A história da Lucy Lu
Por mais tolerante que seja, não consigo gostar de quem não gosta de animais. Sempre fui assim e sempre fui sensível ao mundo que nos rodeia em que nós, como animais que somos, também nos integramos. De facto, hoje em dia sabemos bem que os animais são fundamentais para o nosso bem-estar social e emocional. São imensos os estudos que se debruçam sobre o assunto assim como a existência de vários programas em que esses nossos companheiros são-nos fundamentais. Tenho especial apreciação por cães, criaturas que desde sempre me intrigam e por quem tenho uma devoção religiosa.
Esta é a história da Lucy Lu.
Foi numa viagem aos Açores que nos conhecemos. Bem, eu soube dela antes de nos conhecermos; soube que ela e quatro irmãos tinham sido enfiados num saco plástico e abandonados no mato para morrer. Soube também que uma alma caridosa ouviu uns fracos latidos e quando procurou a fonte encontrou o terrível saco com cinco cachorros quase moribundos, e que imediatamente os levou ao canil municipal da ilha do Faial. Nessa noite quase não dormi e chorei imenso com pena deles, mas, e especialmente, com pena e muita vergonha daqueles que cometem tais crueldades. A tragédia é que o abandono e crueldade de animais é problema ainda muito grave nos Açores, e que, apesar do excelente trabalho de uma minoria de ativistas, ainda há muito a fazer. Mas regressemos à história da Lucy Lu, que naquelas breves duas semanas antes de vir comigo para o Canadá, teve o nome de Mary Lu. Escolhi a então Mary Lu por ser a mais pequenita e por ser cadela; isto porque o tratamento das fêmeas tende a ser mais cruel, sendo elas geralmente abatidas como “controle de natalidade.” Estivemos juntas uma única vez, sendo a próxima vez que nos vimos quando viajámos juntas para o Canadá. No dia em que ela saiu do canil, chorávamos ambas por diferentes motivos, sem dúvida. Ela, pelo trauma de não compreender o que se passava e eu, por ter a alma cheia de dor e mágoa e por ver no espelho retrovisor do carro aquele canil que se tornava cada vez mais pequeno e onde eu deixava atrás dezenas de cães necessitados. A verdade é que chorámos muito sem nos importarmos com aqueles que nos observavam. A chegada a Toronto não careceu de emoção, das lágrimas que me saltavam dos olhos quando outros viajantes curiosos reparavam na excessiva magreza da minha esfarrapada companheira. Foi no aeroporto que a Mary Lu recebeu o nome de Lucy Lu porque a pessoa que a examinou – e com quem concordei – achou que ela tinha cara de Lucy Lu e não de Mary Lu.
Há mais de dois anos que a Lucy Lu ocupa a minha casa e a minha alma. Não a considero animal de estimação, nem me considero “dona” dela, nem uso a palavra “pet.” Não. Considero-a parte da minha família, uma menina canina, uma companheira que contribui para o bem-estar do lar e nos protege dos esquilos, coelhos e outras criaturas que tentam invadir o nosso espaço. Todas as noites sentamo-nos juntas no sofá, atentas uma a outra. Ela, ciente de que eu, em tempos de confinamento, estou mais carente e eu, simplesmente grata por a ter comigo.
Maria João Dodman/MS
Redes Sociais - Comentários