“A solidão é uma preocupação crescente entre os idosos” – Natália Russo
Não é fácil envelhecer. As dores físicas vão massacrando o dia-a-dia, de uma forma progressiva, mas constante, retirando qualidade de vida. Mas são as dores da alma as que, normalmente, doem mais. A dor de perceber que “já não sou aquilo que era”, que se vão perdendo capacidades que demos sempre como naturais e inerentes à nossa forma de viver. É fundamental, para quem está a envelhecer, ter a consciência de que essa é uma consequência natural do passar dos anos, e não deixar que tal facto afete a perceção do que sempre foi e continua a ser. Seja qual for a circunstância da vida, sejam quais forem as condições físicas em que se encontrem, os mais velhos serão sempre pessoas merecedoras de toda a atenção e respeito.
A saúde mental dos idosos, quando mostra fragilidades, está muito relacionada com a solidão que sentem, com a falta de carinho, e com o facto de, na maior parte dos casos, terem vivido demasiadas perdas de pessoas que sempre fizeram parte da sua história, mas que partiram para outra dimensão, deixando um rasto de tristeza.
Com a psicóloga Natália Russo, entendemos melhor o processo de transformação da mente, o que nos pareceu essencial incluir nesta edição que dedicamos ao envelhecimento e suas implicações. Para que saibamos todos lidar, de forma adequada, com os nossos velhos e com o nosso próprio envelhecimento.
Milénio Stadium: O envelhecimento está normalmente associado à diminuição das capacidades físicas e mentais. Que efeito a consciência desse facto tem na saúde mental dos mais velhos?
Natália Russo: No meu consultório em Montreal e nas consultas online, o cuidado com familiares idosos é um tema constante, independentemente da nacionalidade dos pacientes. Para mim, que tenho parentes na terceira idade, isso é um assunto de grande impacto pessoal.
Eu sinceramente acredito que a percepção da redução das capacidades físicas e mentais pode realmente afetar a saúde mental dos idosos. Com o envelhecimento, muitos percebem uma perda de habilidades e uma sensação de vulnerabilidade, o que pode intensificar sentimentos de solidão e isolamento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, até 2030, uma em cada seis pessoas no mundo terá 60 anos ou mais, e cerca de 14% dos idosos viverão com transtornos mentais.
Geralmente esses sentimentos de perda e vulnerabilidade resultam em baixa autoestima, aumentando o risco de depressão e ansiedade. Além disso, o estigma associado aos transtornos mentais pode levar os idosos a hesitar em buscar ajuda, agravando suas dificuldades. O abuso aos idosos também é uma questão séria e facilmente observada e constatada todos os dias através da midia social. Segundo a OMS, uma em cada seis pessoas idosas é vítima de maus-tratos, o que pode aumentar ainda mais o estresse e a ansiedade dessas pessoas.
Portanto, sempre alerto aqueles que me procuram sobre a importância de criar um ambiente de apoio e compaixão para os idosos. Ajudar os mais velhos a lidar com essas mudanças, incentivar o diálogo aberto e buscar suporte profissional são passos cruciais para manter a qualidade de vida e o bem-estar mental.
MS: De que maneira podemos apoiar os idosos quando há, da parte deles, alguma resistência para aceitarem a evidência de que já não podem fazer determinadas coisas?
NR: Considero que a aceitação de ajuda domiciliar por idosos é um tema amplamente estudado, e as pesquisas mostram que a forma como a assistência é oferecida e recebida pode impactar significativamente o bem-estar e a qualidade de vida dos idosos. A percepção da ajuda e a disposição para aceitá-la são influenciadas por fatores como autonomia, orgulho e a natureza da relação com o cuidador. Pesquisas mostram que a percepção de perda de autonomia é um dos principais fatores que contribuem para a resistência à ajuda domiciliar. Muitos idosos temem que aceitar ajuda signifique perder a independência, o que pode causar frustração e resistência. Estudos, como os publicados na Journal of Applied Gerontology, indicam que quando os idosos têm a oportunidade de participar das decisões sobre o tipo e o momento da ajuda, eles são mais propensos a aceitá-la de forma positiva.
Acredito que a qualidade da relação entre o idoso e o cuidador também é fundamental. A escolha de um cuidador com quem o idoso possa estabelecer uma relação amigável e respeitosa pode melhorar a aceitação da ajuda. Além disso, a introdução de um período de experiência com a ajuda domiciliar pode facilitar a aceitação, permitindo que o idoso experimente a assistência antes de tomar uma decisão final. Assim, a ajuda domiciliar deve ser oferecida de maneira sensível e respeitosa, reconhecendo e abordando as preocupações dos idosos para promover uma aceitação mais positiva e eficaz.
MS: A solidão é uma das principais causas de quadros depressivos nos idosos. Como podem ser aconselhados a contorná-la e a saber viver com o facto de os filhos e netos terem dificuldade em os acompanhar diariamente?
NR: Eu entendo que a solidão é uma preocupação crescente entre os idosos, especialmente quando a família não está por perto com frequência. John Cacioppo, um renomado pesquisador sobre o tema, descreve a solidão como “um sentimento avassalador de desconexão e isolamento” (Cacioppo & Patrick, 2008).
Com o envelhecimento da população, muitos idosos enfrentam essa sensação, que pode se intensificar durante datas festivas (aniversários, Natal, Páscoa, etc.) mas também pode estar presente no dia a dia. Não devemos subestimar a solidão, pois ela pode ter efeitos profundos na saúde e no bem-estar.
Penso que há várias maneiras de ajudar os idosos a enfrentar a solidão, mesmo que a família possa não estar todo o tempo presente:
• Participar de Atividades Sociais: Envolver-se em grupos comunitários, clubes de hobbies ou atividades voluntárias pode fazer uma grande diferença. Estudos do National Institute on Aging (NIA) mostram que estar em contato com outras pessoas melhora a saúde mental e reduz a sensação de solidão.
• Utilizar a Tecnologia: A tecnologia pode ser uma grande aliada. De acordo com uma pesquisa publicada na Gerontologist, videochamadas e redes sociais ajudam a manter o contato com a família e amigos, mesmo à distância. Ensinar os idosos a usar essas ferramentas pode facilitar a comunicação e fortalecer os laços afetivos.
• Buscar Ajuda Profissional: A terapia psicológica pode ser muito útil para oferecer suporte emocional e desenvolver estratégias para lidar com a solidão.
• Participar de Programas de Enriquecimento: Atividades como aulas de arte ou música não só trazem prazer, mas também ativam áreas do cérebro ligadas à criatividade e socialização.
• Manter-se Ativo Física e Mentalmente: Caminhadas, leitura e jogos de quebra-cabeça são ótimas maneiras de manter o cérebro saudável e reduzir a sensação de solidão, conforme indica o American Journal of Preventive Medicine.
• Encontrar Maneiras Criativas de Conectar-se com a Família: Mesmo que virtualmente, manter o contato com a família pode fortalecer os laços e diminuir a sensação de distância.
Com essas estratégias, é possível amenizar um pouco a solidão e viver de maneira mais equilibrada e satisfatória, mesmo com o contato diário com a família limitado.
MS: Como podem os cuidadores de familiares idosos proteger a sua saúde mental?
NR: Eu vejo que cuidar de familiares idosos pode ser uma jornada desafiadora, frequentemente resultando em níveis elevados de estresse. Estima-se que muitos cuidadores enfrentam essa carga emocional, que é descrita como Transtorno de Carga de Cuidador (TCC). Embora o TCC não esteja listado no DSM, ele ilustra o impacto do estresse acumulado sobre a saúde mental dos cuidadores.
A falta de suporte pode comprometer não só a saúde mental dos cuidadores, mas também a qualidade do cuidado prestado. Felizmente, existem maneiras de mitigar esses efeitos. Buscar apoio em grupos, procurar aconselhamento e adotar técnicas eficazes para gerenciar o estresse são estratégias essenciais. Como destacam Schulz e Beach em seu estudo na Journals of Gerontology (2008), “o suporte adequado pode fazer uma diferença significativa na saúde mental dos cuidadores e na qualidade do cuidado que oferecem” (Schulz, P. J., & Beach, R. C., 2008). Adotar essas abordagens pode ajudar a criar um ambiente mais equilibrado e sustentável para quem cuida.
MS: Permanecer em casa ou ir para uma instituição é sempre uma decisão difícil de tomar, mas o que é melhor na perspetiva da saúde mental do idoso?
NR: Eu considero que a maioria dos idosos prefere permanecer em casa em vez de se mudar para um lar de idosos. Manter o cuidado domiciliar é, frequentemente, a escolha dos familiares, que desejam que o idoso continue em seu próprio ambiente. E sim, eu acredito que isso pode ajudar a preservar o bem-estar e a saúde mental do idoso. Respeitar a preferência dos indivíduos e considerar o cuidado em casa como a primeira opção é essencial, desde o início e ao longo do processo.
No entanto, infelizmente, essa escolha nem sempre é a mais adequada para todos. Para que o cuidado em casa funcione bem, é importante que certas condições sejam atendidas. O idoso deve estar em boa saúde, contar com o apoio da família e a casa precisa ser adaptada às suas necessidades. As finanças também devem permitir essa organização de forma segura.
Laura Carstensen, professora de psicologia na Universidade de Stanford, destaca que estar em um ambiente familiar pode oferecer um senso de continuidade e segurança emocional, essencial para o bem-estar mental do idoso. Apesar das vantagens do cuidado em casa, é importante garantir que a casa seja adequada e que o suporte seja suficiente para evitar sentimentos de solidão e frustração. Apenas quando o cuidado em casa não é realmente viável, deve-se considerar as necessidades do idoso ao escolher uma instituição.
MS: Atualmente a população envelhece mais tarde, mas vive mais anos depois de sentir as suas capacidades diminuídas (pela velhice). Será por isso que cada vez se ouve falar mais de problemas de saúde mental na população idosa?
NR: Acho que sim, pois à medida que vivemos mais, enfrentamos um período mais longo de desafios relacionados à saúde mental. Mesmo que a expectativa de vida tenha aumentado, muitos idosos lidam com problemas como depressão e ansiedade, exacerbados por mudanças físicas e o isolamento social.
O envelhecimento traz alterações no cérebro e pode aumentar a vulnerabilidade a essas condições. É essencial que a sociedade promova suporte e crie ambientes que ajudem na manutenção da saúde mental, como programas de socialização e cuidados médicos adequados.
Como destaca o artigo de Lins et al. (2023) em “Saúde Mental na Terceira Idade: Desafios e Intervenções”, a integração de cuidados médicos e psicológicos é crucial para a qualidade de vida dos idosos.
Para encerrar, deixo uma citação do autor brasileiro Rubem Alves: “A velhice é um sonho que a gente tem que viver para ser feliz.” Assim, precisamos garantir que nossos idosos possam viver esses anos adicionais com dignidade e bem-estar.
MB/MS
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