Temas de Capa

A praça pública de hoje

Dos tempos em que as praças representavam o centro de toda a vida das cidades – o local de todas as decisões; do tempo em que junto aos Pelourinhos se faziam julgamentos sumários onde sem apelo, nem agravo, ou seja sem possibilidade de defesa, se condenavam os que eram considerados criminosos, vem a expressão “fazer julgamentos na praça pública”. Horroriza qualquer ser humano dos dias de hoje a ideia de que alguém pudesse ser condenado assim – perante uma horda de ódio e preconceito e onde a força dos mais bem colocados na sociedade determinava a sua vida ou morte.

Todos nós nos afirmamos defensores do chamado Estado de Direito que, pelo menos nas civilizações ocidentais, foi instituído para tornar a sociedade mais justa, e igualitária. Insurgimo-nos aliás, com as falhas dos sistemas que permitem, por vezes, injustiças processuais que resultam em anos de privação da liberdade ou até condenações à morte de inocentes. Felizmente a sociedade evoluiu e não permite, nem participa nesse tipo de justiça próprio da antiguidade greco-romana ou dos tempos medievais. Ou… não?

Ganhou uma outra dimensão (infinitamente maior), tornou o papel de juiz acessível a todos (os informados, os ignorantes, os que nada sabem, mas que pensam que sabem tudo), e assumiu um outro nome (a praça pública de outros tempos designa-se agora “rede social”), mas herdou a missão ignóbil de julgar e condenar, sem que o “réu” tenha hipótese de defesa. Este é o lado mais negro de uma extraordinária ferramenta que este século trouxe à humanidade – as redes sociais que nos ligam, nos informam, nos alertam são também e demasiadas vezes a praça pública onde os discursos de ódio se instalam e perpetuam. No entanto, não podemos esquecer que é também nesta “praça pública” que, não raras vezes, são denunciadas situações intoleráveis para a convivência humana e que alertam a sociedade para realidades que o mundo parece não ver ou não querer reconhecer a existência. Através das redes sociais acompanhamos realidades políticas e sociedades distantes que oprimem liberdades e direitos, sabemos de populações migrantes a viver em condições deploráveis, acompanhamos lutas pela liberdade, assistimos ao surgimento de movimentos pro-democracia. E percebemos que, associando à capacidade amplificadora da rede social as funções de gravação de imagem e som dos smartphones, conseguimos ser cidadãos mais ativos e contribuir para a denúncia ou divulgação do que nos impressiona quer seja algo positivo ou negativo.

Quando nas redes sociais surgiram as imagens da detenção e morte de George Floyd o mundo acordou para uma realidade que há muito se conhecia, mas todos pareciam querer ignorar – o racismo existe e a violência policial também e, muitas (demasiadas) vezes, andam de mãos dadas. Este é sem margem para dúvidas um dos lados bons das redes sociais, mas as consequências do impacto dessas imagens e de outras semelhantes que se seguiram, trouxeram à tona uma realidade que se torna preocupante – a facilidade com que, de repente, toda uma classe profissional é condenada e, pior ainda, condicionada na ação de controlo e defesa da sociedade civil. Hoje acredito que seja difícil para muitos polícias sair para as ruas e exercer a sua função. Acredito que o receio de serem mal interpretados e julgados em praça pública, graças a um qualquer telemóvel que grave e retire de contexto tudo o que fazem, exista e por isso condicione o seu desempenho profissional.

É necessário que reconheçamos que não somos todos iguais e que não podemos julgar todos pelas ações de alguns. A esmagadora maioria dos agentes da autoridade são bons profissionais. Precisamos que todos se sintam confiantes na sua ação enquanto defensores da paz e bem-estar públicos. Não podemos ser muito avançados tecnologicamente e medievais nos julgamentos precipitados feitos nesta imensa praça pública que quase todos nós frequentamos diariamente.

Madalena Balça/MS

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