A imigração e a ajuda das novas tecnologias
Sara Vieira doutorou-se na Universidade de British Columbia, após anos de investigação, com uma tese que visou compreender as intersecções entre bilinguismo, identidade e lugar para os transnacionais luso-canadianos. Antes, no desenvolvimento do seu Mestrado em Sociologia Crítica na Universidade de Brock, Sara Vieira investigou a língua portuguesa e a retenção e transmissão cultural com mães luso-canadianas.
Interessou-se também pelas experiências dos luso-canadianos transnacionais que se reintegram na Grande Área de Toronto (GTA) depois de terem vivido em Portugal. Além disso, estudou o envolvimento da comunidade e o poder organizacional da comunidade portuguesa estabelecida na GTA.
Com um perfil académico desta natureza é fácil perceber por que razão o Milénio procurou obter a sua opinião sobre o tema da semana. No fundo, podemos afirmar que gostamos de falar com quem sabe.

A sua visão trouxe-nos a perspetiva seculo XXI sobre isto de ser imigrante – mesmo a muitos quilómetros de distância do país natal ou pelo menos, do país onde moram as nossas raízes, o imigrante mantém uma enorme proximidade com a família que vive distante, através de videochamadas frequentes, tem acesso a toda a informação sobre o que se passa quer a nível nacional, regional ou local e isso marca uma muito profunda diferença para a realidade da imigração de há 70/60/50/40/30 ou até 20 anos atrás, em que o corte com o país de origem era real e dilacerante. Mas o imigrante atual é também mais capaz ou tem mais competências académicas (por exemplo, tem mais facilidade em falar inglês), e usa as novas tecnologias para se integrar de forma mais plena na vivência do país de acolhimento. E isso faz muita diferença.
Milénio Stadium: Emigrar é ainda “a procura da concretização de um sonho” ou a luta pela sobrevivência?
Sara Vieira: As duas coisas podem ser verdadeiras em simultâneo. Para alguns, o “sonho” de um futuro melhor: carreira, segurança, educação ou casa própria requer a emigração para outros lugares para se concretizar. Para outros, a migração é forçada, sendo que alguns têm de se deslocar para garantir o seu sustento e, em casos extremos, para garantir a sua vida. No caso dos portugueses que emigram atualmente para o Canadá, trata-se de uma situação muito semelhante à anterior, em que os indivíduos optam por emigrar pelas suas esperanças imaginárias e por melhores oportunidades ou experiências.
MS: Como podemos definir o perfil do emigrante português de hoje? Quem está a emigrar, concretamente para o Canadá?
SV: O atual emigrante português para o Canadá segue muito dos mesmos padrões que vemos noutras comunidades de imigrantes para o Canadá: são normalmente jovens adultos, têm formação académica, têm um conhecimento variável da língua inglesa (provavelmente conseguem comunicar em inglês) e estão a mudar-se para os maiores centros urbanos do país: Área da Grande Toronto, Montreal ou Vancouver. Estes números diminuíram significativamente desde as nossas maiores vagas de migração para o Canadá a partir de Portugal nos anos 60-1980, mas ainda temos provas de migração para o Canadá a partir de Portugal nos últimos dados do Statistics Canada. Também vemos luso-descendentes e outras comunidades de língua portuguesa a migrar para estes grandes centros urbanos.
MS: Relativamente ao país de acolhimento, que postura têm? São leais ao Estado que os acolheu? Tentam realmente integrar-se, ou sentem sempre que estão apenas de passagem?
SV: Falando em termos muito gerais, o emigrante dos tempos modernos é capaz de se integrar e comunicar no seu local de emigração, Canadá ou Toronto, por exemplo, mantendo ao mesmo tempo laços importantes com o “país de origem”. A utilização dos meios de comunicação e das tecnologias digitais reformulou as possibilidades de os migrantes manterem a sua vida social quotidiana com redes que podem não estar necessariamente no mesmo local. Isto também abre oportunidades para os migrantes aprenderem e se envolverem mais facilmente no seu país/comunidade de acolhimento, acedendo às redes sociais para se informarem gratuitamente sobre eventos, lojas, atividades recreativas, etc.
MS: É verdade que o emigrante de hoje tem uma forma diferente de gerir a vida, nomeadamente o seu tempo de trabalho? Ou seja, a frase que tantas vezes se ouve “agora, quem vem não trabalha como se trabalhava antes” faz sentido?
SV: Pessoalmente, acho que estas generalizações amplas por vezes não têm mérito na realidade, mas sim em observações seletivas ou por ouvir dizer. O que sei é que os emigrantes de hoje refletem os tempos de hoje: as expectativas mais flexíveis de conciliação entre a vida pessoal e profissional mudaram de há 30 anos para cá. Sabemos que os pais dos millenials estão a passar mais tempo com os filhos do que as outras gerações. Vemos que a maioria das famílias monoparentais tem ambos os pais a trabalhar fora de casa. Além disso, estamos todos a unir-nos depois de uma pandemia global que alterou significativamente a nossa visão do mundo. Os grandes acontecimentos mundiais têm impacto na forma como a humanidade dá prioridade ao que é importante e como quer viver. Talvez estas mudanças no trabalho dos emigrantes reflitam também algumas destas realidades.
MB/MS
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