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A importância da participação política

Foto: Steve Russell/Toronto Star

 

A política surgiu na vida de Ana Bailão de forma inesperada. Em 2003 Mario Silva, na época vereador da Câmara de Toronto, convidou-a para trabalhar no seu gabinete. Quando aceitou, Ana estava longe de imaginar que grande parte da sua vida passaria a ter a ação política como atividade principal. A primeira vez que se candidatou ao cargo de vereadora da Câmara Municipal de Toronto, tentou substituir precisamente Mario Silva (que, entretanto, tinha saído para outros voos), concorrendo com um programa centrado nas questões ambientais, nos direitos dos inquilinos e na redução dos impostos sobre a propriedade para os idosos. Terminou em segundo lugar. Não desistiu (será que este verbo faz parte do seu vocabulário?…) e em 2010 foi eleita pela primeira vez para a Câmara Municipal de Toronto, em representação de Davenport. Foi reeleita em 2014 e, quando o governo de Ford reajustou os limites das circunscrições durante as eleições municipais de 2018, ganhou novamente na nova circunscrição 9 de Davenport, uma fusão das suas anteriores circunscrições 18 e 17. Em 2022 saiu do executivo, onde era há vários anos vice-presidente. Em 2023 ficou em segundo lugar nas eleições intercalares para a Câmara de Toronto, perdendo para a ex-deputada do NDP Olivia Chow.

Nesta sua caminhada política, de grande proximidade com a comunidade portuguesa, Ana Bailão conheceu profundamente os luso-canadianos e sabe bem, como é importante que se faça todo um trabalho de sensibilização para a necessidade de os portugueses aqui residentes olharem para a vida política, como algo que lhes diz respeito e na qual devem participar. Porque nos faz mais fortes e mais respeitados. Foi por isso que nos pareceu essencial, ter nesta edição a visão desta portuguesa que tem uma história de vida política que fala por si e que, tudo indica, ainda terminou. Como a própria afirma nesta conversa com o Milénio, ainda tem “muito para dar”. Bem… a vida já lhe mostrou que depois do segundo lugar, pode vir o primeiro.

Milénio Stadium: Qual é a sua opinião sobre a relação da comunidade portuguesa aqui residente e com a vida política canadiana?
Ana Bailão: Eu acho que o envolvimento tem cada vez aumentado mais, não é? Nós temos cada vez mais pessoas a tirarem a cidadania canadiana, a quererem participar na vida política do país. Eu lembro-me quando nós, no ano 2000, começámos a fazer sessões para preenchimento de formulários para as pessoas obterem a cidadania havia muita, muita, muita gente que ainda não tinha a cidadania, e que, portanto, não podia participar. Acho que a comunidade portuguesa é uma comunidade que veio para o Canadá trabalhar. E é uma comunidade muito cumpridora dos seus deveres e, por vezes, não se envolve tanto na vida pública e na vida política como outras comunidades.

MS: Será porque não entendemos a vantagem que isso poderia ter para a comunidade? Ou não vemos vantagem nisso?
AB: Eu acho que as pessoas têm os sintomas de muitas outras comunidades. As pessoas estão um bocadinho saturadas da forma como se faz política hoje em dia. Por outro lado, as pessoas têm uma vida ocupada… portanto, todas essas coisas afetam a nossa comunidade como afetam as comunidades todas. Mas eu acho também que há ainda muito na nossa comunidade a falta de perceber que realmente há uma importância muito grande em participar politicamente. Às vezes as pessoas não compreendem que a participação política, o ir votar ou eleger alguém, não tem só um impacto no sentido de se dizer “eu vou votar porque vou eleger aquela pessoa”, não. Tem um impacto na nossa vida, no dia a dia, impacta a maneira como somos vistos, não só pelos políticos de origem portuguesa que são eleitos, mas por todos os políticos. Se nós formos uma comunidade participativa, uma comunidade que elege pessoas, uma comunidade que vai para fora e vota e participa e é reivindicativa, os políticos olham para nós de uma maneira diferente porque sabem que têm que contar connosco. Dizem: estas pessoas vão votar, esta comunidade é uma comunidade que sai para a rua e que vai votar. Portanto, eu tenho que os ouvir. Eu tenho que responder às suas necessidades, eu tenho que trabalhar com eles. E, portanto, isto tem um impacto muito grande na vida do dia a dia de qualquer pessoa deste país. Às vezes, eu penso que as pessoas não compreendem isso.

MS: Para além disso, o número de portugueses que se interessam pela vida política ao ponto de se candidatarem de modo a terem um papel predominante numa determinada eleição é ainda muito pequeno, quase residual, não é? Atendendo aos mais de 70 anos que nós temos de imigração aqui no Canadá…
AB: Eu acho que é, realmente, uma área em que a nossa comunidade não teve uma grande participação. Começa a ter agora mais. Nós enveredamos por outras áreas profissionais. E não houve muita gente que foi para essa área profissional. E, obviamente, isso tem um efeito cascata, não é? Porque se criam networks, criam-se “role models”. As pessoas começam a sentir aquelas aquilo mais perto e começam a identificar essas coisas. Eu, por exemplo, confesso que nunca, jamais me imaginei na política. A única razão por que eu fui para a política foi porque o Mário Silva me puxou para o escritório dele. Se eu não tivesse tido esta oportunidade de ver, de contactar, de trabalhar através do network, do envolvimento comunitário que eu tinha, eu provavelmente nem nunca punha isso como uma possibilidade na minha vida. E, portanto, isto é muito importante. Ter estes valores, ter estas pessoas que puxam, ter estes exemplos. Eu acho que isto é importante, esta participação.

MS: Essa situação de role model também se aplica à próxima pergunta porque os representantes que temos tido nos diversos níveis de governo – MP’s. MPP’s, vereadores, Mayor’s – são importantes para servirem de inspiração para os portugueses participarem mais. Mas eles têm contribuído, na sua opinião, para reforçar a afirmação da importância da comunidade portuguesa a nível nacional?
AB: Eu acho que sim. Acho que sim. Acho que a sua presença lá, o seu contributo, só por si, já é uma afirmação, não é? O seu trabalho, não só para a comunidade portuguesa, mas em geral, seja uma pessoa que esteja na Câmara ou por exemplo, o Charles Sousa, que era ministro das Finanças. Obviamente, isso contribuiu imenso para a afirmação da comunidade portuguesa. E, portanto, tudo isto contribui. Absolutamente! Eu acho que sim.

MS: Uma faixa da população da própria comunidade que diz que a responsabilidade é nossa, dos portugueses que aqui vivemos. Porque nos desinteressamos da tal participação ativa nas decisões políticas. A questão do voto e de estar atento ao que se está a passar é realmente fundamental, não é?
AB: Eu não diria que é só aqui e que a culpa fica toda na comunidade. Há sistemas que estão, que existem na nossa sociedade, aqui no Canadá, que também dão mais abertura ou não a essas participações. Portanto, sim, a comunidade tem que se afirmar e temos que participar. É tudo isso. Mas é importante que a sociedade, em geral, crie essas oportunidades também para comunidades que estão a chegar, para comunidades étnicas se envolverem cada vez mais. Portanto, a responsabilidade eu não diria que está só nas comunidades. Eu acho que a responsabilidade é da sociedade canadiana em geral, porque para uma sociedade que tem imigrantes de tantos países, por exemplo, a cidade de Toronto, que tem mais de 50% das pessoas que nem nasceram aqui no Canadá, é extremamente importante ter uma integração social bem feita. E essa integração social vem também da participação dessas pessoas na vida democrática da cidade, da província e do país. E isso não é uma responsabilidade só da pessoa, é uma responsabilidade também da sociedade de acolhimento.

MS: Isto encaixa numa outra questão que eu tinha preparado, que é: o desinteresse pela política, de certo modo, é causado pelo facto de haver um descrédito na ação política, muito causado por ações ou inações de políticos?
AB: Os números demonstram isso. Cada vez mais nós temos sentido em muitas eleições uma diminuição da participação, cada vez mais o grande vencedor é a abstenção, em muitas das eleições. E, portanto, isso é um problema que toda a classe política tem que ter em atenção, porque a base da democracia é a participação democrática das pessoas. E nós estamos a ver, cada vez mais, uma polarização muito grande na política. E eu acho que, na minha ideia, ao mesmo tempo que isso galvaniza certas pessoas, também desmotiva muitas pessoas de participarem, de se fazerem ouvir, de quererem participar. Isso desmotiva muitas pessoas. E esses são os tempos que estamos a viver hoje em dia. Aliás, nós olhamos para as eleições nos Estados Unidos e vemos uma polarização extrema. É assim – ou estás comigo ou estás contra mim. E eu acho que isso desmotiva muito as pessoas de se envolverem.

MS: Mas na sua opinião, para além da questão que já mencionou de ser importante investir na mobilização das pessoas no sentido de se tornarem cidadãs canadianas, porque isso é um ponto essencial, o que é que pode ser feito para alterar esta situação? O que pode ajudar a levar as pessoas a perceberem que há interesse em termos mais luso-canadianos de facto a exercer política ao mais alto nível?
AB: Eu acho que a nossa comunicação social, eu acho que as nossas organizações, eu acho que cada vez mais aqueles que estão eleitos hoje em dia, têm que cada vez mais abordar este assunto e falar neste assunto. Eu acho isso. Noto que nós tivemos uma altura em que houve um esforço muito grande na comunidade para ter essa participação. Para termos as pessoas a tirarem a cidadania canadiana, Para fazer ver o quanto é importante participarem politicamente. E acho que houve um abrandamento desses esforços. E eu acho que é muito importante que não haja esse abrandamento. Que organizações, especialmente organizações como nós, temos de cúpula, todas devem interessar-se e falar nestas coisas. Hoje em dia isso é muito pouco. Não há o suficiente, acho eu, na nossa comunidade. Eu acho que nós temos que voltar a isso. E é interessante porque nós até temos bastantes pessoas a trabalhar na política, podem não estar eleitas, mas estão em gabinetes de ministros, em gabinete do primeiro-ministro, em gabinetes diversos de órgãos de poder. Quer dizer, temos pessoas a trabalharem nestes postos que não têm tanta visibilidade, mas que são também determinantes. E a quem era importante dar uma voz e dar um foco e dar uma luz na comunidade para não só servirem de exemplo, mas também para termos estas conversas. O que é que é possível? Como é que é? Qual foi o percurso deles? Como é que podemos criar mais oportunidades para outras pessoas? Eu acho que este diálogo tem que voltar a ser um ponto de ação da nossa comunidade.

MS: Será que podemos sonhar ter de novo uma portuguesa a candidatar-se à Câmara Municipal de Toronto nas próximas eleições?
AB: É assim… eu digo assim: eu conheço-me a mim própria. E se Deus quiser e eu tiver saúde, ainda sou muito nova, por isso, eu acho que ainda tenho muito para dar. Exatamente a data em que vou voltar à vida política, isso não sei. Mas eu acho que… eu acho que ainda tenho muito para dar.
MB/MS

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