“A falta de saúde mental, também é fatal” – Ema Dantas
Ema Dantas é, desde há muito, conhecida por levar bandeiras aos topos para serem vistas – sejam elas dos países que representa, colocadas nos cumes das montanhas que sobe, ou sejam elas em forma de voz, que se faz ouvir pelos mais variados picos, chamando a atenção para a importância da saúde mental.
Nesta época atípica de pandemia, as doenças de foro mental quase que passam despercebidas, porque o foco está em combater o vírus. No entanto, há este outro “vírus”, invisível, que nos consome ou pode consumir, se não lhe dermos a devida atenção e também dele nos protegermos – a saúde mental é, agora talvez mais do que nunca, um assunto que deve ser falado, e por este motivo, nesta edição do jornal Milénio Stadium, resolvemos chamar a atenção para esta problemática. Procurámos, por isso, a opinião de Ema Dantas, CEO da Peaks For Change, uma organização que tem como objetivo eliminar o estigma associado à saúde mental.
Milénio Stdium: A Ema é uma pessoa que já há bastante tempo tenta chamar a atenção para a saúde mental. Como vê a situação atual da doença neste contexto de pandemia?
Ema Dantas: Eu acho que a situação está a piorar. O isolamento, a incerteza do dia de amanhã e todos aqueles que perderam o emprego, são algumas das razões pelas quais eu acho que as coisas estão a piorar. E não é só em nós adultos, mas nas crianças, adolescentes, jovens e todas as pessoas de terceira idade. Sondagens feitas indicam que o número de suicídios poderá subir 27.7%, e está a haver um aumento enorme no número daqueles que procuram ajuda nas várias linhas de apoio também.
MS: Esta doença é cada vez mais transversal – atinge pessoas de todas as faixas etárias e estratos sociais. O que é que falta para que a saúde mental seja encarada com mais atenção por parte de quem governa?
ED: Que a saúde mental seja vista como uma consequência do vírus. Tal e qual como temos que manter a distância uns dos outros, usar máscara, etc, e ouvirmos constantemente isto, é necessário falar que o isolamento, a ansiedade, a perda de emprego e a capacidade de tratar das nossas famílias, o facto de não vermos as nossas famílias, afeta também a nossa saúde e que a falta de saúde mental, também é fatal – um facto muito importante que não se está a falar.
MS: Continuamos a falar de estigma sempre que se fala de saúde mental. Considera que esse facto acaba por agravar o estado de saúde das pessoas que têm problemas desse foro, porque têm dificuldade em assumi-lo e pedir ajuda?
ED: 100%. E agora muito mais, na minha opinião. É difícil falar e queixarmo-nos que estamos deprimidos, ou que nos achamos sem saída, com medo, ou que estamos a ter pensamentos de acabar com a nossa vida, quando temos que competir com um vírus que está, diariamente, nos media e nas redes sociais.
MS: Os problemas relacionados com a saúde mental estão, segundo estudos recentes, a atingir mais os jovens e os idosos. Neste quadro de pandemia, que isola muito os mais velhos e traz muita incerteza para os mais jovens, poderá explicar esta situação?
ED: Imagine ser uma pessoa idosa, estar num lar, ou em casa e agora a família não vem visitá-lo? Ou quando vêm estão a falar através de um vidro? Imagine pensar que se sair à rua, se vir a sua família, poderá morrer? Porque essa é a mensagem que estamos sempre a ouvir. Depois imagine ser jovem, e não poder ir à escola, ou para a universidade que tinha planeado, ou fazer o estágio que precisa, como é que se sentiria perante estas incertezas? Quando estamos a ser bombardeados diariamente que podemos morrer. Bem, eu pessoalmente sinto-me afetada – acho que os mais velhos que já passaram uma vida inteira de altos e baixos vão sofrer. E aqueles que têm sonhos de começar uma nova etapa de vida, também vão sofrer. E a nossa saúde mental é a primeira coisa a ser afetada.
MS: A Ema Dantas tinha previsto para este ano mais um passo importante, na sua conquista das montanhas. Esse plano teve que ser adiado. Até que ponto este facto, provocado pela pandemia, a fez sentir também afetada em termos emocionais?
ED: Pois, tem sido muito difícil. A incerteza do futuro, de falta de liberdade de viajar e até treinar, tem-me afetado muito. Há dias que são difíceis, porque às vezes penso: “para que é que estou a treinar?”.
MS: Tendo em conta o seu profundo conhecimento desta área da saúde mental, como é que encara o futuro, perante tudo o que está a acontecer no mundo devido a esta pandemia?
ED: Eu pessoalmente preciso de ar fresco. Vou correr sozinha! Eu preciso de me desligar da mensagem constante do pior. Uma vez que me mantenho atenta à minha saúde física, algo que sempre tentei fazer, preciso de pensar que tenho que continuar a divulgar a mensagem que a saúde mental é tão importante como a saúde física. Podemos contrair o vírus e podemos sobreviver, mas se não tratarmos da nossa saúde mental, um pequeno momento de desespero pode levar ao suicídio. Eu falo com a minha psicóloga mais frequentemente. E estou a fazer esforços para dar esse exemplo às minhas filhas e aos meus netos.
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Catarina Balça/MS
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