Portugal

Jornais voltam a ganhar protagonismo à mesa dos cafés

Aos poucos, os cafés estão a retomar velhas rotinas com o regresso dos seus clientes habituais, após meses de confinamento.

Ler o jornal é um dos hábitos mais enraizados nos frequentadores destes espaços, pelo que, até à pandemia, seriam raros os proprietários que não disponibilizavam diariamente vários títulos. Depois, além do longo período de encerramento, vieram os receios de contágio, o que levou muita gente a evitar a leitura partilhada. Há algumas semanas, as garantias científicas das mais altas instituições mundiais sobre a inexistência de risco nesta prática levaram os clientes habituais a voltar a procurar a informação em papel nos locais públicos.

Lisboa, 18/06/2020 – Reportagem sobre leitura de jornais nos cafŽs. Na imagem Nuno Ambrosio. . (PAULO SPRANGER/Global Imagens)

Numa ronda pelas principais cidades do país [ler página ao lado], o JN constatou que os próprios empresários estão a retomar o hábito de comprar publicações, porque os clientes perguntam pelos jornais, que, no fundo, são “um chamariz”.

De facto, a Organização Mundial da Saúde e os principais institutos científicos e virológicos de referência internacional concluíram que a exposição à covid-19 através de papel de jornal é praticamente inexistente e que, por isso, o contacto é seguro.

NÃO MOLHAR O DEDO

Em Portugal, Graça Freitas, diretora-geral de Saúde, confirmou-o na conferência de imprensa diária de 8 de junho. “O risco é, de facto, baixo. Devemos continuar a ler, a utilizar o suporte papel”, referiu, apelando, então, diretamente a cafés e outros estabelecimentos e instituições para continuarem a assinar a imprensa.

Três meses depois da declaração do estado de emergência, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, confirma ao JN que o risco de transmissão pelos jornais “é muito baixo”, embora recomende cuidados como “higienizar as mãos depois da leitura”.

Para o clínico, há ainda que evitar o velho hábito de molhar o dedo na língua para folhear as páginas. “Isso é que não pode ser.”

PAPEL RESISTENTE AO VÍRUS

Para tranquilizar ainda mais quem não dispensa a leitura de jornais em cafés, pesquisas científicas das universidades de Bochum e Greifswald (Alemanha) asseguram que o papel, “por ser poroso, é uma das superfícies mais resistentes” aos vírus.

Braga, 18/06/2020 – O café Veiga, no centro comercial Lafayette, disponibiliza aos clientes jornais de tiragem diária desde segunda, dia 15 de junho. O estabelecimento esteve fechado quase três meses, mas retomou o funcionamento disponibilizando, como sempre, jornais para os clientes. Na foto: Valdemar Castro, 90 anos, cliente do café Veiga (Paulo Jorge Magalhães/Global Imagens)

Um artigo publicado recentemente no prestigiado jornal norte-americano New York Times, assinado pela editora de saúde Tara Parker-Pope, que cita especialistas mundiais , diz a que “o risco de infeção pelo manuseio de papel é, atualmente, apenas teórico”. “Não há casos documentados de alguém ficar doente ao ler um jornal”, conclui.

Jornais foram importantes no confinamento

Mais de 90% dos jornalistas assumem que orientaram o seu trabalho, durante o estado de emergência (de 19 de março a 2 de maio), para comportamentos de prevenção e tratamento da covid-19. E esse facto contribuiu para que, a par da decisão do Governo em decretar rapidamente o confinamento, as pessoas percebessem a importância de ficar em casa e resultasse no sucesso que muitos apontam à medida.

A conclusão faz parte do primeiro inquérito sobre o impacto da covid-19 no jornalismo português, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade do Minho (UMinho), e pelo Centro de Investigação em Tecnologia (CINTESIS) da Universidade do Porto, cujos resultados preliminares foram divulgados na última semana.

“Houve aqui um trabalho exemplar dos jornalistas, num tempo em que os próprios estavam confinados e as redações, de uma forma geral, sentiam que iam ter gravíssimos problemas financeiros”, explicou ao JN Felisbela Lopes, da UMinho. A investigadora destacou que, mesmo assim, os jornalistas “procuraram ser coadjuvantes das autoridades sanitárias. E, por extensão, do poder político”. Os inquéritos foram respondidos por 200 profissionais.

“Desde que se cumpram as regras não há problema”

Em plena Avenida dos Aliados, no Porto, o Café Aliança, que tem mais de seis décadas de história, recebe o JN “desde sempre”. E muitos clientes, como Fátima Lopes, 62 anos, fazem questão de ler as notícias enquanto tomam o café.

Embora veja as notícias no site do JN, a portuense garante que “o papel é diferente”. Por isso, sempre que entra num café ou numa pastelaria, pergunta se têm o jornal. Numa altura em que as rotinas mudaram por causa da pandemia, também os leitores tiveram de se adaptar às novas regras.

“Já não é como antigamente, porque as pessoas têm de fazer a higienização das mãos antes e depois de pegar no jornal. Mas a procura mantém-se e desde que se cumpram as regras não há problema”, explica Luís Freitas [na foto], um dos gerentes daquele estabelecimento, adiantando que “os funcionários estão sempre atentos, para assegurar que não vai haver nenhum foco de contágio”.

Tratando-se de um café, estar atento significa não só reforçar as regras de distanciamento social e etiqueta respiratória, mas estar alerta, também, para um gesto que muitos tinham como rotina. Luís Freitas explica: “Havia quem tivesse o tique de levar o dedo à boca para folhear as páginas. Agora não pode ser”.

“Já tinha saudades de ler o jornal no café”

Na passada segunda-feira, Manuel Veiga Peixoto voltou a comprar o JN para o colocar à disposição dos clientes do seu café, no Centro Comercial Lafayette, em Braga. Acedeu ao pedido de vários frequentadores do espaço, que começam a retomar os hábitos que tinham antes da pandemia da covid-19. É o caso de Valdemar Castro [na foto] , 90 anos, que diz: “Já tinha saudades de ler o jornal no café”.

“O papel não traz doença”, afirma o bracarense, que passa cerca de duas horas diárias a ler as notícias. Ele e outros clientes ansiavam que Manuel Peixoto voltasse a trazer o JN e uma publicação regional para as mesas do estabelecimento.

“Eu sou o primeiro leitor, depois deixo os jornais disponíveis para os outros”, conta o proprietário, sublinhando que passou a ir ao quiosque comprar os títulos, “desde que disseram na televisão que não era contagioso”.

“Tenho desinfetante à porta e as pessoas são muito cuidadosas”, nota Manuel Peixoto, confessando que tem menos clientes, desde que reabriu portas, mas ainda há quem pare no café Veiga “só para ler o “Notícias””. “Há 30 anos que tenho o jornal no café. Só deixei de comprar estes três meses em que estive fechado”, conta.

“Quem vem cá, lê sem receios”

Desde que o café onde trabalha reabriu, depois do confinamento, Vítor Lima tem reparado que os clientes voltaram a ler o jornal. “Estão a regressar aos poucos e comentam que sentiam saudades de passarem aqui um tempo a ler.

Muitos fazem-no enquanto esperam por alguém que está numa consulta médica, explica o funcionário do estabelecimento a poucos metros das Torres de Lisboa, onde funciona um hospital. Nuno Ambrósio [na foto], dono do café, acrescenta que ainda há poucos clientes, mas “quem vem cá, lê os jornais sem receios”.

Não é o caso de Jorge Guimarães, 65 anos, que utiliza luvas durante a leitura por precaução. “Temos de ter mais cuidados. Há muitas pessoas a mexer nos jornais, mas não deixo de vir e ler, claro”, explica o morador em Benfica há mais de 40 anos. O cliente habitual do café Zêzere passa por ali a manhã e os jornais diários são a sua companhia matinal.

Em geral, em Lisboa – onde apenas alguns estabelecimentos situados nas zonas mais turísticas não abriram, ou os que o fizeram estão a sentir muitas dificuldades na retoma – , os cafés voltaram a ter jornais , até porque, reconhecem os proprietários, são “um chamariz”.

JN/MS

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