Temas de Capa

“… alguns deles nem sabiam que existia um lago no fundo da cidade”

Grande parte dos seniores portugueses que vivem em Toronto têm problemas de deslocação, mas nem isso os impede de participarem em atividades de convívio. “Eu quero acreditar que o Wheel-Trans e o TTC estão a fazer os possíveis para acomodar os idosos, o problema é que a população desta faixa etária é enorme quando comparada com as outras”, disse Marília dos Santos, Coordenadora do Grupo da Terceira Idade do Abrigo Centre.

Marília trabalha com idosos há cerca de 17 anos e revela-se muito satisfeita com o trabalho que o Abrigo desenvolve nesta área. “A maioria deles trabalhou a vida toda e só conhecia o caminho de casa para o trabalho, para a igreja ou para o supermercado. Quando começámos a organizar passeios percebemos que alguns deles nem sabiam que existia um lago no fundo da cidade”, contou ao Milénio Stadium.

Muitos dos idosos passam o dia inteiro sozinhos em casa e o Abrigo Centre acaba por ser o único convívio que têm. “Há muita depressão, muito isolamento, muita solidão. Reparámos que quando eles começaram a participar nas nossas atividades apresentaram melhorias ao nível da autoestima e da socialização. Seja para pintar ou dançar, o importante é que eles saiam de casa”, explicou.

Angelina de Jesus Lisboa tem 88 anos e a sua vida era capaz de inspirar a sétima arte. Ficou viúva cedo e teve que se fazer à vida para criar dois filhos. “Venho cá porque preciso de viver a vida. Há alguns anos tive um problema de saúde a bordo de um avião e o especialista recomendou-me o Abrigo Centre, na altura eles ainda estavam localizados no Dufferin Mall. Gosto de estar nos computadores, de dançar, de cantar e de estar com as minhas amigas. Sempre que posso falo com a minha filha no Facebook e agora até já tenho um iPad que o meu filho me ofereceu”, partilhou.

A lista de espera é grande, mas as verbas não chegam para ampliar o Abrigo Centre. “A grande maioria dos nossos utentes são mulheres que passavam os dias sozinhas em casa e que tinham um telefonema de vez em quando. Temos cerca de 250 utentes e os nossos programas são às terças, quartas e quintas das 9:30 às 15 horas. No Dia da Mulher tivemos aqui 110 pessoas e já estamos a ficar com muito pouco espaço. Queríamos estender o programa para mais dias, mas isso implica mais despesas de funcionamento”, referiu a coordenadora.

O Abrigo apoia cerca de 1300 idosos na apresentação anual do IRS e as atividades incluem refeições saudáveis. “Eles pagam $5 e têm direito a pequeno-almoço e almoço porque os programas não são financiados pelo governo. A maioria das refeições vem de fora porque não temos cozinha e fazemos os possíveis para que sejam saudáveis”, adiantou.

Angelina recorda-se bem dos primeiros tempos no Canadá. “Tive pouca sorte porque os senhores que me fizeram o primeiro contrato de trabalho exploraram-me. Em vez de começar às 9 e sair às 17 horas, às 22 ainda estava a passar a ferro. Do meu ordenado tiravam $300 para dormir; $300 para comer e $200 para o telefone. No fim acabava por não ganhar quase nada e ainda tinha de enviar dinheiro para Portugal para os meus filhos”, informou Angelina.

Os idosos queixam-se do elevado custo de vida em Toronto, do preço do arrendamento e da alimentação. “Quando fui para este sítio pagava $200 de renda e tinha direito a TV. Agora já passa de $500 e só tenho luz, água e gás incluído. Não é fácil, a alimentação também é muito cara, mas já estou habituada a esticar o dinheiro. Precisamos de mais casas acessíveis na cidade”, exemplificou.

 

João Pires, de 65 anos, nasceu em São Miguel, nos Açores e trocou Vancouver por Toronto. No Abrigo é o homem dos sete ofícios e não dispensa o bom humor. “Gosto de jogar às cartas e de conviver com a malta. Venho sempre que posso e quando está muito frio procuro Abrigo. Às vezes aparecem uns trabalhos, mas precisamos de tempo e de pessoal para ajudar. Gosto de estar em casa, mas as paredes começam a apertar, está-me a compreender? Gosto muito do Canadá, mas tenho muitas saudades da minha terra, emigrei há quase 50 anos e já não vou lá há 20 anos”, partilhou.

Joana Leal

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