“A comunidade em geral, neste momento, em agosto de 2024, não está em risco” – Isaac Bogoch
O Dr. Isaac Bogoch é Professor Associado da Universidade de Toronto no Departamento de Medicina e especialista em Doenças Infeciosas e Internista Geral no Hospital Geral de Toronto, com especialização em doenças tropicais, VIH e doenças infeciosas gerais. Concluiu o curso de medicina e o internato de Medicina Interna na Universidade de Toronto e especializou-se depois em Doenças Infeciosas na Universidade de Harvard. Tem um Mestrado em Epidemiologia da Escola de Saúde Pública de Harvard e completou bolsas de estudo em Doenças Infeciosas Tropicais e cuidados com o VIH.
O Dr. Bogoch trabalha na intersecção da medicina clínica, epidemiologia, saúde pública, segurança e política de saúde. Divide os seus esforços clínicos e de investigação entre Toronto e vários países em África e na Ásia. O seu trabalho centra-se na redução do impacto de doenças infeciosas emergentes como a COVID-19, a mpox e o VIH, ao mesmo tempo que desenvolve estratégias para melhorar a qualidade dos cuidados médicos em locais com poucos recursos.
Com todo este histórico de estudo e trabalho, em tudo o que diga respeito a doenças infeciosas, pareceu-nos de inteiro interesse trazer o seu saber para esta edição do Milénio. Efetivamente, há uma grande dose de falta de informação, envolta em medo de esta mpox se transformar numa nova edição da pandemia que tanto nos assustou e ainda assusta, o que transforma a opinião de pessoas que sabem efetivamente sobre o assunto em algo muito valioso e necessário.
E se podemos tirar uma conclusão sobre o que Isaac Bogoch nos disse é que não há razão para temer uma nova pandemia.
Pode explicar-nos o que é o Mpox, de uma forma que todos entendam?
Então… o Mpox é um vírus que foi, originalmente, encontrado em África. E pode ser transmitido de pequenos animais para humanos e depois de humano para humano. Propaga-se sobretudo através do toque. E o problema é que este vírus provocar a erupção de algumas bolhas muito dolorosas na pele e pode causar febre entre outros sintomas. Pode ser muito doloroso. Não é frequente, mas as pessoas podem mesmo morrer.
Se se trata de um vírus há muito conhecido, porque é que a OMS só classificou agora esta doença como uma emergência de saúde mundial? O que é que mudou para esta decisão ser tomada?
Porque a maior parte do vírus estava no país da República Democrática do Congo. Mas o surto tem vindo a crescer nesse país há anos e agora está a começar a espalhar-se a outros países, incluindo o Quénia, a Tanzânia, o Uganda, o Burundi e a República Centro-Africana. Portanto, está a alastrar-se a outros países e há uma vacina disponível. Isso é muito útil. Mas não temos visto uma partilha generalizada da vacina nos países que mais precisam dela. E, infelizmente, o vírus continua a propagar-se porque os países não têm acesso às ferramentas necessárias para manter o vírus sob controlo.
Como é que se transmite? Fala-se muito da transmissão por via sexual, com especial incidência na comunidade gay…
No Canadá, se olharmos para todos os casos, mais de 96% são da comunidade gay. De modo que, isso é certamente verdade no Canadá. É o que está a acontecer agora. Mas, claro, é um vírus que ainda se pode propagar de pessoa para pessoa. Mas, atualmente, no Canadá, temos visto o vírus espalhar-se quase exclusivamente entre os homens que fazem sexo com homens ou a comunidade gay. Isso não é verdade em África, nos contextos africanos. É certo que algumas pessoas homossexuais estão a contrair o vírus, mas também há crianças pequenas que o contraem. As pessoas apanham a doença e transmitem-na a outras pessoas da casa. Se partilham uma casa com outras pessoas. Por isso, em África, a transmissão da doença acontece de um modo um pouco diferente do que está a acontecer no Canadá. No Canadá, as pessoas contaminadas até ao momento são efetivamente quase todas homossexuais, ou da comunidade homossexual.
Para além da erupção cutânea e da febre, que outros sintomas estão associados a esta doença?
A grande maioria é realmente aquela erupção cutânea muito dolorosa. Essa é a grande maioria. Mas, claro, como tudo o resto, pode haver manifestações menos comuns do vírus, incluindo no cérebro e no coração. O cérebro pode ser afetado, os olhos podem ser afetados e o coração pode ser afetado. Mas não é tão comum.
Essa parte dos sintomas é rara?
Sim. Sim, isso seria raro. Os sintomas mais comuns são a febre e a erupção cutânea muito dolorosa. Parece-se um pouco com a varicela, mas é mais dolorosa e cobre todo o corpo.
Há alguma razão para ter medo? Poderá isto ser o início de outra pandemia?
Bem, eu não estou aqui para dizer às pessoas como devem pensar. Estou aqui para lhes dar informação para que possam tomar decisões inteligentes por si próprias. Se olharmos para o Canadá, neste momento, sabemos quem está em risco. São os homens que fazem sexo com homens e que têm múltiplos parceiros sexuais. Esta é a parte da população que está em risco. Isso pode mudar com o tempo, mas há dois anos que temos este vírus no Canadá, certo? Houve um grande surto no verão de 2022. Depois, desapareceu quase por completo. Mas ainda temos um pouco dele no Canadá. E até 2022, de 2022 até agora, quase todos os casos no Canadá ocorreram na comunidade de homens que fazem sexo com homens. E digo isto com respeito, sem estigma, porque é importante que as pessoas saibam quais são os riscos e saibam se podem ou não correr o risco de contrair a doença. É importante reduzir o estigma e fazer com que as pessoas se sintam à vontade para obter ajuda e cuidados, se precisarem.
Que cuidados devemos ter, o que devemos fazer para evitar a contaminação?
Nada! Nada, porque a comunidade em geral, neste momento, em agosto de 2024, não está em risco. É realmente uma preocupação para homens que têm sexo com homens essencialmente os que têm múltiplos parceiros sexuais. Os trabalhadores do sexo também fazem parte do grupo de risco. Todos eles podem receber uma vacina, mas todas as outras pessoas, não precisam disso agora. São essas pessoas que se encontram nos grupos que mencionei que devem ser vacinadas. E, sabem, eu trabalho nesta área e a vacina está a ser lançada há dois anos para esses grupos. E é boa. Funciona. Quer dizer, ajuda a reduzir o risco de infeção. E as pessoas que estão a ter infeções, apesar de já terem sido vacinadas, têm infeções muito mais brandas. Por isso, é bom que se vacinem.
Mas, por exemplo, se eu for a um supermercado e alguém infetado esteve lá antes ou em simultâneo, tocou em produtos que toco logo a seguir… não há maneira de eu ser infetada?
O risco seria próximo de 0%. É preciso ter contacto direto ou um contacto longo, longo, longo e próximo com quem está contaminado ou ter algum tipo de contacto sexual. Seria extremamente raro ficar contaminada com mpox desse modo, num supermercado. É possível, mas muito pouco provável.
MB/MS
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