a mentira se torna hábito comum. A chamada mentira patológica, também conhecida como mitomania, é um comportamento crônico no qual a pessoa mente habitual ou compulsivamente. A psicoterapeuta pondera que muitas vezes “a pessoa já não tem controle sobre o ato de mentir. O outro já percebe que o que ela diz não é real e ela segue com a farsa, porque aquilo de certo modo já virou uma realidade na cabeça dela”.

Diante de situações assim, segundo a profissional, o adequado não é confrontar quem está a mentir e sim devolver o que foi dito em forma de pergunta. “São pessoas com dificuldade em aceitar a realidade e na maioria das vezes têm baixa auto-estima, por isso criam mentiras para serem aceitas e se sentirem melhor”.

As causas da mentira patológica são desconhecidas e normalmente associadas a sintomas de certos distúrbios de personalidade, entre os mais comuns: bipolaridade, transtorno de personalidade limítrofe (borderline), transtorno de personalidade narcisista e transtorno de personalidade anti-social.

Nesses casos, a indicação é a de buscar a ajuda de um médico ou terapeuta qualificado. Esses profissionais poderão ajudar os mentirosos compulsivos a compreender sua condição e o modo como ela afeta outras pessoas.

DISTINÇÃO ENTRE VERDADE E MENTIRA: CADA VEZ MAIS DIFÍCIL

“Uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”. Com certeza você já ouviu essa frase atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista, que ficou mundialmente famosa e muito se aplica a realidade que vivemos atualmente, muito através da disseminação das “fake-news” que se tornaram cada vez mais frequentes principalmente com o advento das redes sociais, que ajudam a disseminar essas mentiras e fazem com que elas atinjam milhares de pessoas que passam a acreditar no que leram ou ouviram sem checar as fontes.”

Cada vez menos temos o hábito de questionar aquilo que nos e apresentado”, reitera Cristina.

“Nas redes sociais cada vez se disseminam mais ideias, é um excesso de informação que nos atinge, somos estimulados a toda hora”, afirma a psicoterapeuta, portanto não é de estranhar que “compramos as ideias de outras pessoas e assumimos que são verdades para nós mesmos”, não necessariamente porque estão alinhadas com nossa autenticidade e sim porque nos venderam tão bem essa ideia” e finaliza dizendo que comportamentos assim “fazem parte do senso de integração, do efeito manada”.

Lizandra Ongaratto/MS

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