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A mola que comanda cérebros

Todos sabemos que o racismo prejudica a sociedade de múltiplas formas. É também fácil concordarmos que não faz nenhum sentido vivermos num país onde existam pessoas vítimas de discriminação, de algum tipo de ódio, e onde seja posta em causa a sua dignidade. Isto não é o Canadá. Eis a expressão que mais temos ouvido nos últimos tempos marcados por uma sucessão de revelações ou eventos dramáticos que têm enchido páginas de jornais, abrem telejornais, ocupam tempo de debate nas rádios ou preenchem as timelines das redes sociais. Isto não é o Canadá, dizem políticos e influentes personas dos media. O Canadá, o país do multiculturalismo, do respeito pelas diferenças? Será que este país se coaduna com a imagem que ultimamente tem passado para o mundo? Será que os órgãos de comunicação estão a cumprir a sua missão de informar? Ou será que a pressão social e política está de algum modo a condicionar o seu trabalho?

 

A mola que  comanda cérebros-capa-mileniostadium
Créditos: Noah Ganhão

 

Howard Ramos, Professor e Chair do Departamento de Sociologia da Western University, ajuda-nos com sua visão a olhar para este assunto com o distanciamento de quem estuda a sociedade e a forma como interagimos uns com os outros. Como se tem posicionado a comunicação social canadiana perante estes eventos que se relacionam com alguma forma de discriminação social, religiosa ou racismo? Afinal, como é que estes temas têm sido tratados?  “Os grandes meios de comunicação social canadianos têm sido bons na forma como tratam o racismo sistémico e a discriminação religiosa, no entanto, quando as lentes estão voltadas para si mesmos, não conseguem ser tão focados e críticos. Ao mesmo tempo, nos últimos anos, a diversidade étnica de quem apresenta notícias na televisão e na rádio e as escreve nos maiores jornais do país tornou-se cada vez maior e mais regular. As redações estão a mudar, bem como a forma como as histórias são cobertas”. 

Nos dias de hoje há vários fatores que vão muito para lá da agenda mediática, que acabam por determinar o dia-a-dia de um órgão de comunicação e tornam ainda mais difícil garantir a convivência pacífica entre a necessidade de divulgação do evento/notícia em si, sem descurar a ponderação entre o que realmente tem interesse para o grande público e a forma como se transmite a mensagem. Por outro lado, há um elemento nesta equação que cada vez pesa mais e perturba a reflexão sobre o que fazer e, sobretudo, como – a sobrevivência económica. Neste contexto, Howard Ramos entende que “o papel dos media é relatar eventos e evitar amplificar vozes extremas ao fazê-lo. De um modo geral, os media canadianos tendem a ser bons nisso, mas são frequentemente criticados por importarem narrativas externas. Também têm sido criticados por silenciar os problemas que existem nas comunidades canadianas, muitas vezes caindo em narrativas mais antigas de racismo e discriminação como se fossem forças externas, que não são representativas do Canadá. Eventos cada vez mais recentes mostram que o Canadá também luta contra o racismo, a discriminação e o extremismo, apesar da sua posição única no mundo”. “

Quanto à questão financeira, ganha ainda mais relevância num quadro de pandemia que retira tantas receitas publicitárias aos meios de comunicação e os fragiliza ainda mais, tornando-os cada mais permeáveis a pressões de vária ordem, nomeadamente, da agenda das redes sociais. É que é aí que percebem o que poderá dar-lhes a audiência desejada e cada vez mais vital. E não raras vezes são as redes sociais que acionam a mola que comanda cérebros – fala-se, escreve-se, mostra-se, o que as pessoas querem ouvir, ler e ver. Howard Ramos acredita que apesar de tudo “os media estão a cumprir o seu papel, mas a pressão por notícias constantes e em tempo real, as redes sociais e cobertura de notícias não pagas alterou a profundidade das histórias tratadas e muitas vezes diminui a nuance necessária para questões complexas. Também ocorreram profundas mudanças de geração nos valores sociais por parte dos que trabalham nas redações. Tudo isso mudou a forma como as notícias são cobertas na última década”. 

E a política? Que papel tem a movimentação política no desempenho e na forma com a comunicação social trabalha determinados temas, mais fraturantes na sociedade? Até que ponto também aqui há interferência, ainda que de forma indireta, do aparelho político no poder ou fora dele, na gestão dos temas e na, maior ou menor, profundidade ou amplificação com que são tratados? A resposta é do Professor do Departamento de Sociologia da Western University – “não tenho certeza se este é o caso dos principais meios de comunicação no Canadá. Certamente é algo visto nos Estados Unidos e em canais de nicho e redes sociais, mas a CBC, CTV, Global ou Globe and Mail, Toronto Star ou Le Devoir e canais semelhantes, geralmente cobrem histórias de forma semelhante com equilíbrio e reflexo do mais amplo ponto de vista dos canadianos”. 

O conceito de imparcialidade é básico e fundamental numa perspetiva de ética jornalística e cruza-se com tudo o que até aqui foi dito e na opinião de Howard Ramos “a necessidade de cobrir os dois lados da história é uma longa tradição da comunicação social. É uma questão que tem sido cada vez mais questionada com o aumento dos meios de comunicação não convencionais, bem como com a divisão política entre os meios de comunicação convencionais nos Estados Unidos. É um equilíbrio delicado. Ao mesmo tempo, os canadianos partilham valores da grande maioria em torno de equidade, justiça e uma série de outras questões e, nesses casos, a comunicação social muitas vezes também compartilha esse ethos. Isso significa que a grande comunicação social cobre histórias sobre racismo com integridade crítica e faz parte do quebra-cabeças que está tem vindo a mudar a narrativa.”

A verdade é que a força social, política e económica do Canadá advém da unidade na diversidade – o racismo só tornará o país mais fraco. 

Catarina Balça/MS

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