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A música e tudo à volta

Com 14 anos de história, cerca de 500 espetáculos produzidos por ano e com organização de concertos em mais de 50 países, a Sons Em Trânsito é, neste momento, uma das maiores e mais prestigiadas produtoras portuguesas de espetáculos, agenciamento e gestão de carreira de artistas. Vasco Sacramento começou sozinho produzindo espetáculos na sua terra natal, Aveiro, mas rapidamente se transformou num grande empresário neste ramo da promoção da cultura portuguesa. Hoje a sua empresa continua sediada na capital dos moliceiros, tem já 27 colaboradores, e é uma referência de qualidade e prestígio a nível nacional e internacional. Representa alguns dos principais artistas portugueses (Ana Moura, Pedro Abrunhosa, António Zambujo, Luísa Sobral… entre muitos outros), bem como alguns grandes artistas internacionais.

Vasco Sacramento aceitou partilhar com o Milénio Stadium o seu muito experiente olhar sobre o negócio associado à produção musical, tanto na perspetiva da internacionalização, como da “importação” de valores musicais de origem portuguesa, mas residentes fora de Portugal.

Milénio Stadium: Quais são os critérios para internacionalizar artistas? A diáspora, as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, que importância têm para um homem de negócios chamado Vasco Sacramento?
Vasco Sacramento: Têm bastante! E têm de uma forma até bastante descomplexada. Quando eu comecei a trabalhar nisto muitos artistas portugueses diziam “eu estive agora em Nova Iorque, mas era só americanos, só havia dois ou três portugueses na plateia” e isso sempre foi uma coisa que me irritou, porque parecia quase que os portugueses valiam menos que os americanos, franceses, alemães, suíços… ou o que fosse. E isso para mim sempre foi uma coisa que nunca fez grande sentido e acho que a nova geração de artistas alterou esse paradigma. Nós temos uma diáspora poderosíssima em muitos pontos do planeta, temos uma nova diáspora portuguesa, que tem a ver com as novas gerações que saíram do país nos anos da crise e que se instalaram até em sítios onde nem havia comunidades portuguesas assim tão numerosas, como por exemplo, Londres, Madrid, países nórdicos e até Austrália, e eu acho que, hoje em dia, nós temos que olhar para esses territórios como uma extensão natural do nosso próprio território.

M.S.: Mas essa aposta traz um importante acréscimo de custos por espetáculo. Há as despesas com viagens e estadia, por exemplo. Quais são as principais dificuldades/obstáculos que sentem e têm necessidade de ultrapassar?
V.S.: Sim, é verdade. As dificuldades são, basicamente, sempre as mesmas – a distância, as passagens aéreas, a carga, por exemplo… nós temos que levar sempre muito equipamento e, portanto, o transporte da carga também é sempre um problema. Depois ainda temos as questões burocráticas, os vistos, as discrepâncias fiscais que existem de país para país – por exemplo, os Estados Unidos da América são um desafio porque cada Estado tem a sua própria legislação. E, obviamente, acaba por ser também um desafio a parte da comunicação, da promoção, do marketing, porque nós obviamente a esta distância não conseguimos controlar tão bem as coisas como controlamos quando damos um espetáculo em Lisboa, no Porto ou em Coimbra. São estas as principais dificuldades. E depois também nem todos os artistas têm potencial de exportação – e os artistas portugueses têm que estar cientes disso – há alguns que pelas suas próprias caraterísticas musicais, nomeadamente, têm um potencial internacional mais limitado. Por outro lado, eu acho que o nosso potencial de exportação não está minimamente aproveitado ainda e ajudaria bastante que existisse uma coisa (que em Portugal não existe muito…) que é a diplomacia cultural. Nós temos muitas representações diplomáticas espalhadas pelo mundo e eu, muitas vezes, sinto-me muito desapoiado por essas estruturas ou pelo AICEP, também. Não existe um programa coordenado para nos ajudar a exportar a nossa música. E não só a música, a nossa cultura. E quando digo ajudar… as pessoas já devem estar a pensar “bem, lá está este a pedir um livro de cheques, mais um subsídio…”. Não! Não estou a falar de nada disso. Estou a falar mesmo de diplomacia, de trabalho, de estabelecer contactos e construir pontes, algum aconselhamento. Por exemplo, eu, enquanto importador de música estrangeira para Portugal, sou muitas vezes abordado por embaixadas (África do Sul, Israel, Marrocos, França, etc…) de muitos países que sabem que eu sou um potencial comprador de música e me abordam com sugestões, com ideias, enviam-me discos… etc.. Salvo raras exceções, por exemplo, há algumas embaixadas portuguesas onde há pessoas que fazem um pouco esse trabalho, mas por sua própria iniciativa, por carolice, porque gostam de fazer esse trabalho, mas nós não temos uma estrutura diplomática sensibilizada para isto. Não percebendo, muitas vezes, que esta matéria, esta área cultural e de espetáculos musicais também pode ser uma alavanca e uma ferramenta de suporte à nossa própria afirmação internacional, noutros domínios da economia. Acho que é uma oportunidade que devia ser muito mais explorada.

M.S.: Temos estado a falar na exportação de artistas da música portuguesa, mas como já ficou claro pelas suas palavras, a Sons em Trânsito também traz muitos artistas de fora para mostrarem a sua música em Portugal. E artistas portugueses ou de origem portuguesa, que vivem nas comunidades espalhadas pelo mundo? Alguma vez considerou a hipótese de incluir alguns deles, ou pelo menos tentar descobri-los e tentar perceber se têm algum potencial para fazerem parte da sua carteira de artistas?
V.S.: Sim. Como é óbvio não é uma impossibilidade, ou seja, há artistas portugueses que estão na diáspora que eu conheço e que gosto. Talvez isso ainda não tenha acontecido porque para um artista pertencer à minha carteira tem que ser, na minha opinião, não quer dizer que o seja, mas para mim tem que ser especial, e eu ainda não senti isso em nenhum deles. Também confesso que não estou muito bem informado. Também desse ponto de vista falta fazer algum trabalho, e sei que há pessoas com vontade de o fazer, de maior divulgação desses artistas em Portugal, de os trazer para cá. Porque também é muito ingrato estar do outro lado do mundo e não conseguir dar a conhecer o seu trabalho aqui. De facto, as oportunidades que se possam desenvolver são curtas e escassas. Mas enfim… não é uma realidade que eu, à partida, exclua, ou seja, se aparecer um artista que me seduza, que me convença do seu potencial, para mim é irrelevante se ele mora no Príncipe Real ou se mora em Toronto.
Queria aproveitar esta oportunidade para agradecer especialmente à nossa comunidade, à nossa diáspora, neste caso específico no Canadá, porque uma das coisas que mais me emociona e mais me cativa nas inúmeras viagens que faço acompanhando os artistas portugueses é a dedicação, a generosidade e o orgulho que a diáspora portuguesa sente pela sua música, pela sua cultura. Portugal é um país minúsculo na sua dimensão geográfica, é um país muito pequenino, com 500 kms de extensão praticamente, mas é um país gigantesco na sua dimensão espiritual, humana e cultural. E isso deve-se muito à teimosia e à persistência com que as nossas comunidades se recusam a abandonar a sua cultura e o orgulho com que transportam essa bandeira e essas raízes pelo mundo fora. E tão orgulhosos que nos deixam aqui em Portugal.

Madalena Balça

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