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A sociologia há muito que nos ensinou que as ameaças externas são um poderoso impulso para cerrar fileiras – Seth Abrutyn

Créditos: DR.

Com Seth Abrutyn, professor de Sociologia na Universidade da Colúmbia Britânica, percebemos como as políticas e a retórica de Donald Trump estão a moldar a identidade social e política dos canadianos. Abrutyn mostra-nos como, na sua perspetiva, a ameaça representada por Trump está a conseguir catalisar uma maior coesão interna no Canadá, impulsionando sentimentos nacionalistas em resposta a desafios económicos e políticos, como a imposição de tarifas aduaneiras e a proposta de anexação do Canadá. Com Seth Abrutyn também tentamos entender o impacto de tudo o que tem acontecido, desde a tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos EUA, na perceção dos canadianos sobre a sua cultura, valores e identidade. Por outro lado, o professor de sociologia de B.C. também nos fala de como a diversidade étnica e cultural do país pode ser convertida num sentimento de pertença comum. 

Milénio Stadium: De que maneira as políticas e retóricas de Donald Trump estão a impactar a identidade social e política dos canadianos?

Seth Abrutyn: A retórica de Trump, em particular, parece estar a catalisar um sentimento mais forte de identidade canadiana do que os apelos feitos pelos partidos ou instituições políticas canadianas. O Canadá é um país geograficamente grande, com uma população do tamanho da Califórnia. Como tal, as distinções regionais, provinciais e mesmo urbanas/rurais são inevitáveis, ao ponto de a maioria dos canadianos se identificar fortemente com identidades que são locais e não nacionais. Mas as ameaças de Trump transcendem estas divisões, especialmente após dois anos de taxas de juro elevadas e subsequente sofrimento económico.

MS: Acredita que as ameaças de Trump (imposição de tarifas e anexação do Canadá como 51º. Estado dos USA), estão a ter um efeito positivo na coesão interna do Canadá, especialmente no fortalecimento do sentimento nacionalista canadiano?

Seth Abrutyn. Créditos: DR.

SA: A sociologia há muito que nos ensinou que as ameaças externas são um poderoso impulso para cerrar fileiras e ver a semelhança onde antes era visível a diferença. As ameaças de Trump, no entanto, são únicas porque atuam a dois níveis. O primeiro é económico. Durante alguns anos, os canadianos sofreram com as elevadas taxas de juro, que se agravaram com a crescente inacessibilidade do mercado imobiliário, não só em áreas urbanas tradicionais como Vancouver ou Toronto, mas aparentemente em todo o lado. A ideia de um ataque à nossa economia, especialmente após 30 anos de comércio livre e um forte sentimento de proximidade, é suficiente para desencadear a solidariedade nacional. Espero que os slogans “compre canadiano” aumentem, juntamente com a rejeição simbólica e prática de produtos e empresas americanas. A segunda ameaça é a ameaça política que Trump provoca em relação ao nosso direito à soberania e à auto-determinação. Nenhum país ou povo deseja ser integrado noutro. Este sentimento, por si só, está a levar as pessoas a comprar bandeiras e a recuperar ou a expressar, pela primeira vez, um sentimento de orgulho nacional. Mas há uma outra parte que vem da visibilidade do Estado americano. Poucos aqui querem abdicar dos seus cuidados de saúde em troca do sistema de casino dos EUA, do tipo “faça você mesmo”; ninguém quer perder a proteção do governo contra o capitalismo predatório por um Estado que parece convidar e celebrar esse tipo de relação entre política e economia.

MS: Este ambiente conflituoso entre o Canadá e os Estados Unidos que se vive no momento, está a afetar as perceções dos canadianos sobre a sua própria cultura e valores?

SA: Penso que é demasiado cedo para saber se esta ameaça é de curto prazo ou se tem implicações duradouras. Trump é errático, perde a atenção rapidamente e pode mudar de rumo à medida que a sua própria situação interna evolui.

MS: Que mudanças no comportamento social ou nas atitudes dos canadianos tem observado em resposta às ameaças de Trump?

SA: Na sua maioria, o que se poderia esperar a curto prazo: alterações nos padrões de consumo e o aumento da visibilidade de manifestações simbólicas como bandeiras ou vestuário.

MS: Com a imposição de tarifas, a vida no Canadá vai ficar ainda mais difícil – preços mais elevados; desemprego a aumentar (em alguns setores aumentará mesmo muito…). Quando as pessoas se virem confrontadas com este quadro negativo a impactar a vida do seu dia a dia, atribuirão a responsabilidade a Trump ou poderão responsabilizar as autoridades canadianas? Qual é a sua perceção?

SA: Penso que a maioria das pessoas no Canadá compreende a diferença entre culpar o atual partido liberal pelas taxas de juro elevadas ou pela política interna e a dor infligida por um agente externo como Trump. O facto de ele continuar a dizer coisas nas redes sociais e nos meios de comunicação tradicionais semanalmente e, por vezes, diariamente, é um claro lembrete das decisões sem sentido que toma e da ameaça que representa. Se alguma coisa podemos afirmar é que Trump reforça a mão dos Liberais, uma vez que o Partido Conservador tem o ónus de provar que será protecionista e não apenas apaziguador de Trump.

MS: Considera que esta Nação, composta por Províncias que funcionam um pouco como um Estado dentro de um Estado, pode realmente funcionar em bloco para defender o interesse comum?

SA: Se pensarmos no início de fevereiro, quando Trump tentou inicialmente impor as tarifas, vimos todas as províncias a tomar medidas para mostrar solidariedade económica. A retirada do álcool americano das prateleiras, por exemplo, não foi simbólica, mas sim uma política destinada a prejudicar os eleitores republicanos. Também foi revelador que mesmo Alberta, cujo governo provavelmente se assemelha às posições ideológicas do atual Partido Republicano em muitas questões, viu os seus interesses alinhados com o Canadá e não com Trump ou com os EUA.

MS: O Canadá é também uma nação que acolhe uma multiplicidade de etnias e culturas. Neste momento, pensa que essa multiplicidade pode transformar-se em união, sentimento de pertença (relativamente ao país de acolhimento) e vontade de defender os interesses canadianos?  

SA: Eu sempre advertiria contra este pensamento, devido à dualidade da diversidade. Por um lado, a diversidade proporciona flexibilidade, adaptabilidade, criatividade e saúde geral a qualquer comunidade, pequena ou grande. Por outro lado, a diversidade é sempre suscetível de gerar conflitos sobre questões reais e imaginárias. Nações como o Canadá ou os EUA lutam sempre para fomentar um sentimento de “nós”, sobretudo porque a cola que mantém unida a maioria das relações ou grupos é emocional e construída a partir de interações recorrentes e frequentes. Uma família ou um grupo de pares pode gerar uma forte coesão porque as pessoas se vêem regularmente, geram esse sentimento de efervescência colectiva através de pequenos encontros quotidianos e afirmam a sua pertença. Desde que as pessoas interajam frequentemente, como numa pequena cidade onde as pessoas vão aos mesmos supermercados e restaurantes, escolas e igrejas, um sentido mais amplo de história e destino partilhados permeará a vida das pessoas. Mas, numa província ou num país geograficamente disperso, a oportunidade para estes rituais regulares é reduzida. As férias, os eventos desportivos globais como os Jogos Olímpicos, etc., são os únicos meios de gerar estes sentimentos, mas estes são esporádicos e efémeros. É por isso que o resultado de uma ameaça como a de Trump pode ser razoavelmente previsto a curto prazo, mas não tanto a longo prazo.

MB/MS

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